A responsabilidade civil pelas perdas no Mercado de Ações
Foi noticiado, na semana passada, que a Bolsa de Valores, no ano de 2008, apresenta uma queda superior a 50%. Em números, isso pode representar que uma pessoa que possuía uma carteira de ações que, antes da crise, valia R$ 1.000.000,00, hoje tem seu patrimônio reduzido a R$ 500.000,00.
terça-feira, 11 de novembro de 2008
Atualizado em 10 de novembro de 2008 10:13
A responsabilidade civil pelas perdas no Mercado de Ações
Rodrigo Klippel*
Foi noticiado, na semana passada, que a Bolsa de Valores, no ano de 2008, apresenta uma queda superior a 50%. Em números, isso pode representar que uma pessoa que possuía uma carteira de ações que, antes da crise, valia R$ 1.000.000,00, hoje tem seu patrimônio reduzido a R$ 500.000,00.
Essa perda, acima exemplificada, pode ser ainda maior para aqueles investidores que não se contentaram em atuar de forma tradicional, simplesmente comprando ações e as guardando em carteira (o que no mercado se chama de BH - Buy and Hold, ou seja, comprar e segurar consigo as ações, a longo prazo).
Alguns, de forma mais arrojada, magnetizados pelos seguidos anos de lucro da Bolsa, quando ações como as da Vale e da Petrobrás valorizaram-se até quase 100% em doze meses, fizeram investimentos mais arriscados, atuando no chamado mercado futuro.
Dentre as operações de mercado futuro, encontra-se uma em particular que gerou enormes estragos nas contas bancárias de muitos poupadores, pessoas físicas ou jurídicas: trata-se do chamado mercado a termo.
Como ele funciona? Trata-se de um contrato de compra e venda de ações feito a prazo, da seguinte forma: uma pessoa interessada em adquirir 1000 ações da Petrobrás propõe a outra, que possui tais ações, a compra da mesma para daqui a 30 dias, por exemplo. Para tanto, estipula que pagará um ágio sobre o preço hoje praticado na ação (se hoje a ação vale 10, o comprador se compromete a, daqui a um mês, pagar 11, o que corresponde a um acréscimo de 10%). Para firmar o negócio, dá-se em garantia uma quantia pequena do valor do pacto fechado, que pode variar de 8% a 30% do valor do contrato.
Passados os 30 dias, vários podem ser os cenários. Se a ação, no exemplo dado, tiver alcançado o valor de 13 reais, aquele que firmou a compra a termo de 1000 ações terá ganho, sem gastar um tostão, R$ 2.000,00. Mas se o valor da ação estiver em 10 reais, o comprador terá perdido, no nosso exemplo, R$ 1.000,00, visto que se comprometeu com o vendedor a adquirir suas ações por R$ 11,00.
Veja, pois, que o investidor que opera comprando ações a termo conta com a ocorrência de um fato que não pode controlar: a subida do valor da ação. Somente assim ele ganhará dinheiro. Se a ação descer, seu destino será o prejuízo.
Muitos foram aqueles que perderam verdadeiras fortunas na Bolsa de Valores quando foi revertida a sua tendência de alta, pelo fato de que seus investimentos estavam concentrados na compra de ações a termo, o que significa que assumiram o alto risco de que o mercado deveria subir para que ganhassem dinheiro.
Imagine o seguinte caso: numa época em que as ações preferenciais da Petrobrás (PETRO4) valiam R$ 45,00, um investidor, apostando que a tendência de alta do papel continuaria, fez um termo de compra de 10.000 ações, para vencer em 120 dias, pagando um ágio de 5%. Isso significa que, daqui a 120 dias, estaria obrigado a comprar do vendedor 10.000 ações a R$ 47,50. Para firmar o negócio, cujo valor total montava em R$ 475.000,00, precisou dar uma garantia de 20% de seu valor, ou seja, de R$ 95.000,00.
Caso sua expectativa se confirmasse e a alta do papel fosse mantida, seria bem provável que, após 120 dias, o papel estivesse valendo, por exemplo, R$ 50,00. Sendo assim, observe o quadro que estaria montado: o investidor tinha adquirido o direito de comprar do vendedor 10.000 ações, por um preço total de R$ 475.000,00. Para tanto, não precisou pagar nada, mas tão-somente deixar em garantia 20% do valor do pacto. No dia em que o contrato venceu, 10.000 ações, no mercado à vista, valiam R$ 500.000,00. Com isso, sem desembolsar um só vintém, o investidor teria ganho R$ 25.000,00, sendo que o único ônus com que teve de arcar foi o de imobilizar, deixando em garantia, R$ 95.000,00. Realmente, um negócio da China!
Ocorre que, devido à grave crise que assola o mundo, e que afeta diretamente a Bolsa de Valores Brasileira, a sua tendência de alta se reverteu e as ações da Petrobrás que, no exemplo dado, antes valiam por volta de R$ 45,00, caíram, v.g., a R$ 25,00. Com isso, quando vence o prazo de R$ 120 dias, tem-se outro quadro totalmente diferente: enquanto o sujeito tem que comprar as ações do vendedor pelo valor de R$ 475.000,00, no mercado a vista o mesmo lote custa R$ 250.000,00. Ou seja, o investidor perdeu R$ 225.000,00!
Foi dessa maneira que muitos aplicadores da Bolsa de Valores perderam tanto dinheiro, dilapidando fortunas. Uma vez explicado o contexto econômico que impôs a tantos - pessoas físicas e jurídicas - uma verdadeira derrocada em suas finanças, deve-se responder ao questionamento central que o título deste ensaio propõe: é possível ressarcir-se desses prejuízos relacionados à queda momentânea da Bolsa de Valores?
O principal alvo desses questionamentos são as corretoras de Valores e os Agentes Autônomos de Investimentos, que são as pessoas físicas ou jurídicas que prestam o serviço de intermediar o contato entre a BOVESPA e o investidor. A atuação de tais agentes deve estar pautada em algumas regras, quais sejam:
a) devem expor ao cliente o risco da operação que será realizada, alertando-o para as possibilidades de ganhos vultosos mas, também, de perdas expressivas e talvez irrecuperáveis, pois "o mercado pode subir até 3000%, mas só cai 100%";
b) devem agir por conta e ordem do investidor, não podendo realizar operações sem a sua ciência e aprovação;
c) devem liquidar, ou seja, por fim à operação quando seu prejuízo exceda o limite da garantia dada.
Atitudes que fujam a esses parâmetros podem dar ensejo à obtenção de indenização por perdas e danos, a ser arcada pela Corretora de Valores ou pelo Agente Autônomo de Investimentos. Tais disputas, em grande número de casos, desaguarão no Poder Judiciário.
Em sede jurisdicional, o maior cuidado que os ilustres membros deste Poder deverão tomar diz respeito à alegação de que as operações realizadas, principalmente as de compra de ações a termo- que são aquelas que apresentam o maior potencial de ganho, mas também o maior potencial lesivo ao investidor, o foram sem autorização do cliente.
É característica ínsita à maioria dos seres humanos se vangloriar do sucesso e imputar a culpa do fracasso a terceiros. Sendo assim, o contexto de toda a relação jurídica travada entre o investidor e o agente deve ser cuidadosamente analisada pelo órgão julgador: por que somente as operações frustradas não foram autorizadas? A análise dos elementos históricos do vínculo entre as partes é muito importante a fim de evitar ações judiciais descabidas daqueles que não se conformam com a perda de uma quantidade muito grande de dinheiro, motivada pela não concretização de sua expectativa.
Ainda sobre esse ponto, que certamente será um dos elementos centrais das discussões que se abaterão sobre o Poder Judiciário, é essencial firmar que se deve atentar para o cometimento de abusos por parte das Corretoras, relacionados tanto à omissão da prática de atos que a lei ou o contrato estipulado entre as partes lhes obrigava como pela realização sem autorização de outros atos que deveriam ter a anuência do investidor.
Em suma, a responsabilidade estará ligada ao descumprimento do mandato que o cliente deferiu à Corretora ou ao Agente Autônomo de Investimentos. Uma vez verificada tal circunstância, estará configurado o primeiro dos elementos necessários à caracterização do direito à indenização.
A popularização do mercado de capitais é um fenômeno recente no Brasil. Ainda somos inexperientes no tema. Não se deve acreditar em milagres, mas deve-se saber que a Bolsa, a longo prazo, é uma oportunidade de ganhar tudo aquilo que a renda fixa nunca proporcionará. Perdas momentâneas devem ser suportadas pelo investidor, desde que os agentes que intermediam sua relação com a BOVESPA tenham agido, em relação a ele, de forma lícita, o que nem sempre acontece em um mercado que vende esperanças e ilusões e cujas regras técnicas ainda são pouco acessíveis aos leigos.
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*Advogado do escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues - Advogados Associados
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