Pena de morte: 400 anos atrás
Nas proximidades dos festejos dos 400 anos da instalação do primeiro Tribunal do Brasil vale relembrar alguns fatos relacionados com o Poder Judiciário daqueles tempos.
terça-feira, 11 de novembro de 2008
Atualizado em 10 de novembro de 2008 09:54
Pena de morte: 400 anos atrás
Antonio Pessoa Cardoso*
Nas proximidades dos festejos dos 400 anos da instalação do primeiro Tribunal do Brasil vale relembrar alguns fatos relacionados com o Poder Judiciário daqueles tempos.
O exercício da jurisdição só se inicia, quando o Estado assume a responsabilidade para dizer o direito. No Brasil Colônia, a jurisdição não era estatal, mas de ordem privada, porque os donatários das Capitanias recebiam de Portugal amplos poderes para governar o território que lhes eram entregues; esses senhores feudais diziam o direito das partes em todos os níveis, seja cível ou crime, administrativo ou militar; na área familiar, por ocasião da monarquia, delegava-se a competência jurisdicional para o "poder" eclesiástico, sempre presente no estado português e brasileiro. A legislação aplicada era as Cartas de Doação e as Cartas Forais; posteriormente, as Ordenações Reais, vigentes em Portugal.
As Capitanias eram completamente separadas umas das outras, a ponto de serem consideradas como se fossem estados estrangeiros. Registre-se que, por esses tempos, a população era bastante pequena; os núcleos urbanos mais habitados situavam-se em Olinda, 700 habitantes, Bahia e Rio de Janeiro, com 500 cada. A população de todo o Brasil, em 1584, beirava 200 mil pessoas, nos ensinamentos de Darcy Ribeiro.
A pena de morte existiu no Brasil colônia, na época das Capitanias Hereditárias, no Império e até na República, Constituição de 1937 (clique aqui). As Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas destacavam-se pelo rigor de suas penas e a pena de morte era contemplada para a maioria das infrações; a execução se processava de variadas formas: mutilação física, com uso da espada, pelo esquartejamento do condenado, em fogueira, corpo amarrado na boca de um canhão, etc.
Conta-se que Frederico, o Grande, da Prússia, ao tomar conhecimento do Livro V das Ordenações, no século XVII, indagou se ainda havia gente viva em Portugal.
Tomé de Souza exerceu o poder de punir com rigor. Em 1549, por ter matado um colono, um índio foi amarrado à boca de um canhão que, acionado, atirou o corpo do criminoso pelos ares aos pedaços, em decomposição; esta foi a pena aplicada pelo próprio governador diante do crime cometido pelo índio.
Os índios, os escravos e os peões eram os que recebiam castigos mais duros. Dois franceses, presos no sul do país, receberam penas brandas. Tomé de Souza justificou assim para o rei: "Não os mandei enforcar porque tenho necessidade de gente que não me custe dinheiro".
As Ordenações do Reino, na parte penal, vigoraram, no Brasil, até o ano de 1830; a legislação previa penas que iam da mutilação física até à morte. Esses e outros castigos, como o degredo, ofereciam algumas dificuldades para serem executadas; de natureza técnica, por causa dos conflitos de competência; no terreno da prática, porque havia deficiência logística; além desses problemas, o rei era pródigo no uso do perdão, ou "medidas de graça".
Somente em meados do século XVIII, o direito penal torna-se instrumento de punição efetiva; Carta de Privilégio de D. João III estabelecia que qualquer pessoa que estivesse "ausente" não poderia ser presa nem executada, não alcançando o ato os crimes de heresia, traição, sodomia e moeda falsa. É que o degredo para o Brasil já constituía em grave punição e era pena largamente aplicada pelos Tribunais e pela Inquisição.
O governador de Pernambuco, entre 1774 e 1787, José César de Menezes, mandou matar um criminoso, "Cabeleira", apesar de contar com apenas um voto entre os membros da junta, criada na capitania em 1735; Pinto Madeira, em Crato, no Ceará, em 1834, por ser autor de um assassinato, não teve o direito de recorrer da sentença de pena de morte que lhe foi imposta, apesar de contemplado o direito de reexame na legislação; em novembro de 1822, foram executados, sem processo algum, mais de cinqüenta negros, por determinação do general francês Labatut, no comando do Exército Pacificador da Bahia.
Conta-se que Bernardo Vieira de Melo, governador e capitão mor da Capitania do Rio Grande do Norte, após suspeitar traição praticada por sua nora, condena-a a morte e a pena é executada, sem pronunciamento judicial.
D. João VI, ao ser coroado rei, em 1818, concedeu perdão a todos os presos, remanescentes da revolução pernambucana de 1817, evitando a morte de 83 presos.
O fim formal da pena de morte aconteceu com a Constituição de 1891 (clique aqui), apesar de ter sido contemplada, ainda que por pouco tempo, na República, em 1937. O Código Criminal, 1830, não a excluiu, mas sua aplicação ficou limitada a casos de homicídio, latrocínio e rebelião de escravos; aboliu-se os espetáculos circenses e passou-se a julgar, através de um conselho de jurados, composto de doze cidadãos. A decisão condenatória da pena de morte não reclamava unanimidade de votos dos jurados, nem comportava qualquer recurso; posteriormente, é que se admitiu pedido de graça, concedida pelo imperador. Era considerada fundamental para controle da escravatura e para proteção de seus proprietários, porque o assassinato constituía ameaça constante dos escravos contra seu senhor; em 1835, uma lei criou um estatuto jurídico criminal específico para os escravos; nele ficou estabelecido que os escravos seriam condenados à morte se fizessem qualquer grave ofensa física aos seus senhores, sua mulher, seus descendentes e seus ascendentes; mais tarde, a pena máxima tornou-se fato político sério e difícil para o império, diante da pressão abolicionista, tanto no âmbito interno quanto externo.
O último enforcamento de um escravo por crime comum, no Brasil, deu-se em Alagoas, em 1876.
Os relatos sobre a aplicação das penas criminais, mesmo na vigência das Ordenações do Reino, não se mostraram tão drástica contra criminosos da elite. Havia, como nos tempos atuais, contemplação, quando a infração fosse praticada por um fidalgo; ainda hoje as cadeias prestam-se para receber criminosos, mas quando pobres e negros.
No Brasil colônia, o pelourinho era símbolo maior da justiça criminal e monumento existente até nas vilas.