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Comentários ao Projeto de Lei nº 4019/08

Foi noticiado recentemente que o Projeto de Lei nº 4019/08, de autoria da deputada Elcione Barbalho (PMDB/PA), encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados, aguardando análise das comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição, Justiça e de Cidadania.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Atualizado em 29 de outubro de 2008 11:07


Comentários ao Projeto de Lei nº 4.019/08

Renato de Mello Almada*

Foi noticiado recentemente que o Projeto de Lei nº 4.019/08 (clique aqui), de autoria da deputada Elcione Barbalho (PMDB/PA), encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados, aguardando análise das comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição, Justiça e de Cidadania.

O Projeto de Lei visa alterar a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei da Arbitragem - clique aqui), para permitir a separação litigiosa e o divórcio litigioso por meio de convenção de arbitragem, salvo quando houver interesse de incapazes.

Com isso, o artigo 1º da Lei da Arbitragem passará a vigorar acrescido de parágrafo único, ficando assim redigido:

"Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Parágrafo único: A separação litigiosa e o divórcio litigioso poderão ser objeto de arbitragem, mediante compromisso arbitral firmado pelas partes, salvo quando houver filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo a sentença arbitral dispor sobre a descrição e à partilha dos bens comuns, à pensão alimentícia e, ainda, quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento."

A Justificação apresentada se afigura disposta nos termos seguintes:

"Mediante sugestão do Dr. Luiz Antonio Scavone, mestre e doutor em direito pela PUC-SP, professor dos cursos de graduação, pós-graduação e mestrado em Direito na UniFMU em SP, é que apresento este projeto de lei a fim de permitir a separação litigiosa e o divórcio litigioso por meio de convenção de arbitragem.

Aproveitamos, neste caso, a redação do art. 1.124-A do CPC (clique aqui), apenas permitindo que, tanto a separação quanto o divórcio litigiosos, mediante compromisso arbitral e não havendo interesses de incapazes, seja levado ao árbitro da confiança das partes.

Isto porque, talvez seja mais conveniente às partes que um árbitro resolva suas diferenças, mormente quando se tratar de pessoa de sua confiança.

Dessa forma, não há razão para se negar este direito aos cônjuges sob pretexto da indisponibilidade, vez que a separação consensual já é levada a efeito fora do Poder Judiciário.

De mais a mais, a disposição sobre alimentos já é permitida na separação consensual, sendo o direito, a par de respeitáveis opiniões em contrário, passível até de renúncia vez que não se trata de pensão alimentícia decorrente de parentesco (STJ, REsp: 17.719-BA; 8.862-DF; 85.683-SP; 36.749-SP; 226.330-GO, ENTRE OUTROS).

Isto posto, entendemos não haver nenhuma divergência quanto a aprovação deste projeto, porquanto contribuirá para desafogar o Poder Judiciário e, ao mesmo tempo, contribuirá para a redução do trauma que uma ação dessa natureza causa aos casais."

Com efeito, os pontos de sustentação ao Projeto de Lei, pelo que contido na Justificação apresentada, em síntese, são dois. Primeiro, o "de talvez ser mais conveniente às partes que um árbitro resolva suas diferenças, mormente quando se tratar de pessoa de sua confiança. Segundo, "porquanto contribuirá para desafogar o Poder Judiciário e, ao mesmo tempo, contribuirá para a redução do trauma que uma ação dessa natureza causa aos casais."

Mas será que efetivamente trará contribuição prática tal alteração legislativa? Sinceramente, penso que não.

A intenção em desafogar o Poder Judiciário é sempre louvável. Porém, nesse caso, a proposta apresentada pouco alterará o volumoso mundo de processos que inundam o Poder Judiciário, tornando-o cada dia mais moroso.

O cotidiano forense demonstra que a grande maioria dos processos que tramitam nas Varas de Família está concentrada nas classes sociais mais baixas, principalmente em se tratando de ações de alimentos; guarda de filhos; regulamentação de visitas etc. O volume desses processos é enorme.

As separações e divórcios, nas classes sociais menos favorecidas, quando existentes (muitos vivem em união estável ou até mesmo em concubinato), geralmente são acompanhadas de outras medidas, haja vista a presença de filhos menores.

Obviamente que isso não é uma regra exata. Portanto, não quero dizer que os membros de classes sociais mais favorecidas não ajuízem ações de alimentos; guarda de filhos; regulamentação de visitas; ou, muito menos, que não se valham de separações e divórcios litigiosos, tendo filhos menores ou não.

Mas o que questiono é que poucos terão acesso ao juízo arbitral que é proposto no Projeto de Lei nº 4019/08, pois somente os mais esclarecidos terão dele conhecimento e, mais, somente os de melhor poder aquisitivo farão uso da arbitragem, ao contrário da grande massa da população que, desinformada, pouco saberá a respeito e, mesmo que saiba, dificilmente terá condições de optar pela arbitragem, que requer pagamentos de taxas e demais custos.

Lembremos, uma vez mais, que os mais necessitados são os que mais se socorrem do Poder Judiciário e, para isso, contam com a assistência de advogados públicos gratuitos e isenção de custas e custos processuais.

Assim, uma parcela menor da população é que poderá se servir da arbitragem em casos tais. E mesmo assim, creio que serão poucos os que desse instituto se utilizarão. A experiência revela que, quanto mais dinheiro estiver em disputa, maior é a briga. Quantos colunáveis não se digladiaram e continuam a se digladiar na disputa de "tostões" quando o assunto é dividir patrimônios? E para esses somente o Poder Judiciário tem valia, pois não raramente se servem de outras medidas judiciais em paralelo à separação ou divórcio litigioso, tudo para obter o máximo proveito do que entendem ser de direito.

Portanto, data maxima venia, penso que a alteração proposta pouquíssima contribuição trará em relação ao sonhado "desafogar" do Poder Judiciário.

Igualmente não vejo como se sustentar, por si só, a justificativa apresentada no sentido de que pode ser mais conveniente às partes que um árbitro resolva suas diferenças, mormente quando se tratar de pessoa de sua confiança.

Em um primeiro plano temos que ter em mente que um juiz de direito deve ser uma pessoa que passe confiança aos seus jurisdicionados. Destarte, o magistrado é a pessoa de confiança de todos, nada o distinguindo nesse sentido de um árbitro.

Por outro ângulo, ninguém deve merecer maior confiança nesses casos do que os advogados das partes. Aliás, têm os advogados a obrigação de buscar resolver as diferenças existentes entre as partes. Devem ser os advogados, notadamente os que atuam em questões de Direito de Família, mediadores por excelência.

Sabemos, infelizmente, que alguns assim não agem. Ao contrário, buscam estimular a discórdia, pensando com isso patrocinar um volume maior de ações e angariar melhores honorários. Mas esse não é o seu papel e muito menos o que do advogado se espera em termos de atuação na área do Direito de Família.

E se as partes litigantes elegerem de comum acordo um advogado ou mais de um advogado de suas respectivas confianças - para resolverem suas discórdias, não haverá razão para se valerem do juízo arbitral. Basta que os advogados, após mediarem o conflito de interesses, apresentem aos clientes o que entenderem ser o correto para a resolução das pendências. Havendo aceitação, será providenciada a homologação judicial desse acordo, deixando de se falar em separação ou divórcio litigiosos, passando-se para o campo do consensual.

Isso sim é que deve ser buscado pelas partes que querem litigar e é obrigação dos advogados se esforçarem para alcançar o acordo entre o casal em processo de separação ou divórcio.

Portanto, considero que, se as partes tiverem a lucidez para buscar o auxílio de uma pessoa, que não o juiz de direito, para resolverem suas diferenças, essa pessoa não necessariamente deve ser um árbitro. Ao contrário, deve recair na pessoa de seus advogados. Mas o certo, na grande maioria das vezes, é que ao se tratar de separação ou divórcio litigiosos, tanto o homem como a mulher que querem ter a iniciativa de ação, não pensam, ao menos em um primeiro momento, em buscar uma composição amigável e acredito, até por isso, que não se submeteriam ao juízo arbitral.

Outro ponto de destaque é a questão atinente à natureza jurídica da decisão arbitral. Como se sabe, a decisão arbitral não está sujeita a homologação judicial e contra ela não cabe recurso. A sentença arbitral, por lei, é um título executivo. Em se tratando de algo litigioso, isso não geraria uma insegurança às partes?

Também, a meu ver, o Projeto de Lei em comento peca por desconsiderar a participação do Ministério Público em casos de separação e divórcio, ainda mais havendo litigiosidade. Como se sabe, em tais casos, é obrigatória a participação do Ministério Público, que atua como fiscal da lei, ainda que não haja filhos menores, tendo em vista que a questão é de estado civil (art. 82, II, do Código de Processo Civil). E no juízo arbitral não há atuação do Ministério Público!

A situação contemplada no Projeto de Lei nº 4019/08, difere da situação prevista no artigo 1.124-A, do Código de Processo Civil, cuja redação se deu em razão da edição da Lei nº 11.441/07 (clique aqui) (que alterou dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa). Dispõe o citado artigo que:

"Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.

§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.

§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

§ 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei."

Como visto, o dispositivo trata de procedimento por via administrativa de separação ou divórcio consensual. Vale dizer, não há litígio, não há nada que caiba ao tabelião decidir. É a pura manifestação de vontade do casal que amigavelmente deseja se separar ou divorciar e que não tenha filhos menores ou incapazes.

Não se olvide que essa alteração legislativa significou um grande avanço e apesar de merecer algumas criticas, mostra-se mais pertinente em relação a se buscar o desafogamento do Poder Judiciário do que a pretendida pelo Projeto de Lei nº 4019/08.

Quanto à alegação de redução do trauma que uma ação dessa natureza causa aos casais, pode até ser que em tais circunstâncias seja de fato menor. Porém, não pelo fato de o procedimento adotado ser o arbitral. Mas sim, creio eu, pela razão de que ao optar pela arbitragem, na verdade, os casais já estariam em um, digamos assim, "pré-estado de consensualidade", pois, caso contrário, como acima mencionado, as partes valerão sempre da tradicional ação de separação ou divórcio litigiosos.

Em razão de tais apontamentos, respeitadas as opiniões em contrário, acredito ser inócua a alteração legislativa pretendida. Ademais, por se tratar de litigiosidade em matéria de Direito de Família, penso existir óbices processuais para que o assunto seja discutido e decidido fora do âmbito do Poder Judiciário.

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*Advogado, sócio da Almeida Alvarenga e Advogados Associados



 

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