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Propriedade industrial, produção local e incentivo à inovação tecnológica

O Poder Executivo no Brasil, têm uma tendência a tentar resolver problemas endêmicos do país por meio de normas periféricas, que tratam efeitos e não causas e tentam fazer às vezes de políticas públicas.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Atualizado em 14 de outubro de 2008 12:14


Propriedade industrial, produção local e incentivo à inovação tecnológica

Marcos Lobo de Freitas Levy*

O Poder Executivo no Brasil tem uma tendência a tentar resolver problemas endêmicos do país por meio de normas periféricas, que tratam efeitos e não causas e tentam fazer às vezes de políticas públicas.

Tais tentativas, não trazem a solução esperada como, ainda criam problemas adicionais a serem solucionadas no futuro.

O último exemplo desta conduta, foi a tentativa de misturar a Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/96 - clique aqui) com a Lei de Licitações (clique aqui), para criar uma reserva de mercado para a produção local, como forma de incentivar a pesquisa e o desenvolvimento na área farmacêutica.

Em 29 de maio de 2008, foi editada uma a Portaria Interministerial 128/2008 estabelecendo "diretrizes para a contratação pública de medicamentos e fármacos pelo SUS".

Afinal, o que diz esta Portaria?

Em resumo, diz que o SUS não pode comprar medicamentos que não estejam sendo produzidos no Brasil após o terceiro ano de validade da patente, a menos que considerados imprescindíveis e, além disso, que seja "demonstrado impedimento justificável à sua produção no país", baseando-se no artigo 68 inciso I, parágrafo 1º e 5º da Lei de Propriedade Industrial.

Justificativas da Portaria:

(1) o incentivo que traria "ao complexo industrial farmacêutico",

(2) a importância da busca de soberania tecnológica e

(3) a necessidade de dar maior eficiência à produção pública de medicamentos.

Não se considerou, nem a história da produção de medicamentos no Brasil, nem as questões técnicas inerentes acesso a medicamentos, aos processos de patentes e às licenças compulsórias, e os processos de registros de medicamentos.

O que diz a Lei de Propriedade Industrial?

Em resumo, diz que o titular de um direito de patente ficará sujeito a ter o direito licenciado compulsoriamente se não explorar do objeto da patente no território brasileiro, ou se fabricar de forma incompleta o produto, ou se não usar integralmente o processo patenteado; e que isto pode ocorrer 3 anos contados da concessão da patente

E a Portaria:

Inicialmente, não me parece, tenham sido levados em consideração os termos da Lei de Licitações que se destina a garantir o princípio da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa.

Ora, se o tratamento de uma determinada doença, com o uso de um determinado medicamento, é o mais vantajoso para a Administração, a patente e a produção local, não deveriam influir na decisão de compra, sob pena de configurar, ainda que de meio dissimulado, ofensa àquela norma.

Há outras razões pelas quais a Portaria é injustificável.

A mais abrangente, é que o TRIPS (Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) é um anexo do GATT que, por sua vez é o mais importante acordo no âmbito da OMC. As razões da existência deste Acordo Internacional estão claramente expostas no seu preâmbulo, que estabelece que o acordo visa a expansão do comércio de bens e serviços, permitindo a utilização ótima dos recursos naturais.

Não me parece razoável, sob nenhum pretexto que exigir a fabricação de determinado bem em determinados lugares do mundo, só para justificar a manutenção de um direito de propriedade industrial, seja vista como "utilização ótima dos recursos naturais".

Aliás, se todos os signatários do GATT, exigirem produção local de qualquer produto, para manutenção dos direitos de propriedade industrial, o custo do produto para o consumidor se tornaria totalmente proibitivo alem de impedir a expansão do comércio internacional.

Os Ministros signatários da Portaria Interministerial, não atentaram, ainda, para o fato de que, na indústria farmacêutica, um pedido de patente é depositado muito tempo antes de se iniciarem quaisquer dos estudos clínicos necessários para documentar o registro do mesmo perante a autoridade sanitária competente.

Isto significa, em termos simples, que as patentes são, em geral, concedidas muitos anos antes do lançamento do produto no mercado. Portanto, quase sempre os produtos farmacêuticos não estarão sendo produzidos em nenhum lugar do mundo quando a patente for concedida. Mesmo no Brasil, onde o processo de exame de um pedido de patente é mais lento, até pela injustificável necessidade da "anuência prévia" da ANVISA, a tendência é de que a patente seja concedida antes do registro do produto.

Assim, em princípio, nenhum produto novo (patenteado) conseguirá cumprir a exigência da Portaria.

Ainda com relação à lei de propriedade industrial, é necessário lembrar que, esta, tem meta diferente daquela a ela emprestada pela Portaria, uma vez que se presta, de fato, para regular o interesse, "legítimo" de um terceiro que tenha capacidade técnica e econômica de explorar, de forma eficiente, o objeto da patente e, desde que não haja razões econômicas que inviabilizem a sua produção local.

Como se vê, este preceito legal não serve - e não deve ser utilizado - para impedir o acesso a medicamentos a quem deles necessite.

Finalmente, é duvidoso a Portaria sirva como incentivo à indústria farmacêutica, fomentando a inovação tecnológica. Basta lembrar que, os produtos farmacêuticos não puderam ser patenteados, desde o advento do Decreto-Lei 7093/1945 (processos de produção de farmacêuticos perderam o direito a patentes em 1971) até o ano de 1997.

Durante mais de cinqüenta anos, a indústria nacional pode copiar os produtos que quis e nunca se interessou em investir em pesquisa e desenvolvimento. De fato, a indústria nacional, com poucas exceções, sequer produzia matérias primas, limitando-se a importá-las de terceiros.

É verdade que, em parte, o governo contribuiu para isto ao impedir as patentes que poderiam garantir o retorno dos investimentos a quem estivesse disposto a pesquisar, e ao impor um rígido controle de preços que quase dizimou a indústria farmacêutica nacional e multinacional no país nas décadas de 1970 e 1980. Além disso continua devendo uma Política Industrial digna do nome para o setor.

Aliás, até hoje o governo continua a impor controles de preços para produtos farmacêuticos, correndo o risco de ver repetir o desastre acontecido anteriormente sem prestar a devida atenção à grande carga tributária a que os medicamentos estão sujeitos.

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*Professor de Legislação e Ética do Instituto Racine. Sócio do escritório A. Lopes Muniz Advogados Associados










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