Os bens reversíveis nas concessões de serviços públicos
A Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL disponibilizou, para consulta pública, proposta de regulamento dos bens reversíveis utilizados nas concessões de serviços públicos de telecomunicações.
sexta-feira, 17 de setembro de 2004
Atualizado em 16 de setembro de 2004 11:26
Os bens reversíveis nas concessões de serviços públicos
Sérgio Guerra*
De fato, dentre as cláusulas essenciais dos contratos de concessão de serviços públicos, uma das que merece relevo são as relativas aos bens reversíveis e aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária. Isto porque, em que pese ser de superlativa importância quando do termo final da concessão (e continuidade dos serviços pelo próprio Estado ou por terceiros), algumas entidades reguladoras e concessionárias de serviços públicos ainda não atentaram para isso.
No que concerne às concessionárias impõe-se, segundo o art. 31 da Lei nº 8.987/95, manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão, e zelar pela integridade dos mesmos. Esse regramento tem a finalidade de zelar pelo real cumprimento dos objetivos da concessão, traçando, de forma rígida, comportamentos a serem adotados por ambos os contratantes, notadamente para que o serviço público concedido seja prestado de modo a alcançar os interesses da coletividade.
Nesse sentido, a normativa vigente estabelece que, extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato.
A reversão pode ser definida como a entrega pelo concessionário ao Poder Concedente dos bens vinculados à concessão, por ocasião do fim do contrato, em virtude de sua destinação ao serviço público, de modo a permitir sua continuidade. Essa devolução constitui um corolário do contrato em que o concessionário se coloca transitoriamente em lugar do Poder Público concedente para a prestação de um serviço que incumbe a este.
O ponto nodal nesse campo de questões está em saber se a reversão atinge a todos os bens que entraram no acervo da concessão. Com efeito, a divergência em torno da qualificação dos bens reversíveis é freqüente, e isso se deve, na maioria das vezes, a pouca precisão dos editais de licitação e das cláusulas contratuais.
Pode-se assegurar que não há uma regra clara na legislação em vigor sobre os chamados bens reversíveis. Nada obstante, costuma-se conceituá-los como aqueles diretamente vinculados e necessários ao serviço público, que integrarão o patrimônio do concedente ao se findar a concessão.
Aqueles bens não utilizados no objeto da concessão constituem patrimônio privado do concessionário, que deles pode dispor livremente. A reversão, assim, só atinge os bens que asseguram a prestação dos serviços. Esse é o entendimento dominante, tanto em sede doutrinária quanto pretoriana.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal há muito consagra o entendimento de que só são reversíveis os bens efetivamente imprescindíveis ao contrato. À guisa de exemplo, é oportuno relembrar um acórdão do Supremo Tribunal Federal, quando julgou um conflito entre a Prefeitura do Distrito Federal e a empresa concessionária dos serviços de bonde. Naquele remoto julgado, de 28/08/1956, ficou assentado que somente são reversíveis os bens vinculados, próprios ou afetos à execução do serviço concedido, na conformidade do respectivo contrato. Isto é, os bens adquiridos por aplicação do recursos da concessionária, sem aquela destinação, são de livre propriedade desta e, conseqüentemente, não são reversíveis.
Isso quer dizer que se o concessionário, durante a vigência do contrato, formou um patrimônio à parte, embora decorrente da atividade da empresa concessionária, mas desvinculado do serviço e sem emprego na sua execução, tais bens não lhe são acessórios e, por isso, não o seguem necessariamente na reversão.
Conclui-se, portanto, que somente os bens efetivamente atrelados ao contrato de concessão são passíveis de reversão. Do contrário, se quisesse o poder concedente apropriar-se de todos os bens da concessionária, indiscriminadamente, configurar-se-ia um autêntico processo de desapropriação, não só dos bens da empresa mas também do seu capital.
Com essa reserva, é justo inferir que ao termo final do contrato de concessão o Poder Concedente pode recolher o acervo vinculado ao contrato em condições regulares, capazes de assegurar a continuidade do serviço, e o Concessionário recobrar inteiramente o que fora investido durante o contrato na manutenção dos bens reversíveis.
Vale notar, todavia, que apesar da lei dispor sobre o pagamento de indenização, no seu art. 36, "dos investimentos vinculados a bens reversíveis", esta normativa não esclareceu como e quando esse pagamento deverá ser efetuado. Sobre esse ponto, compete lembrar que os investimentos feitos pelas concessionárias de serviços públicos em bens vinculados ao objeto do contrato, devem ser depreciados durante o decorrer da concessão, na forma do instrumento contratual, sendo correto afirmar que, caso ao final desta não tenha sido possível amortizá-los em sua totalidade, deverá incidir a indenização dos mesmos pelo Poder Concedente.
Por tudo isso, todos os bens e instalações vinculados ao serviço devem devem ser mantidos inventariados pela Concessionária, pois, extinta a concessão, operar-se-á de pleno direito à reversão dos bens, sendo certo que a manutenção pela concessionária do registro dos bens reversíveis, com as devidas avaliações e apontamentos contábeis, será o instrumento que possibilitará a apuração da indenização devida pelo poder concedente.
Em sentido contrário, a não manutenção pela concessionária do registro, controle e inventário físico dos bens e instalações relacionados às atividades desenvolvidas, inclusive aqueles de propriedade do Poder Concedente, em regime especial de uso, dificultará a apuração das possíveis indenizações a que dispõe o art. 36 da Lei nº 8987/95, bem como poderá sujeitar a Concessionária às penalidades previstas nas normas legais, regulamentares e no contrato concessivo.
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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados