O cão orelhudo
A neurose que acomete a maior parte das pessoas que não vivem sem um telefone à mão vai dominar ainda por um bom tempo as emoções avulsas.
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
Atualizado em 12 de setembro de 2008 10:42
O cão orelhudo
Edson Vidigal*
A neurose que acomete a maior parte das pessoas que não vivem sem um telefone à mão vai dominar ainda por um bom tempo as emoções avulsas.
A curiosidade pelo que acontece na vida dos outros parece cada vez mais irrefreável. A indiscrição não tem limites. E é raro o dia em que não aparece na mídia uma convocação de escândalo, saído de grampo telefônico, envolvendo alguém conhecido.
Aquelas descobertas cientificas que num primeiro momento nos faziam incrédulos e ao mesmo tempo mais curiosos, ao que parece, já não interessam tanto.
Quem é que quer saber da rã que assustada assusta o predador e faz miau-miau igualzinho a um gato?
A rã-gato mora numa densa floresta da Costa Rica, onde há também a rã lança flechas, que na defensiva expele veneno a longa distancia.
Os cientistas da Agencia Espacial Européia anunciaram ontem que o tardígrado, um tipo de invertebrado muito especial, pois mede menos de um milímetro e meio, é o primeiro ser terrestre a sobreviver às excessivas temperaturas do ambiente mortal do espaço sideral.
Descobertas cientificas como essa sobre os chimpanzés que diminuem entre si suas altas cargas de estresse apenas se consolando uns aos outros, na base do ombro amigo, já não tem tanto espaço na planilha dos curiosos.
Interessa, talvez, saber é se os chimpanzés que estão agora dependendo de uma ordem de "habeas corpus" do STJ em Brasília vão receber salvo - conduto para voltarem à floresta ou se, por conta dos tantos perigos a lhes espreitarem no caminho de volta, não acabarão sendo adotados por algum casal endinheirado mas sem filhos.
Esse HC para os chimpanzés me faz lembrar uma tirada para fora do então candidato Cid Carvalho em campanha para Deputado em Barra do Corda.
Antes do comício, um pessoal querendo dinheiro chorou dificuldades naturais da Oposição e quando não faltava mais nada o argumento final foi o de que o Juiz mandou apreender o jipe e o carro de som do MDB.
Cid correu a mão no bolso, o pessoal se animou, e em vez da carteira de dinheiro ou do talão de cheques sacou foi a carteira da OAB e estufando o peito engrossou a voz contando vantagem - sou advogado, o partido vai impetrar um "habeas corpus" para liberar para vocês o jipe e o carro de som.
Não havia ainda tanto grampo em telefone naquele tempo. Aliás, em muitos lugares não havia nem telefone. Era uma luta enorme para se conseguir comprar um. Telefone era investimento alto, de curto prazo, dinheiro vivo. As conversas estranhas vinham das linhas cruzadas.
Tenho uma amiga em Brasília que entrou nessa neura de telefone grampeado, e ela achando que, assim, driblava a bisbilhotagem, costumava andar com uns três celulares na bolsa.
A cada semana trocava um número, enlouquecia os amigos, chegou a perder clientes. Falo assim para disfarçar, mas na verdade ela exerce é importante função pública. Varreduras constantes nas linhas, e nada. Continuou convicta de estar sendo grampeada.
Não era grampo. Nem havia microfone embutido em lugar nenhum da casa. Também não havia aquele carro suspeito, que faz escuta à distância, rondando as casas do lago. Foi descobrir a sua invasão de privacidade no veterinário.
Havia ganho de presente no aniversário um filhote de pinscher. E o bicho tinha um chip de escuta, sofisticadíssimo, implantado numa das orelhas como se fosse um brinco.
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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA
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