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Nova regulamentação dos fundos de investimento

Guilherme Vieira da Silva e Felipe Hanszmann

No último dia 18 de agosto, após longo período de embates e discussões, foi finalmente divulgada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a Instrução CVM nº 409 ("IN 409"), que introduz novidades relevantes e consolida as normas aplicáveis aos fundos de investimento, antes dispersas em diversos normativos, com exceção das classes expressamente excluídas pela própria instrução.

quinta-feira, 9 de setembro de 2004

Atualizado em 8 de setembro de 2004 09:33

Nova regulamentação dos fundos de investimento


Guilherme Vieira da Silva,

Felipe Hanszmann*


No último dia 18 de agosto, após longo período de embates e discussões, foi finalmente divulgada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a Instrução CVM nº 409 ("IN 409"), que introduz novidades relevantes e consolida as normas aplicáveis aos fundos de investimento, antes dispersas em diversos normativos, com exceção das classes expressamente excluídas pela própria instrução. Foram revogadas as Instruções CVM nº. 149, de 3 de julho de 1991, a Instrução CVM n.º 171, de 23 de janeiro de 1992, as Instruções CVM nºs. 302, 303 e 304, todas de 5 de maio de 1999, e as Instruções CVM nºs. 386, de 28 de março de 2003, e 403, de 30 de janeiro de 2004.

A iniciativa da CVM está em consonância com a política de modernização legislativa iniciada há alguns anos pela autarquia. No início do corrente ano, a CVM submeteu à audiência pública uma extensa minuta de instrução que sugeria a introdução de profundas mudanças nas regras vigentes. A relevância do assunto envolvido, somada à magnitude das mudanças propostas, causou reação imediata do mercado e resultou em recorde de sugestões e comentários numa mesma audiência pública da entidade.

Embora já fosse partilhada pelo mercado a necessidade de avanço legislativo na área, a diversidade de interesses, muitas vezes conflitantes, ficou patente nas opiniões emitidas, principalmente no que concerne aos grandes administradores em oposição aos gestores independentes.

A divulgação da IN 409 encerra a polêmica e acalma os ânimos do mercado. Isto porque a CVM não só levou em consideração a maioria das reivindicações submetidas pelas partes interessadas, como também manteve os principais pontos positivos da minuta inicial.

É de se ressaltar a louvável ênfase dada à transparência, por meio do incremento de certas obrigações de divulgação de informações pelos fundos aos investidores e pela criação de mecanismos de classificação que proporcionarão meios mais eficientes de avaliação do investimento.

De início, devemos chamar a atenção para o fato de que a nova regulamentação não modifica somente os fundos de renda variável, mas atinge, principalmente, os fundos de renda fixa (Fundos de Investimento Financeiro - FIF, os Fundos de Aplicação em Cotas de FIF e os Fundos de Investimento no Exterior-FIEX) que outrora estiveram sob a regulamentação e fiscalização do Banco Central. São exatamente esses gêneros de fundos que sofrerão as maiores modificações em vista da IN 409, pois algumas obrigações que antes só se aplicavam aos fundos de renda variável foram estendidas também a certos fundos de renda fixa, como a abertura da composição da carteira aos quotistas (Art. 68, inciso III da IN 409) e a obrigatoriedade de elaboração de prospecto (art. 39 da IN 409).

Além disso, vale destacar o tratamento dado à cobrança da taxa de performance (art. 62 da IN 409). A minuta propunha restringir a cobrança da taxa de performance apenas aos fundos cuja aplicação mínima individual fosse igual ou superior a R$100.000,00. Esta sugestão foi uma das mais criticadas pelo mercado, pois elevaria o limite mínimo para a cobrança da taxa de performance nos fundos de investimento em títulos e valores mobiliários (Instrução CVM nº 326) e imporia aos fundos de renda fixa uma restrição antes inexistente.

Em virtude das críticas, este ponto acabou sendo bastante flexibilizado. Na realidade, apenas os fundos de "renda fixa", "referenciados" e de "curto prazo" estão expressamente proibidos de cobrar a taxa de performance. Para os demais fundos, foi retirada a restrição da cobrança baseada em valores mínimos de aplicação. Todavia, para que a taxa possa ser cobrada é preciso que (i) o parâmetro de referência seja compatível com a política de investimento do fundo, (ii) a cobrança seja, no mínimo, semestral, e (iii) que haja a dedução de todas as despesas, inclusive taxa de administração, antes da cobrança (art.62). Além disso, fica vedada a vinculação da taxa de performance a percentuais inferiores a 100% do parâmetro de referência.

Não obstante, a modificação mais notável com relação à taxa de performance diz respeito à chamada "marca d'água" estabelecida no §2º do artigo 62, que proíbe a cobrança da taxa quando o valor da cota do fundo for inferior ao seu valor por ocasião da última cobrança efetuada.

Outro ponto da minuta que havia provocado consternação foi a proposta de limitação das operações compromissadas a apenas 10% do patrimônio líquido dos fundos de investimento e fundos de investimento em cotas. Neste particular, o mercado - após diversas investidas e protestos - mantinha a expectativa de que a CVM estaria disposta a aumentar o limite para, no máximo, 30% do patrimônio líquido. Todavia, as críticas nesse sentido foram tantas que a limitação foi excluída da redação final da IN 409.

Houve mudanças também no conceito de investidor qualificado. A proposta indicava como novo limite mínimo para a carteira de títulos e valores mobiliários e/ou cotas de fundos de investimento de pessoas físicas o valor R$1.000.000,00. Porém, novamente o mercado rechaçou tal alteração, de modo que a CVM utilizou o valor de R$300.000,00 como limite, em substituição aos R$250.000,00 anteriores.

Especial atenção deve ser dada à tutela da responsabilidade entre administradores e gestores dos fundos. Como é cediço, a responsabilidade solidária não se presume jamais, devendo decorrer de lei ou da vontade das partes. Pois bem, até que a Instrução CVM 409 entre em vigor, ainda vigora a Instrução CVM 302 (e a Circular 2.616/95), a qual, em seu art. 50, § único, e art. 51, §1º dispõe expressamente que o administrador do fundo deve responder solidariamente junto com os gestores terceirizados para a gestão da carteira por eventuais prejuízos. Todavia, o § 2º do artigo 57 da IN 409 deverá substituir referidos dispositivos sobre solidariedade, instituindo a obrigação de que os contratos firmados entre administrador e os gestores contenham cláusula de responsabilidade solidária.

Em outras palavras, deixará de existir um comando estabelecendo expressamente a responsabilidade solidária entre as partes, passando a existir uma outra regra, que imputa a obrigação de que o contrato contenha cláusula de responsabilidade solidária.

Na prática, os terceiros contratados para a gestão da carteira (hoje conhecidos como "gestores independentes") realizam todas as operações de compra e venda de ativos da carteira e os administradores costumam ficar à margem dessas decisões. Ocorre que os administradores acabam por incorrer em risco adicional, pois são solidariamente responsáveis junto com os gestores sem que, contudo, tenham controle sobre a tomada das decisões. O resultado disso é a geração de um custo adicional associado ao risco incorrido pelo administrador.

A minuta disponibilizada pela CVM sinalizava que a responsabilidade deixaria de ser solidária e os gestores passariam a ser os maiores responsáveis. Todavia, não foi o que aconteceu. Entendemos que a solução final adotada pela CVM é compreensível, já que os gestores geralmente não dispõem da mesma capacidade econômica que os administradores, normalmente grandes instituições financeiras. Assim, os investidores acabam ficando mais protegidos, pois poderão reclamar o ressarcimento por eventuais prejuízos sofridos contra instituições sólidas que dispõem efetivamente de patrimônio para responder por eventual dano.

Outro ponto bastante comentado foi a mudança no sistema de fechamento de cotas para resgate. Conforme artigo 15, caberá ao regulamento de cada fundo a determinação da data de conversão, não havendo mais obrigatoriedade de utilização do valor do dia seguinte ao pedido de resgate.

O artigo 68, por outro lado, estabelece as regras para divulgação da carteira aos cotistas, instituindo prazo de 10 dias após o final do mês para o envio de tais informações. Caso o fundo possua posições ou operações que possam ser prejudicadas pela sua divulgação, é assegurado ao administrador o direito de omiti-las, desde que as divulgue dentro de 90 dias após o fechamento do mês.

A nova classificação dos fundos criou regras para a diversificação da carteira de seus diferentes tipos, de forma que os fundos já existentes deverão se adequar aos novos princípios, tendo como prazo para adequação a data de 31 de dezembro de 2004 (art. 92 e 124). Nada impede, todavia, que o mercado se auto-organize e crie outros subtipos de fundos, de maneira a facilitar ainda mais a identificação da política de riscos de cada um.

Algumas normas relativas à assembléia de cotistas também foram modificadas. Houve uma dilatação do prazo para eficácia da alteração do regulamento após sua deliberação pela assembléia de cotistas, sendo de, no mínimo, 30 dias, podendo aumentar a critério da assembléia (art. 43). Antes, as deliberações ganhavam eficácia a partir do protocolo na CVM da informação de alteração.

Por fim, vale ressaltar, ainda, que a verdadeira extensão e importância de cada uma das modificações introduzidas somente serão devidamente digeridas no decorrer dos próximos meses. Não obstante, a CVM já se manifestou favorável ao aperfeiçoamento da redação de alguns artigos cuja redação final tenha suscitado dúvidas ou insatisfação do mercado.
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* Advogados do escritório
Trench, Rossi e Watanabe Advogados










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