Os abusos bancários que justificam o sucesso
Durante muitos anos as atividades bancárias retiram o sono dos empresários brasileiros que tentam, num primeiro momento, reestruturar seu empreendimento com aquisição de capital de giro e, após a assinatura do contrato, se deparam com a bancarrota, ocasionada pela elevada taxa de juros e outros encargos que incidem nas operações financeiras de forma indevida e possuem o escopo de alavancar, cada vez mais, a lucratividade das instituições financeiras, e só delas.
sexta-feira, 29 de outubro de 2004
Atualizado em 3 de setembro de 2004 11:40
Os abusos bancários que justificam o sucesso
Anderson Alves de Albuquerque*
Durante muitos anos as atividades bancárias retiram o sono dos empresários brasileiros que tentam, num primeiro momento, reestruturar seu empreendimento com aquisição de capital de giro e, após a assinatura do contrato, se deparam com a bancarrota, ocasionada pela elevada taxa de juros e outros encargos que incidem nas operações financeiras de forma indevida e possuem o escopo de alavancar, cada vez mais, a lucratividade das instituições financeiras, e só delas.
Se não bastasse o acumulado de indignações veiculadas pela mídia, o próprio Poder Judiciário, cansado de se deparar com os abusos dos bancos, deixou claro em diversos julgados que não há motivo para espanto quanto às exigências dos encargos indevidos pelas instituições financeiras em qualquer modalidade de contrato, pois tal conduta corresponde à típica mentalidade dominante entre as instituições financeiras, segundo a qual todo e qualquer prejuízo, inclusive o decorrente de erro próprio, tem de ser transferido a outrem. Pregoeiras de primeira fila, radicais e intransigentes, da economia de mercado e da livre iniciativa, nem por isso se submetem a um dos postulados básicos do sistema, que é o da assunção dos riscos à atividade. O lema é gozar do bônus sem sofrer o ônus (TJRGS, 6ª Câmara Cível, Apel. 589.019.967, Dês. Adroaldo Furtado Fabrício).
Essas elucidações, que comprovam diuturnamente o sucesso dos bancos e a quebra de inúmeros empreendimentos, não param por ai, sendo capa de matéria de conceituadas revistas que "BANCOS - MAIS UMA VEZ O MELHOR NEGÓCIO" Reportagem de Capa da Revista EXAME nº 508, de 24.6.92; "BANCOS - O SUCESSO QUE INCOMODA" Reportagem de Capa da Revista EXAME nº 534, de 23.6.93; "BANCOS - O SUCESSO FABULOSO, ESTONTEANTE, INACREDITÁVEL DE UM SISTEMA FINANCEIRO HIPERINFLACIONADO" Reportagem de Capa da Revista VEJA nº 1.300, de 11.8.93.
Dentre as reportagens que comprovam o privilégio dos bancos e, diretamente, a justificativa do seu sucesso, importante destacar a publicada pela Revista VEJA em sua edição de 03 de abril de 1996, Seção 'RADAR', p. 25, onde restou noticiado que NO PAÍS DOS BANQUEIROS "em janeiro e fevereiro, os assalariados pagaram treze vezes mais imposto de renda do que os bancos. Os descontos em folha foram de 2 bilhões de reais, e o dos bancos, só de 150 milhões. A Receita gostaria de apertar os banqueiros, mas o Banco Central não deixa. Até o FMI, que costuma endossar as posições do Banco Central, acha exagerada a colher de chá que é dada à banqueirada".
Mais. Se não bastassem as colheres de chá que viabilizam as operações bancárias, estudos realizados por entidades coligadas ao Sistema Financeiro Nacional comprovam que as tarifas cobradas pelos bancos, para administração de contas, emissão de talões de cheque, extratos, dentre outras, suportam em 110% (cento e dez por cento) o seu custo operacional, custo esse onde se inclui o pagamento da folha funcionários, impostos, água, luz, telefone, despesas administrativas com aquisição de material, dentre outras.
Contudo, as colheres de chá dadas aos bancos até hoje, não se sabem por qual ou quais motivos, estão com os dias contados.
E assim se diz, pois os empresários e todos aqueles que dependem das atividades bancária, ao se sentirem lesados por algum motivo, estão se socorrendo dos abusos junto ao Poder Judiciário, para que este, por intermédio do seu poder/dever de solucionar conflitos existentes na sociedade, manifeste-se sobre as práticas infrativas de capitalização de juros, aumento arbitrário dos lucros, venda casada, estipulação em side letter de indexador cartelizado (CDI), comissão de permanência, dentre outras, que variam de acordo com a modalidade de contrato firmado entre as partes.
Um clássico exemplo dos abusos que justificam a indevida lucratividade dos bancos, dando margem à triplicação do seu balanço patrimonial de ano em ano, está configurada na margem de lucro existente no spread bancário, que se resume na diferença existente entre a taxa de captação e a de repasse dos recursos aplicados em suas operações.
A desproporcional e ilícita margem de lucro existente nas operações bancárias fica bem configurada numa simples operação de tomar dinheiro do investidor, com o reajuste no CDB (aplicação que representa o maior montante de captação dos bancos) e a prática de ceder o dinheiro captado, com reajuste nas taxas do cheque especial.
Pois bem, como se sabe, as taxas de juros utilizadas pelos bancos nas operações de cheque especial, numa ótica otimista para o tomador do recurso, gira em torno de 8% a 10% ao mês, sem falar da sua capitalização. Já, o CBD, com muito esforço, rentabiliza o capital investido em aproximadamente 1% ao mês. Contudo, suponha-se que a operação do CDB rentabilizasse o investidor em 2% ao mês, o que se fala só por elucidação.
Com base nesses dados, para se chegar ao spread bancário na operação simulada do cheque especial, necessário se faz uma simples operação aritmética de subtração, representada pela taxa de captação no CDB (2%) e a taxa de repasse do mesmo capital no cheque especial (8%).
Desta forma, a operação de subtração se resume em (CDB - Cheque Especial =), ou seja, 2% - 8%=???. O resultado da operação é simples, 2% - 8% = 6%.
Então, a cada operação realizada a margem bruta de lucro do banco é de 6% que, sobre os 2% de custo, equivale a 300% de rentabilidade, pois em cada 6 cabem 3 vezes 2%.
A matemática é cartesiana e não admite interpretações, estando evidente que na pratica de tomar a 2 e ceder a 8 existe uma margem de lucro obscena de 300%, mês a mês, sobre um capital que nem mesmo é seu, sem falar da sua capitalização.
Se na operação realizada com ótica otimista ficou evidente que o banco possui uma margem de lucro arbitrária, trazendo-a para a realidade do mercado, ou seja, tomar no CDB a 1% ao mês e repassar no cheque especial a 8% ao mês, o lucro real ultrapassa a "insignificante" margem de 700%, sobre um capital quem nem mesmo é seu e justifica, com todas as letras, as indignações da sociedade e da mídia em geral: "BANCOS - MAIS UMA VEZ O MELHOR NEGÓCIO" Reportagem de Capa da Revista EXAME nº 508, de 24.6.92; "BANCOS - O SUCESSO QUE INCOMODA" Reportagem de Capa da Revista EXAME nº 534, de 23/06/93; "BANCOS - O SUCESSO FABULOSO, ESTONTEANTE, INACREDITÁVEL DE UM SISTEMA FINANCEIRO HIPERINFLACIONADO" Reportagem de Capa da Revista VEJA nº 1.300, de 11.8.93.
Diante desta situação e para evitar que uma parte tenha privilégio em detrimento da(s) outra(s), como acontece nas operações de crédito intermediadas pelas instituições financeiras, o constituinte instituiu o art. 173 que, em seu parágrafo 4º, dispõe com todas as letras que "a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise ... o aumento arbitrário dos lucros".
Importante frisar que o acima discorrido não tem relação alguma com o que dispunha o art. 192, §3º da Constituição Federal no atinente a limitação dos juros em 12% ao ano. Primeiro, porque jamais tal disposição foi auto-aplicável. Segundo, porque foi revogado pela Emenda Constitucional nº 40 de 2003.
Contudo, a Lei n.º 4.595/64, que regula o Sistema Financeiro Nacional, não da um parâmetro do que é ou do que seria aumento arbitrário dos lucros das instituições financeiras que, como anteriormente abordado, pode ultrapassar um lucro real de 1000%, sobre um capital que nem mesmo é seu.
Desta forma, sendo vedado pela Constituição Federal (art. 173, § 4º) o aumento arbitrário dos lucros, mas não tendo o constituinte e a Lei 4.595/64 taxado o que seria este aumento, por força do art. 4º da Lei de Introdução do Código Civil (LICC), sabendo-se que o juiz não pode e não deve deixar de decidir (CPC, art. 126), e o deve fazer fundamentadamente (CF, art. 93, IX; CPC art. 165), determina-se que quando a lei for omissa será realizada a analogia, podendo ser procurado o conceito de 'aumento arbitrário do lucro' em outra lei.
Dentro dessas considerações, dispõe a Lei n.º 1.521/51, da qual apenas há de retirar tal conceito, que é excessivo o ' ... lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida'.
Como se pode verificar, a legislação pátria confere todos os mecanismos necessários para que seja repudiado o aumento arbitrário dos lucros das instituições financeiras, pois não existe empresa, em qualquer seguimento que seja, a não ser o bancário, que possua uma margem de lucro em percentual superior a 300% ao mês, sobre um capital empreendido que nem mesmo é seu (existem operações bancárias onde os lucros ultrapassam a casa dos 1000%).
Conseqüentemente, demonstrando o tomador de crédito a existência de ilicitudes no seu relacionamento contratual mantido com o banco, o Poder Judiciário tem se manifestado da seguinte forma: ... daí porque andou na trilha correta a digna Juíza sentenciante ao considerar nulas as cláusulas contratuais que permitiram "spread" superior a 20% da taxa de captação dos CDB's pelo banco apelante e à cobrança de juros capitalizados, de onde advieram lucros arbitrários, excessivos e fixados de modo unilateral. 1º TACIV.SP - 11ª CÂM., Apelação nº 737.410-7, j. em 08 de junho de 1998, rel. Juiz MAIA DA CUNHA.
Importante frisar, no presente trabalho, que o spreed bancário é o lucro dos bancos no sentido literal da palavra, pois suas despesas administrativas, como folha de pagamento de funcionários, tributos, água, luz, telefone, dentre outras, são suportados em 110% (cento e dez por cento) pelas taxas de administração de operações cobradas dos correntistas, sem falar dos polpudos ganhos de tesouraria, conforme anteriormente abordado e diuturnamente divulgado na mídia.
Mais, não se pode falar que a elevada taxa de juros no Brasil é ocasionada pela insegurança dos tomadores de crédito, pois esta afirmação não corresponde com a realidade dos fatos, uma vez que o próprio BACEN, em seu relatório sobre o "spreed Bancário no País" (https://www.bacen.gov.br), relata que a inadimplência das operações bancárias varia entre 0,5 e 2,2% dos saldos dos empréstimos ao mês. Ou seja, de cada R$ 2.0000,00 apenas R$ 10,00 até, no máximo, R$ 44,00 não voltam ao banco, o que é irrisório frente ao volume sideral das taxas praticadas.
Com base nesses dados e o repudio legislativo sobre as ilicitudes bancárias se pode afirmar, com todas as letras, que as colheres de chá concedidas às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional estão com os dias contados, bastando, para tanto, que à parte lesada invoque o Poder Judiciário e este, por intermédio do seu poder de solucionar/pacificar os conflitos, aplique a legislação vigente ao caso concreto para, quem sabe um dia, todo aquele que se socorrer a um banco com o intuito de reestruturar seu empreendimento, possa desfrutar do sucesso da sua operação.
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*Advogado epecializado em Direito Bancário
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