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Quem sabe quanto o governo deve em precatórios?

Juarez Lopes dos Santos

A situação dos precatórios no Brasil é caótica. Há muito tempo não se paga o que é devido, não apenas por falta de dinheiro mas também por falta de planejamento, o que acarretou um acúmulo da dívida que pode estar na casa das centenas de bilhões de reais, em todo o País.

sexta-feira, 29 de outubro de 2004

Atualizado em 3 de setembro de 2004 11:25

Quem sabe quanto o governo deve em precatórios?


Juarez Lopes dos Santos*


A situação dos precatórios no Brasil é caótica. Há muito tempo não se paga o que é devido, não apenas por falta de dinheiro mas também por falta de planejamento, o que acarretou um acúmulo da dívida que pode estar na casa das centenas de bilhões de reais, em todo o País. Ninguém sabe ao certo o montante exato.

Antes de explicar o emaranhado em que se encontram esses pagamentos e uma premente tendência à institucionalização do calote, vale esclarecer algumas particularidades que envolvem esta questão. Pela legislação vigente, a Fazenda Pública somente pode efetuar pagamentos de dívidas judiciais por meio de precatórios, que são ordens de pagamento expedidas contra as Fazendas Públicas pelos presidentes dos Tribunais de Justiça, quando há sentença com trânsito em julgado. Os precatórios provêem de ações movidas contra todos os órgãos da Fazenda Pública (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e fundações). São classificados em duas categorias: "Natureza Alimentar" e "Outras Espécies". Para cada natureza de precatório existe uma ordem cronológica de vencimento distinta e paralela e a quebra dessa ordem, ou seja, o preterimento de credores melhor posicionados, constitui-se um ato de improbidade administrativa, passível de punição.

A celeuma dos precatórios começa pela própria dimensão da dívida pública do País, passa pelo desconhecimento dos valores por parte das entidades que, para completar o imbróglio, não sabem fazer os cálculos corretamente. E, apesar dos mapas orçamentários preverem seu pagamento, os famosos remanejamentos de verbas ignoram a efetiva necessidade de pagá-los. Pior ainda, parece não haver vontade dos governantes, que amarrados a direcionamentos político-partidários e à constante descontinuidade administrativa não privilegiam esses credores.

Ora, num país de dimensões continentais como o Brasil, os prognósticos para esta questão são os piores possíveis. Apenas no Estado de São Paulo são 645 municípios. Se, miseravelmente, considerarmos a emissão de 20 precatórios por município, tem-se anualmente 12900 novos precatórios decorrentes apenas dessas prefeituras, sem contar autarquias, fundações e órgãos da administração direta e indireta municipais. Some-se a esse número os milhares de precatórios emitidos contra a União, Estados, Distrito Federal, Municípios dos demais Estados, suas autarquias e fundações, teremos algumas centenas de milhares de precatórios emitidos anualmente. Neste contexto, há devedores, cujos precatórios estão vencidos há décadas.

Vejamos algumas causas dessa sucessiva inadimplência, que só faz crescer as já imensas dimensões dessa bola de neve. Os precatórios emitidos a partir de 1994 estão sendo pagos nos termos da E. C. nº 30, uma moratória institucionalizada, que além da dilação de prazo dos pagamentos de precatórios para 10 anos, limitou a incidência de juros compensatórios até a data de 13.09.00. Entretanto, este não foi o primeiro calote e, ao que parece, não será o último. A Constituição de 1988 já havia estabelecido a 'Moratória Constitucional de Precatórios' (art. 33 da Constituição Federal, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), em que os pagamentos de "Outras espécies" sofreram uma dilação de prazo de oito anos, com a exclusão total dos juros compensatórios e moratórios após a CF 5.10.88.

E, para desespero dos credores, tramita atualmente no Congresso Nacional duas PECs - Projeto de Emenda Constitucional que, se aprovadas, significam a legalização do não pagamento dessas dívidas. Em tese, a suspensão dos pagamentos, somadas ao volume de precatórios emitidos no País, avolumam ainda mais o montante da dívida, que aliada à ineficiência dos devedores leva a crer que a saída dos governos será a continuidade do não pagamento ou a espera de nova moratória ainda mais benevolente que as já adotadas. Há ainda agravantes como a total falta de seriedade na condução administrativa; o não cumprimento dos prazos e a quase inexistência de profissionais com profundos conhecimentos em legislação e cálculos.

O primeiro passo rumo a uma solução viável para o problema passa obrigatoriamente pela quantificação do montante desta dívida, o que só pode ser obtido mediante auditoria de cálculo e mapeamento. Depois, pelo planejamento executável dos pagamentos e, por último, pelo cumprimento efetivo do planejado.

Muito embora não seja uma tarefa fácil que, sem dúvida, é agravada pela morosidade da máquina administrativa, a dívida ainda é pagável. Mas, infelizmente, muitos governantes preferem convergir seus esforços para outras direções e, assim, a Fazenda Pública, que sequer sabe quanto deve, não pode prever se e quando vai pagar.
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*Perito Contador


 




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