Progressão de regime prisional nos crimes hediondos: requisitos temporais antes e após a lei 11.464/2007
A edição da Lei 11.464/2007, que entrou em vigor em 29.03.2007, pôs fim a uma antiga controvérsia sobre a admissibilidade da progressão de regime nos crimes hediondos e assemelhados.
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
Atualizado em 3 de setembro de 2008 09:28
Progressão de regime prisional nos crimes hediondos: requisitos temporais antes e após a Lei 11.464/2007
Antônio Cláudio Linhares Araújo*
1. O julgamento do HC 82.959 e os efeitos gerais das decisões do STF do controle difuso de constitucionalidade
A edição da Lei 11.464/2007 (clique aqui), que entrou em vigor em 29.3.2007, pôs fim a uma antiga controvérsia sobre a admissibilidade da progressão de regime nos crimes hediondos e assemelhados. Este diploma legal alterou os termos da Lei 8.072/90 (clique aqui) e passou a prever expressamente o benefício na execução penal de condenados por estas espécies de delitos, sujeitando-os, entretanto, a requisitos temporais mais severos do que aqueles exigidos nos demais crimes, pois estabeleceu que a progressão ocorra após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.
Entretanto, a edição desta lei ocorreu após a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus 82.959, prolatada em 23.2.2006, na qual, por maioria de votos e com o placar de 6x5, o Pretório Excelso alterou seu entendimento sobre o tema e declarou inconstitucional a vedação da progressão de regime prisional instituída pela Lei dos Crimes Hediondos1.
A jurisdição constitucional brasileira vem priorizando a eficácia objetiva das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade. Atualmente, o esquema tradicional que reservava efeitos gerais apenas para as decisões proferidas no controle direto ou abstrato de constitucionalidade, reservando para as decisões originadas do chamado controle difuso ou incidental de constitucionalidade efeitos apenas intra pars, não está mais sendo estritamente observado pela jurisprudência do STF, que atravessa um momento de profunda revisão de conceitos.
O Supremo Tribunal Federal incorporou em sua jurisprudência o entendimento de que sua função de revisar as decisões judiciais que contrariem a constituição (controle difuso) deve também estar direcionada para a eficácia objetiva do controle de constitucionalidade, função antes entendida como exclusiva do controle concentrado. Assim, a suprema corte brasileira tem direcionado sua atuação na análise de recursos extraordinários ou outras causas em que exerça o controle difuso para além dos interesses subjetivos em jogo na demanda, medida que se impõe como forma de racionalizar a atividade da Suprema Corte e priorizar sua função de guardiã da Constituição (clique aqui).
Esta nova forma de atuação da jurisdição constitucional está implantada de maneira irreversível, porquanto esteja positivado no texto da própria Constituição Federal e no Código de Processo Civil o requisito da "repercussão geral" para a admissão do recurso extraordinário2, que se refere justamente a esta presença de um interesse que faça a questão constitucional possuir uma relevância maior de conteúdo objetivo, capaz de fazer a decisão espraiar seus efeitos para além da controvérsia subjetiva presente do processo.
A decisão proferida no HC 82.959 é uma destas situações em que o STF imprimiu efeitos gerais a uma decisão proferida no chamado controle difuso de constitucionalidade. Nota-se que no texto da decisão houve menção de que, muito embora a declaração de inconstitucionalidade fosse proferida "incidenter tantum", o Tribunal estava vedando a possibilidade de que esta declaração gerasse "conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas". Desta forma, por raciocínio lógico inverso, é possível concluir que a decisão espraia seus efeitos para além do caso concreto discutido naquela autos, pois, se era vedado a geração de efeitos da declaração de inconstitucionalidade sobre penas já extintas, forçoso concluir que as execuções penais ainda em curso poderiam sofrer conseqüências da decisão.
Neste ponto, interessante tecer algumas críticas a respeito da forma lacônica de decidir adotada pelo STF no pronunciamento sobre tema de tamanha relevância. Como já destacado, esta decisão se insere com contexto de uma inovadora forma de atuação da jurisdição constitucional brasileira, que vem sendo denominada pela doutrina de abstrativização do controle difuso e cujos contornos ainda estão em fase construção. Entendo que seria recomendável que o STF houvesse adotado a cautela de consignar, de maneira expressa, que aquela decisão seria dotada de efeitos transcendentes da mera resolução do caso subjetivo em que foi proferida, sendo igualmente desejável que o Tribunal explicitasse qual a natureza dos efeitos gerais que imprimiu à declaração de inconstitucionalidade.
Como visto, do texto da decisão do HC 82.959 somente é possível extrair a conclusão de que houve a geração de efeitos gerais à declaração de inconstitucionalidade da vedação à progressão de regime imposta pela Lei 8.072/90 por um raciocínio de dedução lógica. Tendo em vista a diversidade de efeitos que podem resultar do exercício do controle de constitucionalidade em suas vertentes difusa e concreta, bem como considerando a ainda incipiente interação entre estas formas de atuação da jurisdição constitucional, o que se afigura desejável é que o STF houvesse explicitado claramente que tipo de efeitos gerais decorreriam do julgamento, pois a eficácia objetiva das decisões proferidas no controle incidental de constitucionalidade pode ensejar conseqüências das mais diversas, como adiante será explanado.
Após esta decisão, houve relutância dos tribunais em admitir a eficácia geral da declaração de inconstitucionalidade da Lei 8.072/90. Diversos foram os questionamentos, pois argumentava-se que o texto legal continuaria vigente até que o Senado Federal editasse a resolução de que trata o artigo 52, inciso X, da CF, uma vez que este é procedimento clássico para a geração de efeitos gerais a partir de decisões proferidas pelo STF no controle incidental de constitucionalidade.
Por outra parte, após a edição da Lei 11.464/2007, formulou-se a tese de que este diploma legal significava tratamento mais gravoso aos apenados por crimes hediondos. Este entendimento parte da premissa de que a decisão do HC 82.959, ao estar revestida de efeitos gerais, teria revogado a Lei 8.072/90 na parte em que tratou da negativa de progressão de regime. Assim, tendo em vista que após a mencionada decisão do STF seriam aplicáveis os percentuais de progressão previstos de maneira geral na Lei de Execução Penal (clique aqui) para qualquer espécie de crime, chegava-se à conclusão de que o advento da Lei 11.464/07 significou uma alteração legislativa que impôs um tratamento penal mais severo à situação dos condenados, afastando-se a aplicação da Lei 11.464/07 para os fatos cometidos antes de sua vigência.
Bastante ilustrativo da perplexidade gerada entre os operadores do direito na aplicação dos efeitos geais da decisão do HC 82.959 é o voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator no STJ do HC 92.960/SP. Em seu pronunciamento, muito embora ao final submetendo-se à autoridade da decisão do STF, não deixou o Ministro de consignar seu sentimento de injustiça na concessão da progressão de regime aos sentenciados por crimes hediondos em condições de igualdade com as demais espécies de crimes:
"...tenho como inaceitável, do ponto de vista jurídico, que os condenados por crime hediondo possam progredir de regime carcerário nas mesmas condições de tempo (cumprimento de 1/6 da pena) que são exigidas dos condenados por crime não hediondo.
Ao meu modesto sentir, o tratamento da espécie, quanto a esse ponto, deve ser diferenciado, reconhecendo-se condições mais favoráveis aos condenados por crime comum, usando-se essa expressão em contraposição a crime hediondo (...)
Não se trata de aplicação retroativa de lei mais gravosa, pois a lei anterior não previa qualquer possibilidade de progressão, mas de resgate do equilíbrio e da harmonização do princípio da individualização da pena, uma vez que do texto mesmo da Carta Política emerge a diferenciação de tratamento que deve ser dada a delitos considerados mais graves - basta ler os incisos XLII, XLIII, XLIV e XLVIII do art.5º."
Entretanto, o próprio STF foi chamado a esclarecer a controvérsia sobre os efeitos de sua decisão no julgamento da Reclamação nº 4335, aforada em 19.4.2006, na qual foi concedida medida liminar determinando à instância ordinária a observância da eficácia geral. Na oportunidade, a decisão da Suprema Corte foi no sentido de que era "legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82959/SP" (informativo Supremo Tribunal Federal nº. 455, de 5 a 9 de fevereiro de 2007).
Porém, a controvérsia a respeito do requisito temporal a ser observado para a progressão de regime prisional nos crimes hediondos deverá ser, dentro em breve, objeto de nova apreciação pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Conforme foi noticiado no informativo STF nº. 512, a Ministra Ellen Gracie, atuando como relatora do HC 89.976/RJ, proferiu voto divergente da orientação que vinha sendo adotada pela Suprema Corte no trato desta questão. Analisando a possibilidade de progressão para condenado por tráfico de drogas, a Ministra posicionou-se pela aplicação aos atuais apenados dos requisitos temporais estabelecidos pela Lei 11.464/20073. Assim, em face da divergência instaurada, a 2ª. Turma do STF remeteu o julgamento do habeas corpus ao plenário.
Constata-se, portanto, que o tema ainda suscita divergências tanto nas instâncias inferiores como no âmbito do Supremo Tribunal Federal, sendo o objetivo deste modesto artigo contribuir com o debate a cerca da questão, cuja relevância maior entendo estar relacionada à problemática dos efeitos gerais (ou objetivos, ou transcendentes) das decisões proferidas pelo STF no chamado controle difuso da constitucionalidade. Assim, ouso afirmar que no julgamento do HC 89.976 o Supremo Tribunal Federal terá a oportunidade de avançar de forma escorreita na definição dos mecanismos de interação entre os controles difuso e concentrado de constitucionalidade, dando contornos mais precisos e compatíveis com a própria Constituição no trato da eficácia objetiva das declarações incidentais de inconstitucionalidade.
2. Crimes hediondos e progressão de regime prisional
Compartilho do entendimento expressado por meu ilustre conterrâneo Min. Napoleão Nunes Maia, bem como da tese exposta pela iminente Min. Ellen Gracie, ao reconhecer ofensa à própria Constituição na concessão, sob o presente quadro normativo, de progressão de regime aos condenados por crimes hediondos com o cumprimento dos requisitos objetivos previstos na Lei de Execução Penal para qualquer espécie de delitos.
Inicialmente, necessário consignar que a Constituição Federal, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, destacou determinadas espécies de delitos aos quais dispensou um tratamento repressivo mais severo. Pode-se mesmo afirmar que o legislador constituinte institui uma categoria de infrações penais considerada de elevado potencial ofensivo, que distinguem das demais seja por lesar bens jurídicos de especial relevância para a ordem jurídica, seja por ofender de maneira gravíssima interesses sociais de também elevada repercussão social.
Nesta categoria estão inseridos os crimes hediondos. Muito embora não se afigura compatível com os direitos fundamentais que a lei ordinária negue peremptoriamente a progressão de regime, por neutralização total do princípio da individualização da pena, tal como decidiu o STF no HC 92.596, também se configura ofensa ao mesmo princípio que os condenados a estes crimes sejam tratados em condições de igualdade com os demais criminosos, não se percebendo assim inconstitucionalidade na Lei 11.464/2007 quando instituiu requisitos temporais mais gravosos para estes apenados.
A controvérsia se resume, portanto, em identificar se de fato haveria ofensa ao princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais gravosa se fosse admitida a aplicação dos ditames da Lei 11.464/2007 às execuções penais em curso, entendimento que aparentemente tem sido albergado pelas decisões do STF.
3. Natureza dos efeitos gerais emanados das decisões proferidas pelo STF no controle difuso da constitucionalidade: efeito erga omnes versus efeito vinculante
Em seu modesto entendimento, a tese da irretroatividade da Lei 11.464/2007 parte da equivocada premissa de que houve uma sucessão de leis tratando sobre a matéria que tenha implicado em um tratamento penal mais rigoroso ao fato delituoso praticado pelo apenado. Em verdade, no plano estritamente normativo-legal, houve uma sucessão de leis que se traduziu em benefício aos condenados por crimes hediondos e assemelhados, pois a Lei 11.464/07 suprimiu a vedação de progressão prevista na Lei dos Crimes Hediondos, não havendo assim que se falar em lei penal mais gravosa.
O equívoco antes exposto, por sua vez, se origina de um entendimento também equivocado dos efeitos da decisão do STF no julgamento do HC 82.959. A nova forma de atuação da jurisdição constitucional, atualmente em construção no STF, realmente instituiu inovadoras formas de interação entre as vertentes concreta e difusa do controle de constitucionalidade, porém penso que não seja possível admitir que doravante não haja mais diferenças entre a declaração de inconstitucionalidade proferida pela suprema corte na apreciação de casos concretos e àquela proveniente de uma ação direta de inconstitucionalidade ou outra forma de provocação do STF no denominado controle concentrado.
Ora, é do próprio texto da Constituição que se extrai a existência tanto do controle concentrado como do controle difuso de constitucionalidade, pois lá está consignado que compete ao Supremo conhecer dos recursos extraordinários (art. 101, inciso III), prevendo-se ainda que das decisões definitivas proferidas no exercício desta atribuição poderá ser dado conhecimento ao Senado Federal para a edição de ato do qual resultará a suspensão da eficácia da lei declarada inconstitucional (art. 52, inciso X). Logo, se admitirmos que o Pretório Excelso está eliminando as diferenças entre os efeitos destas duas espécies distintas de controle de constitucionalidade, estaríamos admitindo que a Corte Suprema está, mais do que legislando, alterando a própria Constituição em um de seus pontos nodais, porquanto relacionado ao exercício da jurisdição constitucional, ou seja, aos dispositivos de auto-preservação da Carta Magna.
Nosso sistema de controle de constitucionalidade sempre esteve calcado no princípio da presunção de constitucionalidade das leis, de maneira que a nenhum particular é dada a faculdade de ignorar preceito expresso em texto legal vigente, sob pena de se gerar uma grave instabilidade, ou o próprio desmoronamento, do ordenamento jurídico. O afastamento de determinada norma inconstitucional em uma certa relação jurídica pode ser pleiteado pelo interessado a qualquer órgão jurisdicional, podendo a questão da constitucionalidade chegar a ser apreciada pelo STF por meio das vias do controle difuso. Pode ocorrer também que a Suprema Corte seja chamada a apreciar a constitucionalidade de maneira puramente abstrata, por meio de ação direta de constitucionalidade ou outro meio de exercício do controle concentrado. Nestes casos (e somente nestes casos), a declaração de inconstitucionalidade produzirá efeitos erga omnes por sua própria natureza, pois encerra em si um juízo de nulidade da lei inconstitucional que autoriza seu afastamento de toda e qualquer relação jurídica. A lei era desde sua edição incompatível com a Constituição e a decisão do STF tem efeitos revogatórios, eliminando a norma do ordenamento jurídico, inclusive com a repristinação do ordenamento anterior por ela revogada.
Mesmo em face da reformulação de conceitos pela qual passa a jurisprudência recente do STF, penso que as duas tradicionais vias do controle de constitucionalidade exercido pelo Pretório Excelso continuam existindo e sua existência só terá razão de ser se permanecerem as diferenças entre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida em cada situação. A interação entre as vertentes concreta e difusa do controle de constitucionalidade atualmente em construção pelo STF não será legítima se houver a pretensão de transplantar o efeito erga omnes, característico das decisões do controle concentrado para o controle difuso, pois isto significará a criação de uma espécie de controle não previsto pelo legislador constituinte.
Neste ponto, relevante destacar a distinção entre efeitos erga omnes e efeitos vinculantes, que são institutos que guardam certa proximidade, porém de conceitos distintos. Efeitos erga omnes, como o próprio significado semântico aponta, é a característica da decisão de expraiar seus efeitos a todas as todas as relações jurídicas disciplinadas pela norma objeto do controle de constitucionalidade, sendo elemento próprio dos pronunciamentos do STF no controle concentrado. Ora, as ações diretas são processos objetivos por natureza. O órgão ou entidade com legitimidade para deflagrar o processo sequer tem disponibilidade sobre a lide, pois a atuação da jurisdição tem por escopo a guarda da Constituição em si, de tal forma que o objeto do processo é a análise da lei abstratamente considerada. Nestes casos, a declaração de inconstitucionalidade implica na supressão da norma impugnada do ordenamento jurídico, pois nestas hipóteses o STF está autorizado a agir como legislador negativo.
Porém o efeito vinculante tem um significado diverso. Muito embora seja um elemento também intrínseco aos pronunciamentos do STF em sede de controle abstrato, esta eficácia da decisão diz respeito à observância, também de ordem geral, do conteúdo da resolução da controvérsia constitucional. Tem por objeto não tanto o conteúdo decisório do julgado, se voltando precipuamente para as razões de decidir, para a motivação do acórdão proferido pela Suprema Corte. O magistério do eminente Min. Gilmar Mendes leciona com maior clareza esta distinção, destacando, a título de exemplo, que apenas o efeito vinculante torna impossível a reedição de lei julgada inconstitucional pela Suprema Corte:
"Trata-se de instituto jurídico desenvolvido no Direito processual alemão, que tem por objetivo outorgar maior eficácia às decisões proferidas por aquela Corte Constitucional, assegurando força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes (tragende Gründe).
A declaração de nulidade de uma lei não obsta à sua reedição, ou seja, a repetição de seu conteúdo em outro diploma legal. Tanto a coisa julgada quanto a força de lei (eficácia erga omnes) não lograriam evitar esse fato. Todavia, o efeito vinculante, que deflui dos fundamentos determinantes (tragende Gründe) da decisão, obriga o legislador a observar estritamente a interpretação que o tribunal conferiu à Constituição. Conseqüência semelhante se tem quanto às chamadas normas paralelas. Se o tribunal declarar a inconstitucionalidade de uma Lei do Estado A, o efeito vinculante terá o condão de impedir a aplicação de norma de conteúdo semelhante do Estado B ou C (Cf. Christian Pestalozza, comentário ao § 31, I, da Lei do Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgerichtsgesetz) in: Direito Processual Constitucional (Verfassungsprozessrecht), 2ª edição, Verlag C.H. Beck, Munique, 1982, pp. 170/171, que explica o efeito vinculante, suas conseqüências e a diferença entre ele e a eficácia seja inter partes ou erga omnes)"4
Assim, o afastamento da aplicação da norma inconstitucional para todas as relações jurídicas nunca foi (e não poderá ser) efeito automático das decisões proferidas pelo STF no exercício do controle difuso. Nestas hipóteses, a menos que tenha havido a resolução do Senado Federal prevista no art. 52, inciso X, da CF, a lei permanece integrando o ordenamento jurídico e sendo apta a produzir efeitos, devendo cada interessado demandar individualmente um pronunciamento judicial sobre seu caso concreto, do qual surgirá o efeito de não sujeitar determinada relação jurídica àquela disposição legal. E precisamente para que as demais instâncias do Judiciário observem a orientação adotada pela Corte Constitucional, evitando a reiteração de controvérsia já dirimida, é que se afigura legítimo o uso do efeito vinculante, inicialmente concebido apenas o controle concentrado de constitucionalidade.
Desta forma, entendo que os efeitos gerais aplicados pelo STF às suas decisões no controle difuso, tal como ocorreu no HC 82.959, se referem não à utilização da eficácia erga omnes, que somente é possível no controle puramente abstrato. Refere-se, isto sim, à transposição do efeito vinculante de que estão tipicamente revestidas as decisões do controle concentrado para a declaração de inconstitucionalidade proferida na análise de casos submetidos a sua apreciação pela via da jurisdição difusa de constitucionalidade. Após a decisão do recurso extraordinário, ou de outra espécie de ação em que haja matéria constitucionalidade como questão prejudicial, o STF poderá determinar que as demais instâncias observem a resolução da questão constitucional que foi originada do entendimento da maioria absoluta de seus membros (cláusula de reserva de plenário), estendendo a solução daquele caso às demandas que possuam idêntica questão constitucional como causa de pedir. Porém, a lei declarada inconstitucional permanecerá vigente, pois o efeito revogatório só é gerado pela decisão proferida no controle concentrado, cabendo aos interessados pleitear junto a qualquer órgão jurisdicional competente a extensão dos efeitos da decisão do STF às relações jurídicas em que sejam parte, muito embora este último pronunciamento judicial esteja submetido ao efeito vinculante determinado pela suprema corte.
Com a aplicação deste entendimento, preserva-se a coexistência das duas modalidades de controle de constitucionalidade, bem como se alcança o objetivo da otimização da atuação do STF como corte constitucional sem ofensa à competência do Senado Federal de suspender a eficácia da lei declarada inconstitucional. Não é razoável admitir que a evolução da jurisdição constitucional, com a denominada "abstrativização" do controle difuso, caminhe contra a própria Constituição, pois, ao se atribuir efeitos erga omnes à declaração de inconstitucionalidade proferida no controle difuso, estar-se-ia fazendo tábula rasa no que está disposto o art. 52, inciso X, da CF, retirando qualquer função prática da resolução do Senado Federal a que a Carta Magna reserva a autoridade de suspender a eficácia geral da lei inconstitucional, configurando grave violação do princípio da separação e harmonia entre os poderes da República.
4. Progressão de regime nos crimes hediondos: requisitos temporais antes e após a Lei 11.464/2007
Então, aplicando o entendimento antes exposto à controvérsia da progressão de regime nos crimes hediondos, vemos que os efeitos gerais oriundos da decisão do HC 82.959 provocaram apenas a geração de eficácia vinculante à declaração de inconstitucionalidade da vedação de progressão prevista na 8.072/90. A decisão, portanto, teve o efeito de dirimir em definitivo a controvérsia constitucional, retirando a aplicabilidade da Lei dos Crimes Hediondos na apreciação de pedidos de progressão de regime julgados a partir dela, mas não revogou a lei, pois o efeito derrogatório é exclusivo do controle abstrato.
Assim, não há que se falar em sucessão de leis que tenham provocado um prejuízo ao apenado, pois a lei nova em verdade fez surgir no plano normativo-legal o direito à progressão de regime. Antes da Lei 11.464/2007 havia tão somente o efeito vinculante da decisão do HC 82.959 fundamentando esta pretensão, de tal sorte que apenas aqueles condenados que tenham implementado os requisitos temporais fixados na Lei de Execução Penal antes da vigência do novo diploma legal é que poderiam pleitear o afastamento dos requisitos de 2/5 ou 3/5 advindos da Lei 11.464/2007, pela aplicação do efeito vinculante.
Porém, entendo não haver fundamento para se pleitear um pretenso direito adquirido à aplicação das regras resultantes da decisão do HC 82.959 para após a edição da Lei 11.464/2007, pois, os benefícios cujos requisitos temporais tenham se implementado após a edição deste diploma legal devem ser analisados segundo as normas vigentes, medida que se impõe também como conseqüência do tratamento penal mais severo que o legislador constituinte dispensou aos crimes hediondos.
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1 Eis o texto da parte dispositiva do acórdão proferido pela Suprema Corte: "O Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de habeas corpus e declarou, 'incidenter tantum', a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do relator, vencidos os Senhores Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Presidente (Ministro Nelson Jobim). O Tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão. Votou o Presidente. Plenário, 23.02.2006.
2 CF, art. 102 § 3º: "No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros". (Acrescentado pela EC nº 45, de 2004)
CPC, art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 1º.: "Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa."
3 Na ocasião, entendeu a Ministra que "que, com a nova redação, dada pela Lei 11.464/2007, ao § 1º, e a introdução do § 2º, ambos do art. 2º, da Lei 8.072/90, deverão ser cumpridos os requisitos e condições impostas, mesmo quanto às pessoas que praticaram condutas criminosas em época anterior à nova ordem jurídica instaurada sobre o assunto. Do contrário, aduziu que haveria descumprimento do comando constitucional contido no art. 5º, XLIII, não cumprindo o papel axiológico e a própria razão de ser da Lei dos Crimes Hediondos, a saber, tratar de modo mais severo os casos referentes aos crimes hediondos e a eles equiparados"
4 O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas. Artigo publicado em Juris Plenum, nº. 98, cd 1.
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*Promotor de Justiça do MP do Rio Grande do Norte, bacharel em Direito pela UFC