Sebastião Alves Dos Reis, o homem, o jurista, o juiz
Os mineiros notáveis estão nos deixando. Recentemente, morreu Abílio Machado Filho. Depois, José Cabral. E no dia 9 deste, faleceu o ministro Sebastião Reis, com quem convivi por mais de quarenta anos. O nosso ingresso na magistratura federal ocorreu em 1967. Deveríamos instalar, em Minas, a Justiça Federal.
segunda-feira, 18 de agosto de 2008
Atualizado às 09:05
Sebastião Alves Dos Reis, o homem, o jurista, o juiz
Carlos Mário Velloso
Os mineiros notáveis estão nos deixando. Recentemente, morreu Abílio Machado Filho. Depois, José Cabral. E no dia 9 deste, faleceu o ministro Sebastião Reis, com quem convivi por mais de quarenta anos. O nosso ingresso na magistratura federal ocorreu em 1967. Deveríamos instalar, em Minas, a Justiça Federal. Éramos seis juízes: Pereira de Paiva, Sebastião Reis, eu próprio, Fernando Pinheiro, João Toledo e Gilberto Lomônaco. Pereira de Paiva, titular da 1ª. Vara, ficou incumbido, com os demais colegas, da instalação da Justiça. Sebastião Reis e eu fomos designados para despachar e decidir mandados de segurança, habeas corpus e demais medidas urgentes. Não dispúnhamos de gabinete, de papel, de máquina de escrever, de servidores. Acomodamo-nos no gabinete de uma das Varas da Fazenda Pública do Estado, que se encontrava vaga. Assentávamos num mesmo birô. Ali, com o auxílio dos servidores da Vara, a Justiça Federal de Minas decidiu os primeiros mandados de segurança, os primeiros habeas corpus, as primeiras medidas urgentes, que não foram poucas.
Conheci, no convívio diário e diuturno, primeiro, o homem Sebastião Reis. Dedicado à família, formava, com a esposa, Lúcia, e os filhos, João Tadeu, Pedro Paulo e Sebastião Júnior, uma família perfeita. Após o expediente, eu o levava no meu carro até a sua casa. Não por poucas vezes ficávamos a conversar, na sua biblioteca, sobre as coisas da vida, sobre o direito tributário, de que era mestre incomparável. De fina sensibilidade, discutia idéias, formulava teses, comentava os acontecimentos. Jamais ouvi de sua boca uma palavra que deixasse mal qualquer pessoa. Li, alhures, que os homens superiores cuidam de idéias; os médios, de fatos; e os inferiores, de pessoas. Sebastião Reis, homem superior, ficava sempre no campo das idéias.
Professor de Direito, foi jurista de escol. Quando de sua posse e de mais sete ministros, em 1980, dentre eles Pereira de Paiva, no antigo Tribunal Federal de Recursos, tive a honra de saudá-los em nome do Tribunal. Revelei, então, que Sebastião Reis era um "scholar", no estilo harvardiano, e que os meus primeiros passos no campo do direito tributário foram por ele seguramente conduzidos. Homem modesto, disse-me que se emocionara com a revelação que eu fizera. Os verdadeiros juristas, os cientistas, primam pela humildade. Os artigos de doutrina que escrevia eram disputados pelas revistas especializadas. Aposentado por implemento de idade, assumiu, pouco tempo depois, a presidência do Centro Jurídico Brasileiro, entidade criada por Orlando e Isabel Vaz, para o fim de estudar o Direito. Regularmente, comparecia ao Centro Jurídico, onde elaborava pareceres, artigos de doutrina, palestras e conferências.
Muito haveria o que dizer do juiz de verdade que foi Sebastião Reis. Conta o advogado Genival Tourinho que, por volta de 1970, proferiu ele sentença, numa ação em que Genival era advogado, que desagradara o militar que presidia certo órgão federal. Teria o militar, de alta patente, apregoado que, se a decisão fosse contrária a sua repartição, providenciaria ele a cassação do seu prolator. Sebastião Reis não se incomodou. Encerrada a audiência, na qual a sentença foi publicada, declarou, alto e bom som: "perco o cargo, mas não perco a honra." Convém esclarecer que não era ele homem de arroubos. Juiz austero, punha-se longe dos holofotes. Mas há momentos em que o magistrado deve proclamar os seus princípios. Era assim que procedia o juiz Sebastião Reis. As suas sentenças, no 1º grau, os seus votos, no antigo Tribunal Federal de Recursos, fizeram escola. Quando votava, o Tribunal o ouvia atentamente. Era o mestre que ensinava, mas, sobretudo, o grande juiz que tinha por divisa a lição de Vauvenargues, nas suas "Reflexões e Máximas": "não se pode ser justo se não é humano."
O ministro Sebastião Reis não está mais entre nós. O exemplo de homem, de juiz e as lições que nos deixou, permanecem, entretanto, conosco, fazendo viva a sua memória. Penso que é nesse sentido a sentença de Guimarães Rosa: "as pessoas não morrem, ficam encantadas."
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Artigo publicado no jornal Estado de Minas - Minas Gerais, no dia 15/8/2008
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*Fundador do escritório Advocacia Velloso
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