Pacto social tripartite - uma alternativa para a crise social
O presente artigo tem por finalidade abordar a importância da liberdade de escolha, em relação ao nível de negociação, através do pacto social tripartite, que seria uma alternativa para a crise social, o que infelizmente não ocorre no Brasil, posto que a negociação é por categoria, ou por empresa.
sexta-feira, 29 de outubro de 2004
Atualizado em 31 de agosto de 2004 14:48
Pacto social tripartite: uma alternativa para a crise social
1. O pacto tripartite
O pacto tripartite é uma espécie de negociação coletiva, constituindo -se como forma atípica de negociação, pois dentre as formas típicas temos os acordos e as convenções. A independência das partes na negociação coletiva é de primordial importância.
Assim sendo, a intervenção das autoridades públicas, na elaboração e conclusão de contratos coletivos, é contrária ao critério em que se inspira o artigo 4º da Convenção nº 98 da OIT .
Em outras palavras, o direito de negociar livremente os salários e demais condições de emprego, com os empregadores e suas organizações, é um aspecto fundamental da liberdade sindical.
Por esta razão, não pode haver limitação ao alcance da negociação coletiva, pois esta limitação é incompatível com o artigo 4º da Convenção nº 98.
Mas, acima de tudo, é importante mencionar que não existe um nível de negociação mais importante ou melhor que outro, a negociação deve sempre visar a satisfação das partes, devendo ser adequada à realidade do país.
O importante é haver liberdade de escolha, em relação ao nível de negociação, o que não ocorre no Brasil, sendo imposta o nível de negociação por categoria, ou por empresa, nos termos dos artigos 511 e 513 da CLT. Isto porque, nosso ordenamento jurídico apenas prevê a convenção coletiva e o acordo coletivo.
O ideal seria conciliar o nível de negociação com a questão a ser solucionada, pois dependendo do caso é mais vantajoso a negociação por empresa ou por categoria, por isso a liberdade de negociar em todos os níveis é muito importante.
Para Otávio Pinto e Silva, o ideal seria a ampliação dos níveis de negociação acabando com o monopólio dos sindicatos e a limitação por categoria.
Para tanto seria essencial a supressão do art. 8º VI da Carta Federal, para que qualquer órgão de representação dos trabalhadores estarem legitimados à negociar, podendo-se incluir as Centrais Sindicais e as representações dos trabalhadores nos locais de trabalho. Neste sentido, o autor ressalta que a consagração da liberdade sindical implicaria na possibilidade de negociação em todos os âmbitos, de todos os tipos, sobre todos os assuntos ligados ao trabalho.
Existem, de fato, várias propostas. Uma delas limita as negociações ao âmbito das empresas. Outras procuram definir distintos níveis de negociação, separando temas para negociação nacional, regional e por empresa ou categoria. Ou seja, a questão central é qual é (ou quais são) o(s) nível (eis) de negociação. De qualquer forma, o modelo de negociação deverá ser compatível com o modelo de organização sindical adotado no país.
É importante destacar que a Negociação Triparte também é conhecida como Negociação tripartite, Concertação Social, acordos nacionais, pactos sociais ou entendimentos.
Segundo Amauri Mascaro, os pactos sociais são acordos macroeconômicos tripartites entre governo, trabalhadores e empregadores ou bilaterais entre trabalhadores e empregadores .
O conteúdo dos pactos sociais é mais amplo que a convenção coletiva, eis que frequentemente abrange questões de ordem econômica, trabalhista e política, de modo a caracterizar-se como macro acordo, planejamento geral de natureza sócio econômica.
Para Francisco Antonio de Oliveira o pacto social exige o envolvimento e a conveniência de uma representação tripartite: Estado, empresário e trabalhador.
O pacto social busca saídas para crises sociais, não se restringe as questões trabalhistas entre empregado e empregador. Busca-se quase sempre uma tomada de posição para superação de crises que envolvam o Estado como um todo, mas poderá insinuar-se em sede setorial, como no setor da indústria automobilística, no setor de autopeças etc.
Para Sérgio Pinto Martins a concertação social não tem efeito normativo, nem sanção jurídica, somente possui aspectos políticos. As partes se comprometem a cumprir metas, geralmente o intuito é fixar diretrizes de contratação coletivas e regras de combate à inflação e aos desemprego.
Podemos citar os exemplos de países latinos com sucesso assimiláveis, como na Itália e a Espanha, traduzidos em acordos ou quadro (Espanha), que permitem razoável estabilização econômica e social. O caso da Espanha é um exemplo a ser seguido, e nosso atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, costuma sempre citar o Pacto de Moncloa, firmado logo após o fim da ditadura franquista.
Referido Pacto se constituiu em um exemplo típico de negociação tripartite, eis que se tratou de um acordo entre partidos, empresários e sindicatos, sendo a expressão de um compromisso assumido por todas as forças políticas e sociais. Neste caso cada um dos participantes precisou renunciar a alguma coisa para que todos pudessem ganhar.
Outro exemplo de pacto social tripatite foi assinado pela Itália em julho de 1993, referido acordo é saudado por seus realizadores como um acordo histórico, que contribuiu para a construção do novo panorama social.
A celebração de referido acordo na Itália ocorreu em um momento histórico único, no qual o país passava pela mais grave crise política após a guerra, neste contexto se implementou a operação mãos limpas.
É importante destacar que o principal conteúdo do "acordo tripartite nacional" está concentrado nas novas regras de negociação em todos os níveis, dentro de um projeto de relações sindicais declaradamente participativo.
2. A negociação triparte no Brasil
No Brasil se verificou a negociação tripartite no período de 1992/1995 com a experiência da Câmara Setorial do setor automotivo. (ACORDO DO SETOR AUTOMOTIVO DE 27 DE MARÇO DE 1992).
No Brasil a negociação tripartite surgiu na década de 1990, como perspectiva de mudanças sociais. Nesta época o país passava por uma crise econômica muito grave, onde o desemprego batia recordes, e o setor de autopeças era o mais atingido.
A recessão se agravou e enfraqueceu toda a economia do país, e com a queda das tarifas de importação as fábricas começam a fechar.
Neste contexto social, se a crise persistisse, certamente o futuro da indústria automobilística estaria seriamente ameaçado.
Assim, o papel desempenhado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC foi decisivo, pois corroborou com a inserção de uma série de mudanças fundamentais, com o objetivo de alavancar o setor e superar a crise econômica.
Dessa forma, foi instalada a Câmara Setorial automotiva, com o comprometimento do ministro da economia, com a finalidade de propiciar a "modernização e reestruturação do complexo automotivo" A participação do Sindicato nesta fase de negociação foi bem ativa, de forma que foram expostos os objetivos de forma clara e definidos, com o especial fim de recuperar o emprego, salário e retomar o crescimento interno do setor automobilístico.
Assim, foi concluído o primeiro grande acordo da Câmara setorial, após a realização do seminário em março de 1992.
O acordo foi um sucesso, com exemplos concretos: o emprego se estabilizou, os salários reais evoluíram, e as vendas aumentaram. Por esta razão, o acordo foi renovado, com significativos avanços: nova redução de preços, da ordem de 10%, viabilizada pelo corte nas alíquotas de IPI e ICMS, redução das margens de lucros das montadoras, autopeças e revendedores; melhoria das condições dos consórcios e financiamentos.
O resultado após dois anos do primeiro acordo foram evidentes: houve crescimento do setor automobilístico, em termos de produção, emprego e salários.
Mas o governo federal se descuidou um pouco após verificados os resultados positivos, e uma série de dificuldades surgiram, ademais com a saída da equipe governamental de Dorothea Werneck e Antonio Maciel.
Outros elementos contribuíram para o fim da Câmara setorial, dentre eles : o plano real, a implantação da URV, o impeachement do presidente Fernando Collor de Mello, o aumento dos preços dos veículos, a política de juros elevados, a incerteza econômica.
Outro fator que contribuiu para o fim das Câmaras setoriais foi a inexistência de sindicato de representação intercategorial, havendo apenas benefícios para um determinado setor em detrimento dos interesses de outros sindicatos.
Muitas críticas foram lançadas às Câmaras setoriais, inclusive no último acordo tripartite realizado com os sindicatos dos metalúrgicos de São Paulo e ABC, firmado no início de 1999, onde os sindicatos dos metalúrgicos conseguiram acordar com a União, Estados e montadoras a redução do IPI e do ICMS nos automóveis, resultando em uma redução fiscal de 15 % em troca de um bônus - desconto para os consumidores de R$ 350,00 e de promessa de manutenção do emprego nas montadoras por 90 dias.
Neste sentido vêm a critica lançada pelo Partido Comunista: alegando que a pressão dos sindicatos pelo fechamento do novo acordo tinha como objetivo retomar para as montadoras a isenção fiscal, assim buscaram com a ação coordenada dos sindicatos dos metalúrgicos da CUT e da Força Sindical, pressionar o Governo por um novo acordo de redução fiscal, valendo-se para tanto da ameaça de demissão em massa. E a redução fiscal possibilitou a reestruturação de várias montadoras em outros Estados, estando inclusive a FORD com ameaça de fechar a fábrica em São Bernardo.
Esta foi a principal crítica feita em torno da Câmaras Setoriais, a alegação de manobras políticas e articulações dos sindicatos com os empresários.
3. Exemplos de negociação tripartites existentes no Brasil
Como exemplo de negociação tripartite, podemos citar que, em Santo André, está em plena atividade uma Câmara Regional (consórcio intermunicipal) , da qual participam o governo do Estado, os prefeitos da região do ABC, os sindicatos, os empresários e os representantes da sociedade civil.
Com pouco tempo de funcionamento, a câmara já fez vários acordos visando o desenvolvimento regional, o que é uma forma de contribuir para a geração de empregos. O ABC, que é o terceiro mercado consumidor do Brasil, estava há anos sem nenhum centavo de investimento da União e do governo estadual.
A título de exemplo de experiências de gestão tripartite em âmbito nacional vinculadas à geração de emprego e renda e requalificação para o trabalho, estão o PROGER (Programa de Geração de Emprego e Renda) e o PLANFOR (Plano Nacional de Formação Profissional), ambos financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Mas, atualmente, a matéria têm merecido destaque, pois o atual governo já demonstrou interesse em formalizar novos acordos tripartites, e nosso presidente demonstrou grande interesse em incentivar os pactos sociais, sendo este um dos assuntos tratados em sua campanha eleitoral.
Neste curso está seguindo o governo, que instaurou o Fórum Nacional do Trabalho, que se consiste em uma instância tripartite, na qual governo, empresários e trabalhadores estarão representados de forma igualitária e onde governo terá participação ativa.
4. A negociação tripartite como alternativa à crise social
É importante salientar o papel do Estado nas questões sociais, em especial para gerar empregos e regular o sistema informal, dessa forma, o Estado ao negociar com os sindicatos e empregadores transmite segurança, eis que ao definir política de incentivos proporciona condições da empresa se organizar e favorecer a manutenção de postos de trabalho ou criar novos postos.
E é nesta política em conjunto que pode estar solução dos conflitos entre trabalhadores e empregadores, agravados ainda mais pela situação econômica e financeira que assola nosso país.
A mudança de um direito trabalhista rigidamente tutelado, que tem na forma legal sua fonte principal para um direito que enfatize a negociação coletiva como fonte de criação de normas, somente é possível num sistema tripartite, com atuação direta do Estado como órgão participativo estabelecendo garantias e certezas básicas para as partes.
Embora o Estado não possa intervir na empresa ele pode tomar providências no sentido de mitigar a situação precária, com o intuito de evitar demissões em massa, por exemplo, pode colocar em prática medidas como transferência monetária para os afetados, execução de programas de capacitação, concessão de créditos a juros baixos para estimular a conversão dos afetados em micro ou pequenos empresários dentre outros.
O diretor de Normas Internacionais do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Jean-Claude Javillier, afirmou no Fórum Internacional sobre Flexibilização no Direito do Trabalho, realizado pelo Tribunal Superior do Trabalho em 07.04.2003, que, para se modernizar as leis que regem o trabalho no Brasil, é preciso conciliar o universalismo com as particularidades: aliar a linguagem do Direito Internacional do Trabalho ao contexto socioeconômico de cada país. "Tudo dentro de um formato tripartite, reunindo governo, empresários e empregados por meio do diálogo".
Jean-Claude Javillier ressaltou a importância do tripartismo (governo - empregados - empregadores), neste contexto de modernização social e afirmou: "Somente por meio do diálogo nessas três pontas será possível chegar a novas soluções. Para garantir as respostas que o trabalhismo brasileiro necessita hoje não falo em flexibilização e sim em criatividade".
Por outro lado, para que possamos inserir a negociação tripartite em nosso país, primordial haver a reforma na estrutura sindical .
O atual sistema sindical, pautado na unicidade sindical, inviabiliza uma negociação abrangente como se pretende com a negociação triparte. Neste sentido é a manifestação de Siqueira Neto: para que possa ser alcançada uma "flexibilização positiva", é fundamental a mudança da estrutura sindical brasileira. "A liberdade sindical tem de ser consagrada, definitivamente, com todas suas condicionantes. Com isso, teremos sindicatos representativos, espaços para os trabalhadores nos mais diversos ambientes de discussão de seus interesses e, conseqüentemente, espaço para a flexibilização possível das relações de trabalho, pois há limites também para isso.
Também neste sentido é a opinião de Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, pois acredita que uma ampla reforma sindical é a precondição para o debate em torno da modernização das leis trabalhistas. "Com sindicatos representativos, capazes de conduzir contratações coletivas, definir jornadas, remunerações e defender todos os direitos de trabalhadores, as negociações fluirão por si só e gradativamente substituirão as leis consideradas mais rígidas".
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC também destaca a importância da negociação tripartite para propiciar a evolução do Direito do Trabalho. Neste sentido também é a opinião de Ericson Crivelli, consultor jurídico da CUT e DIEESE, pois elenca a concertação tripartite como solução para a situação atual vivida em nosso país, ressaltando a necessidade de uma fase de transição.
Esta fase de transição consistiria na construção de um modelo de representação sindical assentada também no local de trabalho e de plena liberdade sindical. Impondo-se como ato de mudança principal o fim da unicidade sindical e categoria profissional, verificados no art. 8º, II da CF., bem como a supressão do Poder Normativo da Justiça do Trabalho, art. 114 § 2º da CF.
Tocante a necessidade de reforma do atual modelo sindical, importante observar que já foi apresentado projeto de emenda constitucional que institui a liberdade sindical e extingue, gradativamente, o imposto sindical. A proposta altera a redação do artigo 8º da Constituição Federal e foi apresentada pelos deputados Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho e por Maurício Rands.
Tal mudança pede uma revisão do papel que o Estado exerce nas relações capital - trabalho no Brasil, devendo agir de maneira participativa, fornecendo meios e condições para propiciar a negociação entre sindicatos e empregadores, e a saída são os pactos sociais tripartites, inclusive para propiciar a regularização do setor informal.
O ponto fundamental na questão do emprego no contexto da globalização é reconhecer a função social do governo. Este deve tornar-se menos interventor e deve passar de produtor de bens e serviços a apenas regulador de atividades; não deve cair na tentação de obstruir o dinamismo da globalização, que é saudável no seu conjunto.
A par de toda a mudança social, imposta pela globalização e pelo Estado Neoliberal, com todas as propostas de flexibilização das normas trabalhistas, não pode o Estado abdicar de sua função primordial de promotor do bem-estar e do equilíbrio social.
Neste sentido, a melhor estratégia para o atual ator governamental está na promoção do tripatismo como forma de negociação, privilegiando a cooperação e não o confronto com os sindicatos e empregadores.
Para tanto, é necessário haver a reforma no atual modelo sindical, pois nosso sistema, dificulta a atuação do sindicato, que deve ser visto como órgão essencial para resguardar os interesses da classe operária.
5. Conclusão
Vimos que o pacto tripartite nada mais é do que uma espécie atípica de negociação coletiva. Mas que não é utilizado em nosso país, em razão da limitação que há em nosso ordenamento, no que pertine aos níveis de negociação coletiva. Isto porque nosso ordenamento prevê as hipóteses de negociação por categoria e por empresa, e a negociação tripartite seria uma espécie de negociação política, com participação do Estado, dos empresários e dos empregados.
Verificamos que houve uma tentativa tímida em 1992/1995 de implementar a negociação tripartite no Brasil, conforme acordo do setor automotivo em 27/3/92.
Mencionamos como exemplo a região do Grande ABC, onde está em pleno funcionamento uma Câmara Regional que propicia a negociação tripartite. Nesta linha também está o atual Governo Federal, pois está incentivando a criação de instância tripartites na qual o Governo, empresas e trabalhadores estarão representados de forma igualitária.
Assim, como alternativa para a atual crise social, temos a negociação tripartite como forma de mudança de um direito trabalhista rigidamente tutelado para um direito que enfatize a negociação coletiva como fonte de criação de normas. E isto só é possível num sistema triparte com atuação direta do Estado como órgão participativo estabelecendo garantias e certezas básicas para as partes.
Mas, para tanto, é necessário haver a reforma da atual estrutura sindical, eis que o nosso sistema é pautado na unicidade, o que inviabiliza a negociação de forma abrangente como a negociação tripartite.
Dessa forma temos que a melhor estratégia para o atual ator governamental está na promoção da negociação tripartite, no intuito de cooperar e não de confrontar com os interesses dos sindicatos, empregados e empregadores.
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*Advogada trabalhista do escritório Wilton Roveri Advogados
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