Reforma do Código de Processo Penal - a "super audiência" do art. 400 do CPP
Denominamos em nosso recente livro a nova audiência do rito comum ordinário, trazida ao sistema processual penal pela Lei 11.719/2008, de "super audiência".
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
Atualizado em 7 de agosto de 2008 13:33
Reforma do Código de Processo Penal - a "super audiência" do art. 400 do CPP
Ivan Luís Marques da Silva*
Denominamos em nosso recente livro a nova audiência do rito comum ordinário, trazida ao sistema processual penal pela Lei 11.719/2008 (clique aqui), de "super audiência".
Reza a nova redação do art. 400 do Código de Processo Penal:
"Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. § 1o As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. § 2o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes."
Da redação apresentada, que entrará em vigor no dia 22 de agosto, estarão concentrados os seguintes atos:
1) oitiva do ofendido;
2) inquirição das testemunhas de acusação: até 8;
3) inquirição das testemunhas de defesa: até 8;
4) esclarecimentos dos peritos, que dependerão de prévio requerimento das partes;
5) acareações entre os testemunhos contraditórios;
6) reconhecimento de pessoas, seguindo o rito do CPP;
7) reconhecimento de coisas;
8) interrogatório do réu, que foi deslocado para o final dos atos de instrução;
9) alegações finais orais: 20 minutos para a acusação e 20 minutos para a defesa, prorrogáveis, para ambos, por mais 10.
10) havendo assistente de acusação, este falará por 10 minutos depois do representante do MP, acrescendo igual tempo para a defesa.
11) também está prevista a possibilidade de o magistrado proferir a sentença antes de encerrar os trabalhos e assinar a ata.
Para os profissionais da área criminal - advogados, representantes do Ministério Público, defensores públicos e magistrados - fica no ar a pergunta: como realizar todos esses atos em uma única tarde?
Só para levar todas as testemunhas arroladas ao Fórum na data marcada já é difícil. Agora acrescente a essa dificuldade a oitiva do ofendido, com perguntas feitas pelas partes e pelo juiz. Depois teremos a inquirição de até 16 testemunhas com perguntas e reperguntas, indeferimentos, consignações em ata etc. Se houver perícia, teremos questionamentos das partes, de seus assistentes técnicos e do juiz. Para os testemunhos contraditórios teremos as acareações, que normalmente não são rápidas. O reconhecimento de pessoas e coisas. Após todo esse acervo probatório, ainda teremos o interrogatório do réu que, se estiver preso, deverá estar à disposição do juízo no dia e hora marcados (como se a falta de viaturas e pessoal não existisse). Após as perguntas do juiz e das partes para o réu, abre-se a palavra para o promotor falar por 20 minutos, depois a defesa faz suas alegações finais também por 20 minutos. Por fim, o juiz profere a sua decisão e as partes saem intimadas com o prazo recursal aberto.
Quantas horas serão necessárias para implementar toda a instrução numa única tarde? Muitas, sem dúvida.
O juiz deverá estar atento na hora de marcar a sua pauta de audiências, pois não nos parece possível implementar mais de uma "super audiência" por dia.
Marcando apenas uma audiência por dia, imagine como ficará a fila de espera para instrução nas Varas de sua Comarca. Para quem trabalha na área criminal, a resposta é fácil. A prestação jurisdicional ficará por demais lenta e prejudicada. Isso não será um problema isolado, mas de todo o País.
O problema do entupimento da pauta cria outra conseqüência. Pedimos ao leitor que acompanhe novamente um trecho da regra prevista no caput:
"Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 dias".
Se a pauta de juiz estará trancada, como acima demonstrado, como poderá realizar a "super audiência" no prazo máximo de 60 dias? A resposta não pode ser outra: ele não poderá fazê-lo.
A conseqüência jurídica disso é a soltura de todos os presos provisórios por excesso de prazo. Serão milhares de habeas corpus por todo o Brasil pleiteando um direito líquido e certo que a lei conferiu, que consiste na realização da audiência no máximo em 60 dias para o rito comum ordinário. No rito sumário este prazo é reduzido para 30 dias e no rito do júri ele sobe para 90 dias.
O legislador pensou estar ajudando o sistema processual com essa alteração legislativa, com a concentração dos atos do processo, com o sistema de oralidade, entretanto esqueceu-se do principal: o nosso Poder Judiciário não possui a estrutura necessária para adimplir os anseios da lei.
De duas, uma:
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ou a lei será ignorada pelo Judiciário que continuará a fazer o possível, e não o legal;
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ou a Justiça, no afã de cumprir a letra fria da lei, buscará seu impossível cumprimento e trará mais morosidade na prestação jurisdicional.
Cabe agora aos operadores do Direito adaptar as ilogicidades legislativas à nossa difícil prática forense, tão limitada por falta de recursos humanos e orçamentários. Criatividade e mãos à obra.
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*Coordenador-chefe no IBCCRIM, advogado criminalista
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