Recentes julgados do STF apontam a inexistência de crime fiscal no curso de processo administrativo
Fernando Trizolini
Nos últimos tempos, uma revolução silenciosa tem tomado força nas delegacias fazendárias e foros judiciais. Trata-se de resultado direto dos recentes julgamentos realizados pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal.
segunda-feira, 30 de agosto de 2004
Atualizado em 27 de agosto de 2004 09:28
Recentes julgados do Supremo Tribunal Federal apontam para a inexistência de crime fiscal no curso de processo administrativo
Nos últimos tempos, uma revolução silenciosa tem tomado força nas delegacias fazendárias e foros judiciais. Trata-se de resultado direto dos recentes julgamentos realizados pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, onde restou vencedora a tese pela qual inexiste crime fiscal enquanto não concluído definitivamente o processo administrativo onde é questionada a exigência do tributo.
Muito embora o Supremo já tivesse demonstrado noutras oportunidades certa antipatia ao ímpeto ministerial em oferecer denúncias por crimes fiscais na pendência de processos administrativos, nunca havia firmado de forma tão clara e incisiva o seu entendimento sobre a matéria, o qual restou consolidado por três julgamentos diversos, realizados, respectivamente, nos meses de dezembro de 2003 e abril de 2004 .
A tese vencedora reflete o posicionamento quase que unânime da doutrina e demonstra um enorme avanço em defesa das liberdades públicas individuais, muito embora a administração e parte do Ministério Público ainda tenham resistência em acatá-la.
Entende-se qual a razão para tanto. Atualmente, a Receita tem utilizado as representações fiscais para fins penais como forma efetiva de pressão para o aumento da receita. O Ministério Público, ainda que por vezes inconscientemente, é utilizado de modo a aparelhar o incremento da arrecadação, já que inflamado pela defesa de suas prerrogativas funcionais não hesita em oferecer denúncias, estas muitas vezes desprovidas do mínimo suporte fático para comprovar o débito fiscal.
A Receita se apressou em demonstrar que não abrandará a atual postura intransigente publicando a Portaria nº 454/2004, na qual dispõe pela preferência nas Delegacias Fazendárias do julgamento de fatos que envolvam indícios de crime fiscal.
Num outro momento a referida Portaria até que faria sentido, eis que determina a prioridade dos processos pela gravidade das condutas, mas é certo que ao ser publicada logo após os julgados do Supremo, demonstra o total descompromisso do Governo com a tese defendida pela mais alta Corte de Justiça.
Ainda assim, com a condição de procedibilidade determinada para a viabilidade da ação penal, ganha força o argumento de que também inexiste justa causa para a instauração de inquéritos policiais sem o prévio exaurimento da discussão nos foros administrativos. Tal reflexão é nitidamente lógica. Se o Supremo reputa inexistente o crime até que seja definido o crédito tributário, como se pretender iniciar uma investigação por conduta típica que ainda não tenha se consumado no tempo?
Desta forma, o indiciamento ou qualquer outro constrangimento causado ao administrador decorrente de uma investigação iniciada ou em curso no trâmite de processo administrativo-fiscal deve ser reputada como ilegal e arbitrária.
Não se trata de impor amarras ao poder de polícia dos agentes públicos, que terão melhores e maiores subsídios para eventual investigação com a garantia de que o crédito tributário foi definitivamente constituído, mas sim de evitar-se o constrangimento desnecessário de administradores e funcionários de empresas, os quais, por vezes, são conduzidos coercitivamente a prestar declarações em Delegacias Fazendárias, e, eventualmente - nas circunscrições onde estas inexistem - em Delegacias Policiais, como se criminosos contumazes fossem, mesmo diante de uma situação na qual reconhecidamente o crime fiscal é inexistente.
Mais do que isso, a instauração de inquéritos policiais e o prosseguimento com ações penais iniciadas em situações como a que se apresenta ferem o senso de razoabilidade que deveria nortear a atuação dos agentes públicos, já que a justa causa para tanto não se efetivou, nem ao menos indiciariamente.
Além de refletir em inquéritos e ações penais em curso, pela nova orientação do Supremo também nos parece viável obter-se a anulação de sentenças que tenham sido proferidas em ações penais iniciadas no curso de processos administrativos. A razão para tanto também nos parece óbvia, posto que a nulidade decorrente de perseguição penal por crime fiscal inexistente se inicia já ao momento da denúncia. Assim, sendo a ação penal nula de início, todos os demais atos relacionados a ela também são reputados nulos.
Com a mudança de posição do mais influente Tribunal do país, certamente os agentes públicos fiscais, as autoridades policiais, o Ministério Público e os Juízes serão pressionados a rever os seus conceitos sobre o tema. Sem prejuízo, nos processos atualmente em curso - tanto administrativos quanto judiciais - deverão ocorrer questionamentos com o intuito de suspender a coação ilegal representada pela persecução penal e instauração de inquéritos policiais. Da mesma forma, deverão ser propostas medidas judiciais com o intuito de anular eventuais sentenças proferidas no curso de ações penais viciadas pela coexistência com processos administrativos.
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*Advogado da Manhães Moreira Advogados Associados
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