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Recurso do consórcio Furnas/Odebrecht salva a legitimidade da concorrência da hidrelétrica do Jirau

A interposição de recurso administrativo por parte do consórcio formado por Furnas Centrais Elétricas S.A. e Construtora Norberto Odebrecht S.A. salvou a legitimidade da concorrência pela concessão da obra e operação da hidrelétrica do Jirau contra possíveis acusações de conluio entre licitantes.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Atualizado em 1 de agosto de 2008 15:44


Recurso do consórcio Furnas/Odebrecht salva a legitimidade da concorrência da hidrelétrica do Jirau

Fábio Barbalho Leite*

A interposição de recurso administrativo por parte do consórcio formado por Furnas Centrais Elétricas S.A. e Construtora Norberto Odebrecht S.A. salvou a legitimidade da concorrência pela concessão da obra e operação da hidrelétrica do Jirau contra possíveis acusações de conluio entre licitantes.

Expliquemos.

Como é de conhecimento geral, a concessão da construção e operação da referida hidrelétrica no Rio Madeira pôs em disputa, principalmente, dois consórcios, ambos integrados por estatais do setor elétrico: um, o Consórcio Jirau Energia, formado por Furnas, pela Odebrecht, Andrade Gutierrez e Cemig; outro, Enersus, formado pelo grupo francês Suez, pela Camargo Corrêa e pelas estatais Eletrosul, Chesf. Até o presente momento, o consórcio Enersus teve sua proposta comercial classificada em primeiro lugar, mas sob a condição de uma mudança no projeto de localização da hidrelétrica do Jirau, originalmente previsto no instrumento convocatório. A mudança de projeto, centrada na alteração do local de construção da hidrelétrica, foi considerada como solução técnica que, segundo o consórcio Enersus, a um só tempo, baratearia a obra e anteciparia o cronograma de sua conclusão, logo a entrada em operação da hidrelétrica e, por conseqüência, ensejando a antecipação da venda de energia.

Sem embargo de seu mérito, a proposta calcada numa alteração do projeto original de Jirau colocou em oposição ainda mais intensa os dois consórcios licitantes, pois, é fato, ensejou ao consórcio Jirau Energia o questionamento da validade da proposta do consórcio Enersus sob argumento de que o mesmo discreparia das especificações técnicas do edital, e, por conseguinte, impediria o julgamento objetivo entre as duas propostas em disputa (isto é, se os consórcios orçaram projetos distintos, teriam ofertado, em síntese, coisas distintas, que não poderiam ser comparadas diretamente pelo só critério do preço). Sem aqui responder quem está certo nessa discussão, é fato que o consórcio Jirau Energia tem tanto legitimidade para ofertar o recurso, quanto, a princípio, um argumento que merece análise, que não pode ser tomado como absurdo a priori.

Diante desse contexto, a tentativa - inadvertida, ingênua e mesmo inocentemente - declarada em público da direção da Eletrobrás, holding estatal federal que controla tanto Furnas (integrante do consórcio Energia Jirau), quanto Chesf e Eletrosul (integrantes do consórcio Enersus), de influenciar a não oferecer recurso contra a classificação da proposta do consórcio Enersus no certame poderia muito bem ser qualificada como tentativa de promover o conluio entre licitantes, mediante influência indevida do controlador de empresas (Furnas, Eletrosul, Chesf) pertencentes a um mesmo grupo econômico (Eletrobrás). Tal prática corresponde tanto a crime (Lei nº. 8.666/93, art. 90 - clique aqui), quanto a ato de improbidade administrativa (Lei nº. 8.429/92, art. 10, VIII - clique aqui), desde que, obviamente, presente a má-fé, aqui nem sequer cogitada.

Ora, licitantes numa concorrência podem até decidir - por interesses comerciais legítimos, próprios, e que obviamente consultam sua estratégia comercial - não ofertar recursos contra decisões de comissões licitantes. A legitimidade dessa opção desaparece, porém, caso decorra de uma escolha não economicamente justificável pela ótica da licitante, mas, sim, por uma estratégia comercial de seu controlador, que estaria favorecendo outra empresa controlada sua, também presente no certame. Nessa hipótese, a omissão de recurso administrativo não refletiria uma estratégia própria da licitante, mas, sim, o uso da licitante pelo seu controlador de forma a manipular o resultado do certame.

Ao contrário, pois, de atentar contra o interesse da União, o ofertamento de recurso administrativo pelo consórcio Energia Jirau, realçando o caráter competitivo do certame, preserva a legitimidade da competição e afasta qualquer nódoa de hipótese de conluio, mancha tão desnecessária e atabalhoadamente quase impingida à concorrência pela desatenção da Eletrobrás aos marcos jurídicos próprios de uma licitação.

Em outra mão, o recurso administrativo em causa também salva Furnas de uma ação indenizatória a qual os seus consorciados teriam direito, acaso fossem prejudicados pelo não exercício de um direito (oferecimento de um recurso administrativo) por razões estranhas ao interesse próprio do consórcio. E certamente, aqui, estaríamos falando de valores indenizatórios na casa das centenas de milhões contra estatais...

Ao final, o ocorrido merece ser aproveitado para chamar a atenção do governo à necessidade de respeitar, quanto à gestão de suas estatais, as limitações inexoravelmente lhe advindas do marco normativo das licitações, bem como da vinculação e respeito aos contratos que suas estatais firmem (o que impedem que essas estatais sejam levadas a atuar em oposição aos compromissos aos quais as mesmas se vincularam mediante, por exemplo, um contrato de consorciamento).

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*Advogado-sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Advocacia

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