Política Industrial e defesa da concorrência
O Governo Federal apresentou esta semana a nova Política Industrial para incentivar o setor produtivo. Além de metas objetivas, como a elevação da taxa de investimentos de 16,5% do PIB (em 2006), para 21%, (em 2010) e aumento de gastos em P&D, serão reservados para alguns setores estratégicos - notadamente, bens de capital, saúde, energia, tecnologia da informação e biotecnologia - linhas de financiamento e isenções fiscais para alavancar a competitividade e o desenvolvimento tecnológico.
terça-feira, 29 de julho de 2008
Atualizado em 28 de julho de 2008 11:35
Política Industrial e defesa da concorrência
Mario Gomes Schapiro*
Vinicius Marques de Carvalho**
O Governo Federal apresentou esta semana a nova Política Industrial para incentivar o setor produtivo. Além de metas objetivas, como a elevação da taxa de investimentos de 16,5% do PIB (em 2006), para 21%, (em 2010) e aumento de gastos em P&D, serão reservados para alguns setores estratégicos - notadamente, bens de capital, saúde, energia, tecnologia da informação e biotecnologia - linhas de financiamento e isenções fiscais para alavancar a competitividade e o desenvolvimento tecnológico.
Sempre que a agenda de uma política industrial vem à tona, configura-se um debate ideológico sobre a capacidade e a conveniência de o Estado implementar uma política dirigida ao fomento do setor produtivo. Os argumentos contrários a esse modo de atuação sustentam-se no receio de que esta venha a suprimir a espontaneidade dos mercados, passando a determinar o vetor das operações privadas, os objetivos econômicos e os setores vencedores. Diz-se ainda que esse processo causaria um efeito contrário ao desejado: ao invés de inovação e produtividade, seriam construídos setores privilegiados pelo Estado. Por esta razão, a intervenção pública deveria limitar-se a conter os eventuais abusos do poder econômico, garantindo apenas um ambiente concorrencial. Afinal de contas, nada melhor do que a rivalidade de mercado para garantir eficiência econômica.
Entretanto, há que se ter em conta que o livre mercado apresenta falhas relevantes, que podem comprometer uma bem sucedida estratégia de desenvolvimento. Em muitos setores, em virtude da intensidade da escala de produção, dos custos elevados de investimento ou dos riscos e incertezas associados à atividade empresarial, os agentes privados são carentes de impulso governamental. Na ausência destas medidas, a falta de incentivos pode cercear o desempenho de atividades que são essenciais para a sustentabilidade do crescimento econômico do país. É justamente desta premissa que parte o desenho de uma política industrial, que nada mais é que um mecanismo de correção e fomento dos mercados.
Até o presente contexto, defensores de uma visão mais interventiva do Estado e entusiastas de uma abordagem mais liberalizante puderam apostar na incompatibilidade da defesa da concorrência com as medidas de política industrial. A história brasileira garantiu a ambos os campos uma alternância institucional. No período desenvolvimentista (1950-80), os planos de desenvolvimento, dirigidos à criação da capacidade produtiva, significaram, na prática, a exclusão de alguns setores da lógica concorrencial. Já no período inaugurado pelas reformas liberalizantes da década de 1990, o Estado se retraiu, priorizando uma postura prioritariamente defensiva. Este movimento foi sustentado por uma nova lei concorrencial (8.884/94 - clique aqui), que impulsionou o controle das fusões e aquisições.
Uma vez que o parque produtivo brasileiro já está instalado, mas ainda carente de competitividade e capacidade de inovação e que as reformas de mercado da década de 1990 produziram uma economia privada e de mercado, o desafio contemporâneo é fazer convergir estes dois mecanismos da intervenção pública: a política industrial e a defesa da concorrência.
Para tanto, é importante notar que tanto a Constituição de 1988 (clique aqui), como a legislação concorrencial tornam realizável essa tarefa. De um lado, a ordem constitucional garante a possibilidade de políticas industriais, mas limita a possibilidade do Estado subjugar a livre iniciativa. De outro, a legislação concorrencial é caracteristicamente flexível: fusões, aquisições e cooperações podem ser aprovadas pelo CADE, caso apresentem benefícios econômicos, como aumento de produtividade, desenvolvimento tecnológico ou contribuam para o desenvolvimento nacional. Notadamente, todos esses são objetivos típicos de uma política industrial.
A construção, enfim, de uma economia de mercado vigorosa justifica uma dupla e convergente atuação do Estado. Para os formuladores e gestores de políticas publicas fica o desafio de construir uma agenda política de convergência institucional. Os caminhos do direito permitem este diálogo.
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*Coordenador de pesquisas da Direito GV e coordenador de direito econômico do GVlaw
**Conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Professor de Prática Jurídica da Direito GV
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