Um novo e democrático Tribunal do Júri (I)
A partir de 1992 e após muitos anos de trabalho das comissões instauradas no âmbito do Ministério da Justiça, com o apoio da Escola Nacional da Magistratura, foi sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com os autógrafos do Ministro Tarso Genro e do Advogado Geral da União, José Antonio Dias Toffoli, a Lei n.º 11.689 de 9 de junho corrente que introduz profundas alterações no procedimento do Júri.
terça-feira, 22 de julho de 2008
Atualizado em 14 de julho de 2008 07:31
Um novo e democrático Tribunal do Júri (I)
René Ariel Dotti*
Introdução
1. A mudança do procedimento de meio século
A partir de 1992 e após muitos anos de trabalho das comissões instauradas no âmbito do Ministério da Justiça, com o apoio da Escola Nacional da Magistratura, foi sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com os autógrafos do Ministro Tarso Genro e do Advogado Geral da União, José Antonio Dias Toffoli, a Lei n.º 11.689 de 9 de junho (clique aqui) corrente que introduz profundas alterações no procedimento do Júri. Nesse tempo passaram pela Pasta de Justiça vários ministros a partir de Célio Borja (2/4/1992 a 1/10/1992) até a chegada de Tarso Genro (16/3/2007). Durante o mandato do ministro Nelson Jobim (1/1/1995 7/4/1997), e por sua iniciativa, vários projetos foram retirados do Congresso Nacional, após pareceres favoráveis da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, da Câmara dos Deputados. Não se justificava a indiferença pelo projeto relativo ao tribunal popular que perfeitamente poderia prosseguir com eventual adaptação a uma ou outra modificação legislativa, inclusive quanto à Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995 (clique aqui), referida como pretexto. Aquela iniciativa acarretou considerável perda de tempo e grave retrocesso para a causa democrática do procedimento do Júri. E provocou a lamentável demissão, por iniciativa própria, do sensível, lúcido, experiente e talentoso Ministro Sálvio de Figueiredo, presidente das Comissões de Reforma (processo civil e penal). O incidente foi por mim registrado em trabalho apresentado na XVI Conferência Nacional da OAB 1996 (Direito, Advocacia e Mudança), em Fortaleza1.
O objetivo da presente publicação é fornecer maior número de informações e breves comentários sobre o percurso do anteprojeto sobre o Júri, sua revisão e posteriores modificações, até quando, em março de 2000, retirei-me da Comissão em solidariedade do Ministro da Justiça José Carlos Dias, que se demitira voluntariamente. Sem ter recebido qualquer solicitação para sugerir nome de substituto, tomei a iniciativa de apenas lembrar à coordenadora Ada Pellegrini Grinover o nome consagrado nacionalmente de Rui Stoco que tem revelado uma notável contribuição científica sobre a matéria. Os criminalistas e demais estudiosos da vida e do funcionamento do tribunal popular conhecem a valiosa obra Teoria e Prática do Júri, de Adriano Marrey, coordenada por Alberto Silva Franco e Rui Stoco, e com a atualização doutrinária de Luiz Antonio Guimarães Marrey2 Não houvesse qualquer outra contribuição antecedente de Rui Stoco bastaria conhecer essa publicação para avalizar a presença do novo colaborador. Já em pleno e talentoso exercício na comissão, Rui Stoco elaborou magnífico artigo que vale como roteiro indispensável para conhecer um histórico do tribunal do povo, desde o seu nascimento, passando pela sua regulação com o Código de Processo do Império (1832) até o momento atual. Além disso, o seu texto analisa o projeto em fase final e as introduções que viriam modificar o sistema vigente3.
Aos profissionais do foro criminal e estudiosos do assunto, são também necessárias as leituras de "A Reforma do Código de Processo Penal Introdução", de Rômulo de Andrade Moreira4, e Código de Processo Penal Comentários aos projetos de reforma legislativa, coordenado por Eduardo Reale Ferrari5.
A nova Lei do Júri adota outras duas relevantes mudanças:
a) Elimina o obrigatório e autoritário - Recurso em Sentido Estrito (CPP, art. 581, VI) contra a decisão que absolve liminarmente o réu nos casos de exclusão do crime ou isenção de pena. (CPP, art. 411);
b) revoga o recurso do protesto por novo júri (arts. 607/608) que não se justificava mais após a revogação do Código Criminal do Império (1830) que previa pena de morte e de prisão perpétua, justificando, naquela época, uma revisão obrigatória da condenação.
Nos tempos modernos, a supressão já fora defendida por Borges da Rosa e pelo mais fervoroso defensor do Júri: o magistrado Magarinos Torres que, presidindo durante muitos anos o Conselho de Sentença do antigo Distrito Federal (RJ), averbou revisão de supérflua e inconveniente6. A proposta de eliminação do protesto por novo júri foi acolhida desde a redação do anteprojeto original. A propósito, escrevi o artigo publicado em setembro de 20067.
2. Breve retrospectiva
O presente texto procura oferecer uma retrospectiva dos esforços visando alterar setores do Código de Processo Penal e que desaguaram na redação de dezessete anteprojetos, agrupados em seis blocos, sob a responsabilidade de comissões instituídas no âmbito da Escola Nacional da Magistratura e do Ministério da Justiça. Por honrosa indicação do Professor Rogério Láuria Tucci e generosa aprovação dos demais membros da Comissão de Processo Penal, coube-me a tarefa de redigir o Anteprojeto do procedimento relativo aos feitos de competência do Tribunal do Júri.
3. Características das propostas
Antes, porém, das notas e comentários acerca da reformulação da sistemática e da mecânica do tribunal popular, é oportuna a abordagem, embora sumária, das demais propostas que durante anos foram meditadas, discutidas e aprovadas pelas comissões.
O movimento reformador do cinqüentenário Código teve a motivá-lo duas vertentes bem caracterizadas:
a) a adequação do diploma aos princípios e às regras da Constituição de 1988 (clique aqui) bem como aos sistemas contemporâneos do processo penal nos Estados democráticos de Direito;
b) a eficácia do processo como instrumento de luta contra a criminalidade e de acesso à jurisdição, depurando-o de fórmulas e termos barrocos.
Os trabalhos das comissões atenderam a uma metodologia que funcionou positivamente quanto à reforma setorial do Código de Processo Civil e cujos resultados práticos foram amplamente reconhecidos com a sucessão de leis novas nos últimos anos.
II
A reforma setorial do CPP
4. A simplificação da legislação processual
Em 30 de março de 1992, o Diário Oficial da União publicou a Portaria n.º 145, do Ministro da Justiça Célio Borja, designando o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira para, na qualidade de Presidente da Escola Nacional da Magistratura, presidir comissão de juristas encarregadas de realizar estudos e propor soluções visando à simplificação dos códigos de Processo Civil e Processo Penal.
5. A primitiva Comissão
Pela Portaria n.º 3, de 10 de junho de 1992, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira instituiu a Comissão de Juristas para promover estudos e propor soluções visando à simplificação da legislação processual penal. No mesmo ato foram designados o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro e o Doutor Sidney Agostinho Beneti (então magistrado de primeiro grau), para a coordenação e a secretaria dos trabalhos, respectivamente. Os demais membros nomeados para compor a Comissão foram: Antonio Carlos de Araújo Cintra, Antonio Carlos Nabor Areias de Bulhões, Francisco de Assis Toledo, Inocêncio Mártires Coelho, Luiz Carlos Fontes de Alencar (Ministro do STJ), Miguel Reale Júnior, Paulo José da Costa Júnior, René Ariel Dotti, Rogério Láuria Tucci e Sérgio Marcos de Moraes Pitombo.
6. As reuniões de trabalho
A primeira reunião ocorreu em Ribeirão Preto/SP, nos dias 25 e 26 de setembro de 1992. Naquela oportunidade aprovou-se uma pauta inicial consistente na revisão de setores do Código de Processo Penal que exigem mudanças para simplificar o procedimento e conceder maior eficácia ao sistema.
Um segundo encontro realizou-se na cidade de São Paulo, em 16 de abril de 1993. Aos membros da Comissão foram distribuídas as tarefas que consistiam na elaboração de esboços de anteprojetos de cada um dos capítulos do Código passíveis de reformulação.
Em Goiânia, realizou-se a terceira reunião, durante os dias 15 e 16 de maio de 1993. Para ela contribuíram, além dos integrantes da Comissão, muitos magistrados, membros do Ministério Público, advogados e professores de Direito. O evento teve o apoio do Tribunal de Justiça e da Escola da Magistratura daquele Estado. Assim como ocorreu com as sessões anteriores, os trabalhos receberam a colaboração valiosa do Juiz de Direito Luiz Flávio Gomes, então Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Na reunião de Goiânia, foram discutidos e aprovados esboços de anteprojetos sobre os seguintes assuntos, entre outros:
a) procedimento dos crimes da competência do Tribunal do Júri;
b) procedimento sumário;
c) intimação do defensor pela imprensa;
d) recursos (apelação e em sentido estrito);
e) supressão do protesto por novo Júri;
f) medidas provisórias de restrição da liberdade e restrição de outros direitos;
g) previsão de novas hipóteses de prisão preventiva;
h) Polícia Judiciária;
i) regulação do direito ao silêncio;
j) citação por edital;
k) efetivação da defesa dativa;
l) exame de corpo de delito e outras perícias;
m) suprimento da não realização do exame de corpo de delito;
n) efeitos da revelia; e
o) suspensão condicional do processo.
Os trabalhos da Comissão original se encerraram com a entrega dos textos dos anteprojetos ao Ministro da Justiça os quais foram publicados pelo DOU, de 30 de junho de 19938.
7. A Comissão de Revisão
Pela Portaria n.º 349, publicada no DOU, de 17 de setembro de 19939, o Ministro da Justiça, Maurício Corrêa, instituiu uma Comissão de Revisão dos anteprojetos já divulgados. Os membros designados foram: Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Nabor Bulhões, Aristides Junqueira de Alvarenga, Cid Flaquer Scartezzini, Edson Freire O'Dwyer, José Barcelos de Souza, Fátima Nancy Andrighi (então Desembargadora no DF), Luiz Carlos Fontes de Alencar, Luiz Vicente Cernicchiaro (Ministro do STJ), Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira, Miguel Reale Júnior, René Ariel Dotti, Rogério Láuria Tucci, Sálvio de Figueiredo Teixeira (Ministro do STJ) e Weber Martins Baptista. Também participou dos trabalhos da Comissão, o Doutor Luiz Flávio Gomes, representando o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
8. As reuniões de trabalho
A Comissão Revisora teve reuniões em Salvador, São Paulo e Belo Horizonte. Seu presidente foi o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira e a coordenação ficou sob a responsabilidade do Ministro Fontes de Alencar, diante da ausência justificada do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Contribuiu para o bom êxito dos trabalhos o Professor Luiz Luisi.
Independentemente das reuniões plenárias, foram constituídos grupos de trabalho conforme a natureza dos projetos. Para a discussão e revisão dos dispositivos relativos ao Tribunal do Júri, foi formada uma subcomissão que tive a honra de coordenar e completada pelos Doutores Antonio Nabor Bulhões, Edson Freire O'Dwyer, José Barcelos de Souza e Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira.
9. A Comissão de Sistematização
No encontro de Salvador, foi instituída pelo presidente dos trabalhos, uma Comissão de Sistematização dos vários anteprojetos a fim de lhes promover a necessária integração e corrigir eventuais problemas de forma. Para a sua composição foram designados os professores Antonio Magalhães Gomes Filho, Luiz Flávio Gomes e Rogério Láuria Tucci.
10. A reunião de São Paulo
Nos dias 14 e 15 de novembro de 1994, reuniram-se em São Paulo os membros da Comissão Revisora para ultimar a redação dos textos dos anteprojetos. A sessão matinal do dia 14 teve a participação de Procuradores e Promotores do Ministério Público paulista, sob a liderança do Procurador-Geral José Emmanuel Burle Filho. Também concorreu para os trabalhos o magistrado Antonio Carlos Mathias Coltro, representando a presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo.
A colaboração da Associação Paulista da Magistratura (Apamagis) nessa etapa da reforma foi extremamente relevante.
11. A publicação dos textos
Os textos resultantes das reuniões de Salvador (1.º-3/11/1994) e São Paulo (14-15/11/1994) foram publicados no DOU de 25 de novembro de 1994, "tendo em vista o interesse em proporcionar o seu conhecimento à comunidade jurídica e à sociedade", conforme despacho do Ministro da Justiça, Alexandre de Paula Dupeyrat Martins10.
12. Os dezessete anteprojetos
O último encontro, em São Paulo, encerrou com um saldo altamente positivo: dezesseis anteprojetos modificando substancialmente o Código de Processo Penal e um outro, alterando a Lei n.º 7.960, de 21 de dezembro de 1989 (clique aqui), tiveram suas redações definitivamente aprovadas. Foram os seguintes os Títulos de Livros, os Capítulos, as seções e os artigos do CPP objeto de alteração ou substituição:
a) autuação sumária e inquérito policial (Tit. II, do Livro I, arts. 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 12, 13, 16, 17 e 18 e o parágrafo único do art. 20);
b) livre convicção judicial e provas ilícitas (arts. 155 a 157);
c) exame de corpo de delito por um só perito, desde que oficial (art. 159);
d) inquirição direta das testemunhas pelas partes (art. 212);
e) a efetivação da defesa prévia (parágrafo único do art. 261);
f) a separação dos presos provisórios, ampliação das hipóteses de prisão preventiva, criação das medidas restritivas de liberdade (arts. 300, 312, 319, 320, 387 e 408);
g) revitalização do instituto da fiança (arts. 322, 323, 325, 326 e 350);
h) citação por edital, produção antecipada de provas e suspensão do processo e da prescrição (arts. 366, 367, 368 e 369);
i) intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente do MP pelo órgão oficial de publicação ou, não havendo, pelo escrivão, por mandado ou via postal (parágrafos acrescidos ao art. 370)11;
j) fixação, na sentença condenatória, do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração (acréscimo de um inciso ao art. 387 e de parágrafo único ao art. 63);
k) formas procedimentais (Livro II, Tit. I, Caps. I e II do Livro II e arts. 394 a 405);
l) procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri (Cap. III, do Tít. I, do Livro II e arts. 406 a 497);
m) procedimento sumário (arts. 514 e 517, suprime o Cap. V, do Tít. II do Livro II, e modifica os arts. 531 a 539);
n) suspensão condicional do processo (Cap. VII, do Tít. XX, do Livro II e arts. 549 a 555);
o) instituição do agravo em lugar do recurso em sentido estrito, dando-lhe maior eficácia e modernidade (arts. 581 a 592); e, por último,
p) novo tratamento para os embargos de declaração e embargos infringentes (arts. 619 e 620).
Quanto à reforma em leis especiais, foi aprovado o texto de um anteprojeto que modificava o art. 1º da Lei n.º 7.960, de 21 de dezembro de 1969 (regula a prisão temporária), incluía a concussão entre os crimes passíveis da medida e garantia ao preso provisório as prerrogativas da prisão especial, constantes do Dec. n.º 38.016, de 5 de outubro de 1955.
III
Os Projetos de Lei
13. A dimensão da reforma
Através das Exposições de Motivos n.ºs 605, 606, 607, 608, 609 e 610, datadas de 27 de dezembro de 1994, o Ministro da Justiça Alexandre Martins encaminhou ao Presidente da República, Itamar Franco, seis projetos de lei que reuniram todos os anteprojetos. Dois dias após, as propostas foram remetidas à secretaria da Câmara dos Deputados pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil, Henrique Eduardo Ferreira Hargreaves.
Naquela Casa Legislativa, os textos foram assim identificados:
a) Projeto de Lei n.º 4.895, de 1995 (Mensagem n.º 1.267, de 1994), "Altera o Código de Processo Penal, dando nova disposição ao inquérito policial e às formas de procedimento, e introduz a suspensão condicional do processo";
b) Projeto de Lei n.º 4.896, de 1995 (Mensagem n.º 1.268, de 199512, "Dá nova redação aos artigos 157, 159, 212, 261 e 384 do Decreto-lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal (clique aqui)";
c) Projeto de Lei n.º 4.897, de 1995 (Mensagem n.º 1.269, de 1994), "Altera os artigos 366, 367, 368, 369 e 370 do Decreto-lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal"13;
d) Projeto de Lei nº. 4.898, de 1995 (Mensagem nº. 1.270, de 1994), "Dá nova redação aos artigos 63, 300, 312, 319, 320, 322, 323, 325, 326 e 387 do Decreto-lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal";
e) Projeto de Lei nº. 4.899, de 1995 (Mensagem n.º 1.271, de 1994), "Dá nova redação aos Capítulos II e V do Título II do Livro III, e estabelece nova redação para os artigos 581 a 592, 609, 610, 619 e 620 do Decreto-lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal";
f) Projeto de Lei nº. 4.900, de 1995 (Mensagem nº. 1.272, de 1994), "Altera o Capítulo II, do Título I, do Livro II, os artigos 406 a 497, do Decreto-lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal".
14. A retirada dos projetos
Alguns projetos já haviam sido aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados e outros tinham o parecer favorável de seu relator, o Deputado Ibrahim Abi-Ackel, quando foram devolvidos ao Governo por iniciativa do Ministro da Justiça, Nelson Jobim, para (suposto) reexame.
Segundo informação prestada pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, o quadro ficou assim definido:
a) Projeto de Lei nº. 4.895/95: retirado pela Exposição de Motivos do MJ nº. 238, de 16 de maio de 1996, em face do advento da Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995 que regulou aspectos versados pelo referido disegno di legge, como a definição das infrações penais de menor potencial ofensivo, a autuação sumária, a dispensa do inquérito policial e o procedimento sumaríssimo;
b) Projeto de Lei nº. 4.896/95: retirado pela Mensagem n.º 86/96, de 29 de janeiro de 1996;
c) Projeto de Lei nº. 4.899/95: retirado pela Mensagem nº. 145/96, de 12 de abril de 1996;
d) Projeto de Lei nº. 4.900/95: retirado pela Exposição de Motivos do MJ nº. 237, de 16 de maio de 1996.
15. A carta de renúncia do coordenador das comissões
A retirada dos projetos acarretou a renúncia do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira das funções que exercia como presidente das comissões de reforma. E o fez sem qualquer ressentimento. Ao reverso, manifestou a sua esperança nos caminhos da necessária reforma do processo penal brasileiro.
Em tese apresentada na XVI Conferência Nacional dos Advogados (Fortaleza, 1.º-5/9/96), tive oportunidade de afirmar que a carta-renúncia, datada de 25 de abril de 1996,
"constitui um documento que revela a grande sensibilidade do mestre do processo, tanto pela elegância da forma como pelo civismo do conteúdo. Sou testemunha do empenho pessoal, do zelo científico e das atitudes democráticas do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira durante o tempo de labor e esperança. A ela pode ser creditado o perfil do estudioso fecundo e do perseguidor da verdade, visto por Radbruch em antológico texto dedicado ao imortal Franz von Liszt (Elegantiae Juris Criminalis): "Há pessoas que só conhecem tese e antítese, corpo e alma, natureza e espírito, realidade e valor, poder e dever, ou como quer que lhe chamem. Elas podem gabar-se de seu método puro, dos seus conceitos claros, da sua argumentação segura. Pelo contrário, aquele que, para além das antinomias. Procura, tateando, a unidade superior, não tem nenhum guia a protegê-lo contra passos errados. Mas só ele pode esperar que uma hora feliz lhe abra caminho para o ponto alto, do qual, na síntese criadora de uma concepção unitária do mundo, se superem todas as aparentes antinomias"14.
16. A lição positiva de uma experiência frustrante
O nosso país tem se caracterizado na área das reformas legislativas em matéria criminal pela descontinuidade dos projetos que são apresentados por um Governo e rejeitados por outro, além dos fenômenos da legislação de conjuntura e da legislação de pânico produzidas pelo Congresso Nacional, em momentos mais expressivos do Direito Penal simbólico. A mudança da presidência da República como também a dos ministros de Estado implica, naturalmente, na revisão de idéias e de planos de ação administrativa. No entanto, dois aspectos devem ser lamentados como saldo negativo desse fenômeno. O primeiro deles é o de que o interesse público, envolvendo determinados projetos, se opõe à orientação radicalizante que condena ao limbo os esforços e os frutos de um trabalho que conjuga órgãos da administração pública e pessoas físicas e jurídicas da comunidade (universidades, institutos, etc.) O segundo é a habitual ausência de publicações oficiais e privadas dos textos dos projetos. A importância do assunto pode ser reconhecida em função de dois acontecimentos históricos: um doméstico e outro internacional. Em 1963, o Ministério da Justiça mandou publicar, em separatas, os anteprojetos de Código Penal, Código de Processo Penal e Código das Execuções Penais, elaborados, respectivamente, por Nélson Hungria, Hélio Tornaghi e Roberto Lyra. Aqueles documentos serviram de base para inúmeras discussões científicas e acadêmicas durante os anos sessenta e setenta. Também no ano de 1963 foi divulgado o projeto Eduardo Corrêia, de reforma do Código Penal português. Após sucessivos debates - que não foram interrompidos pela mudança de Governo operada em 1974 com a chamada revolução dos cravos - Portugal teve em 1982 um novo diploma. Durante aqueles anos a comunidade nacional e estrangeira de estudiosos e trabalhadores das ciências penais dedicou atenções e esforços às propostas legislativas, amplamente divulgadas.
O fundamental nos projetos de reforma é a memória das idéias e dos princípios que os orientaram. Tal garantia somente poderá se efetivar, para o presente e o futuro, se houver medidas cautelares de conservação a exemplo dos cuidados que devem ser adotados para a preservação de determinados fatos mediante a utilização de procedimentos adequados.
Em artigo sobre a reforma do processo penal e publicado há quase 10 anos, fiz um lamento:
"Espera-se que os projetos da reforma setorial do Código de Processo Penal, deflagrada pela Escola Nacional da Magistratura e do pelo Ministério da Justiça - e com a contribuição qualificada de especialistas e profissionais do foro criminal - não tenham, como tantos outros, o destino da perda física e do esquecimento intelectual. Mas que, ao reverso, alcancem, pelo menos, o registro em publicações de órgãos públicos e de revistas especializadas. Afinal, o nosso País não se pode dar ao luxo de gastar dinheiro com reuniões de comissões e outros eventos ligados à feitura dos projetos e depois condená-los à marginalidade das coisas tidas por inúteis pelos sucessores do poder. Pensando em tudo isso, entendo que o disegno di legge para a reforma do procedimento relativo aos crimes de competência do Júri merece divulgação maior que a estampa oficial. Com efeito, além das regras já aprovadas pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o presente texto envolve comentários motivados pelo interesse no aprimoramento do sistema e pela vontade de recolher as lições da experiência em um dos mais nobres terrenos da teoria e da prática do processo criminal brasileiro"15.
IV
O projeto do novo Tribunal do Júri
17. O Anteprojeto e o Projeto
O texto do anteprojeto aprovado pelas comissões já referidas, coincide integralmente com o projeto enviado ao Congresso Nacional. A mesma distribuição das seções, a mesma ordem dos assuntos, os mesmos números e a igual redação dos dispositivos, com raras alterações como se poderá verificar pelo confronto da publicação no DOU de 25 de novembro de 199416 e os anexo ora divulgado17. Foram as seguintes as modificações introduzidas pelo projeto:
a) Art. 407: cancelamento da remissão ao art. 209;
b) Parág. único do Art. 408: nova redação;
c) Art. 412: supressão da palavra "sentença", antes da palavra "impronúncia";
d) Art. 414: cancelamento da remissão "(Código Penal, arts. 20, 21, 22, 23 e 28, § 1.º)", após a expressão "exclusão de crime";
e) Art. 417: a inversão do inciso III pelo inciso II, substituindo a expressão "acusado ausente" por "acusado revel";
f) Art. 423: cancelamento da remissão (arts. 436 a 446);
g) Art. 427: o projeto ampliou a legitimidade para requerer o desaforamento, substituindo a expressão "a requerimento do acusado" pela expressão "a requerimento das partes";
h) Inc. II do Art. 428: acréscimo da palavra "acusados" antes da palavra "presos";
i) Parág. único do Art. 429: cancelamento da remissão aos arts. 455 e 456;
j) Parág. único do Art. 442: no anteprojeto, a redação era a seguinte: "Somente será aceita escusa apresentada até o momento da chamada dos jurados e fundada em motivos relevante, devidamente comprovado";
k) Art. 445: cancelamento da remissão ("Código Penal, arts. 316, 317, 1.º e 2.º 18 e, 319)";
l) Art. 447. Substituição da expressão "Juiz de Direito" por "juiz togado";
m) Art. 448: desdobramento das hipóteses de impedimento em incisos;
n) Art. 457: substituição da palavra "de" pela palavra "do", antes do vocábulo "assistente";
o) Inc. II do art. 495: substituição da palavra "juiz" pela palavra "magistrado";
p) Inc. VII do art. 495: substituição da expressão "bem como", pelas letras "e a", antes das palavras "do defensor";
q) Incs. XIII e XIV do art. 495: fundiram-se no mesmo inciso (XIII) dois atos processuais: "o compromisso, e o interrogatório com simples referência ao termo".
18. A exposição de motivos do Ministro da Justiça
Em 29 de dezembro de 1994, o Ministro da Justiça, Alexandre de Paula Dupeyrat Martins, encaminhou ao Ministro-Chefe da Casa Civil, do Governo do Presidente Itamar Franco, Henrique Ferreira Hargreaves, solicitação para que as propostas fossem encaminhadas ao Poder Legislativo, tendo o Ministério da Casa Civil, pelo Aviso n.º 2.852, remetido ao Congresso Nacional (Câmara dos Deputados), a mensagem presidencial, de todos os projetos19.
No próximo artigo serão feitos comentários pontuais sobre a Reforma, a começar pela decisão de pronúncia. Antes, porém, será transcrita a Exposição de Motivos do então Ministro da Justiça, com suas observações. Aquele documento encerra assim:
"Estas, Senhor Presidente, são as razões das sugestões de alteração do procedimento seguido pelo tribunal do júri, destinadas a compatibilizá-lo com as exigências de celeridade e eficácia, em proveito de uma melhor prestação da justiça."
"Dada a relevância da matéria e sua repercussão na prestação jurisdicional penal, há especial interesse deste Ministério em sua rápida aprovação. Permito-me, assim, sugerir a Vossa Excelência, no caso de sua aceitação, a utilização da faculdade concedida pelo parágrafo 1.º do artigo 64 da Constituição Federal, com a remessa de mensagem ao Congresso Nacional, solicitando urgência na sua tramitação"20. (Segue)
_____________________
1 "Reforma do processo penal", Livro de Teses Tema IV Transformação dos sistemas positivos, ed. do Conselho Federal da OAB, Fortaleza, 1996, p. 677.
2 7.ª ed., revista, atualizada e ampliada, São Paulo: RT, 2000.
3 STOCO, Rui. "Tribunal do Júri e o Projeto de Reforma de 2001", em Revista Brasileira de Ciências Criminais, publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBBCrim), São Paulo: ano 9, out./dez./ 2001, p. 190/236).
4 Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 342 e s.
5 Campinas: Milenium Editora, 2003. Colaboradores: Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, Helena Regina Lobo da Costa, Heloisa Estellita, Luiz Guilherme Moreira Porto, Maria Silvia Garcia de Alcaraz Reale Ferrari e Marina Pinhão Coelho
6 Esses mestres do processo penal são referidos por espínola Filho, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1955, vol. VI, p. 217.
7 DOTTI, René Ariel. "A inutilidade do protesto por novo júri", em Boletim do IBCCrim, n.º 166, set. 2006, p.4.(8 Seção I, p. 8795 e s.
8 Seção I, p. 8795 e s.
9 Seção II, p. 5277.
10 Seção I, p. 17854 e s.
11 O Anteprojeto que acrescentava parágrafos ao art. 370 do CPP tinha a seguinte redação: "Art. 370. (...) § 1º A intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente de acusação far-se-á por publicação no órgão oficial incumbido da publicação das intimações judiciais na comarca, contendo, sob pena de nulidade, o nome do réu, salvo a intimação pessoal mediante ciência pelo escrivão; § 2º Caso não haja órgão oficial de publicação de atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, por via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo à efetivação da intimação e à sua comprovação; § 3º A intimação do órgão do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal".
12 Há evidente erro de impressão da separata, pelo Centro Gráfico do Senado Federal. O ano correto é 1994.
13 Este projeto se converteu na Lei n° 9.271, de 18 de abril de 1966 que determina a suspensão do processo, quando o réu, citado por edital não acudir a citação, bem como a suspensão do curso da prescrição, e dá outras providências.
14 Livro de Teses - Tema IV: Transformação dos sistemas positivos, ed. do Conselho Federal da OAB, Fortaleza, 1996. A passagem transcrita foi citada por Eduardo Correia, em A influência da Franz v. Liszt sobre a reforma penal portuguesa, Coimbra, 1971, nota n° 5, p. 37.
15 DOTTI, René Ariel. "A reforma do procedimento do júri - Projeto de Lei 4.900, de 1995, na coletânea, Tribunal do Júri -Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, coordenação Rogério Lauria Tucci, São Paulo: RT, 1999, p.297/298.
16 Seção I, p. 17865 e s.
17 O anexo está na seqüência do artigo "A reforma do procedimento do júri, cit." contendo a publicação integral do Projeto de Lei nº 4.900, de 1995, encaminhado pela Mensagem 1.272/94. (Tribunal do Júri, cit., p. 329/347).
18 A publicação do Anteprojeto (DOU de 25.11.94), omite a grafia dos parágrafos (§§).
19 Cronologia e tramitação quanto a esta parte, cf. a obra Código de Processo Penal- Comentários aos projetos de reforma legislativa, cit. p. 2/3.
20 Separata do Projeto de Lei n° 4.900, de 1995. (Mensagem n° 1.272/94). Publicação do Centro Gráfico do Senado Federal, Brasília (DF), 1995.
__________________
*Advogado do Escritório Professor René Dotti
_____________