Pérolas de Rosa
João Guimarães Rosa, que, por esses dias, teria completado cem anos, é tido por autor complicado, obscuro, ininteligível. Enfim, sofre com o estigma de texto "difícil". Amado pelos peritos literários, dá pavor no simples leitor.
sexta-feira, 4 de julho de 2008
Atualizado em 3 de julho de 2008 12:38
Pérolas de Rosa
Cássio Schubsky*
João Guimarães Rosa, que, por esses dias, teria completado cem anos, é tido por autor complicado, obscuro, ininteligível. Enfim, sofre com o estigma de texto "difícil". Amado pelos peritos literários, dá pavor no simples leitor.
Tenho para mim que Rosa é, acima de tudo, um provocador: espalha espinhos para esconder o perfume que seu texto exala. Brinca de esfinge, ameaçando devorar o leitor. Por trás de suas escaramuças, no entanto, esconde-se a beleza repleta de sabedoria popular, a sensibilidade filosófica do matuto. A simplicidade profunda do pensar do povo, em refletir leve e denso, instigante e agradável. O belo da palavra casado com o bonito da idéia.
Para brindar a efeméride centenária e estimular leitores medrosos, garimpei uma antologia de trechos de Grande sertão: veredas, tido por livro ilegível, impenetrável, inescrutável - como, aliás, são as próprias veredas do grande sertão... Como o leitor poderá observar, é tudo simples, cristalino, facinho por demais. Um tesouro encantado. Até criança que é esperta entende. Quando não, faz pensar. Segue, então, minha coletânea. Ofereço, de coração inchado, o meu Roseiral despetalado:
* Toda saudade é uma espécie de velhice.
* O amor, já de si, é algum arrependimento.
* Ficar calado é que é falar nos mortos.
* Viver é muito perigoso.
* Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato.
* A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.
* O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.
* Viver é um descuido prosseguido.
* Cavalo que ama o dono até respira do mesmo jeito.
* Ser chefe - por fora um pouquinho amarga; mas, por dentro, é rosinhas fôres.
* O mal e o bem estão é em quem faz; não é no efeito que dão.
* Muita coisa importante falta nome.
* Quem desconfia, fica sábio.
* A vida não é entendível.
* Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada.
*A assoprada na vaidade é a alegria que dá chama mais depressa e mais a ar.
* Sozinho sou, sendo, de sozinho careço, sempre nas estreitas horas.
* Amizade dada é amor.
* Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas no chão.
* Jagunço se rege por um modo encoberto.
* Viver perto das pessoas é sempre dificultoso, na face dos olhos.
* Toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada.
* A noite é uma grande demora.
* Dó de amizade é num sofrerzinho simples.
* A morte é para os que morrem.
* Me alegrei de estrelas.
* Lei de jagunço é o momento, o menos luxos.
* Jagunço, pelo que é, quase que nunca pensa em reto.
* Quem vai em caça, perde o que não acha.
* O bom da vida é para o cavalo, que vê capim e come.
* Cheiro de boi sempre alegria faz.
* Só o que a gente pode pensar em pé - isso é que vale.
* Jagunço amolece, quando não padece.
* Sofrimento passado é glória, é sal em cinza.
* Para ódio e amor que dói, amanhã não é consolo.
* Sertão é o sozinho.
* Sertão: é dentro da gente.
* Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
* Fevereiro é o mês mindinho.
* Obedecer é mais fácil do que entender.
* Vá se dever finezas a escorpião!
* A fé nem vê a desordem ao redor.
* Deus escritura só os livros-mestres.
* Quem bem trata gato consegue boa-sorte.
* A vantagem do valente é o silêncio do rumor.
* Quem vence, é custoso não ficar com a cara de demônio.
* Mente pouco, quem a verdade toda diz.
* Com o cansaço é que se tapa o desânimo.
* Vivendo se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.
* Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza.
* Somente com a alegria é que a gente realiza bem - mesmo até as tristes ações.
* Cobra antes de picar tem ódio algum? Não sobra momento.
* O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.
* Amor é assim - o rato que sai dum buraquinho; é um ratazão, é um tigre leão!
* Por cativa em seu destinozinho de chão é que árvore abre tantos braços.
* As coisas influentes da vida chegam assim sorrateiras, ladrazmente.
* O pássaro que se separa do outro vai voando adeus o tempo todo.
* Se teme por amor, mas, por amor, também, é que a coragem se faz.
* A vida inventa!
* Um chefe carece de saber é aquilo que ele não pergunta.
* O medo mostrado chama castigo de ira.
* O que dá fama, dá desdém.
* Tudo, nesta vida, é muito cantável.
* O dia vindo depois da noite - esse é o motivo dos passarinhos.
* A vida é um vago variado.
* Choca mal, quem sai do ninho.
* Sossego traz desejos.
* A morte de cada um já está em edital.
* Tempo é a vida da morte: imperfeição.
* A dor não pode mais do que a surpresa.
* O existir da alma é a reza.
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*Bacharel em Direito pela USP e em História pela PUC/SP, é editor e historiador