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A "corrupção eleitoral" e sua impunidade

Há tempos temos alertado sobre a necessidade de uma ampla reforma política no Brasil, de modo a encurtar o quanto possível à distância, o verdadeiro fosso abissal existente entre os representantes do povo e os representados, entre o povo e o poder político.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Atualizado em 23 de junho de 2008 14:10


A "corrupção eleitoral" e sua impunidade

Marcelo Figueiredo*

Há tempos temos alertado sobre a necessidade de uma ampla reforma política no Brasil, de modo a encurtar o quanto possível à distância, o verdadeiro fosso abissal existente entre os representantes do povo e os representados, entre o povo e o poder político.

O tradicional esquema de tripartição de poderes (ou funções) tornou-se ademais insuficiente para dar conta da complexa sociedade pós-moderna. Inúmeras organizações da sociedade civil, grupos sociais disputam e compartilham o (s) poder (es), pressionando o Estado a criar regras que satisfaçam a seus interesses e eventualmente, os da sociedade em geral.

De outro lado, a pluralidade e a diversidade dos planos e de fontes normativas hoje existentes no Estado e fora dele, fazem dos sistemas normativos complexos e intrincadas realidades multifacetadas.

Nesse contexto, se de um lado verificamos um notável desenvolvimento da informática, das tecnologias, da robótica, da ciência enfim, muito auxiliando a coleta do sufrágio (veja-se o exemplo da urna eletrônica no Brasil), diminuindo a possibilidade de fraude eleitoral, o mesmo não se pode dizer do combate efetivo à corrupção.

O Direito continua tentando disciplinar o poder, combater seu abuso, mas como na fábula do coelho (realidade) e da tartaruga (povo), àquela sempre passa a frente do povo, iludindo-o.

Ademais, o Direito tem limites e não pode sozinho dar conta desses problemas que dizem com outras ciências, como a sociologia, a antropologia humana, a política, a psicologia humana etc.

Cremos que do ângulo da legislação eleitoral, as normas que estariam para combater a corrupção eleitoral e realidades similares são extremamente "fracas" para os anunciados objetivos a que se propõem. Ou por outro ângulo, de nada adiantam leis que somente cuidam do fenômeno eleitoral quando o tema da representação política e de seu exercício abusivo está a exigir constante participação, motivação e fiscalização populares.

Afinal, se a democracia política repousa no princípio da soberania popular e na participação direta ou indireta do povo, ele deveria ser mais ouvido. No tocante a democracia direta, dois projetos de lei apresentados pela Ordem dos Advogados do Brasil no Congresso Nacional abordam o tema. O PL 4.718/04 (clique aqui), na Câmara dos Deputados, e o PL número 001, de 2006, em tramitação no Senado.

Ambos visam à regulamentação do artigo 14 da Constituição (clique aqui), que prevê mecanismos que tornem efetivas as manifestações da soberania popular.

Seria uma maneira de fazer com que os plebiscitos e referendos não dependam apenas de decisão do Legislativo, do Congresso, mas do povo. Raros são os exemplos de democracia direta no Brasil.

Recorde-se o referendo sobre a comercialização de armas de fogo (2005). Experiências como o orçamento participativo, a eleição de representantes eleitos em conselhos administrativos em empresas estatais trilham esse caminho da participação popular.

No tema da corrupção, seria muito mais prudente cuidar dos usos do que dos abusos fazendo uma verdadeira profilaxia de todos àqueles que quiserem ingressar e manter-se na vida pública com o título de "representantes do povo" em qualquer instância de poder.

Em parte, cremos a Constituição é de certo modo culpada por essa situação. Como sabemos, após mais de vinte anos de regime militar a pressão para um regime amplo de liberdades veio com toda a força na Constituinte. Talvez por isso, as normas que veiculam as franquias políticas sejam muito permissivas, o que leva na prática a uma impunidade muito grande.

Não é segredo para ninguém que existam candidatos a cargos eletivos do Legislativo ou Executivo em todos os níveis da federação brasileira disputando importantes cargos da República sem a mínima condição moral para tanto. São figuras desonestas, ímprobas e execráveis da vida política nacional.

Entretanto como os direitos políticos somente podem ser cassados, nas hipóteses descritas taxativamente no inciso I a V do artigo 15 da CF há um verdadeiro "bill de indenidade" a alforriar tais figuras que contam com a ineficiência, com a lentidão do Judiciário que leva décadas para condenar esses tipos horrorosos que povoam o nosso Brasil.

Nesse sentido o Estadão publicou em 11 de junho de 2008 a matéria "TSE aceita candidato com ficha suja". Por 4 votos a 3, Ministros concluem que políticos só podem ser barrados se condenados em última instância.

Esse tipo de interpretação favorece a impunidade e dá mais fôlego a uma visão patrimonialista da política que já deveríamos ter abandonado há tempos. E nem se diga que a legislação eleitoral cuida do assunto de forma satisfatória.

Não encontramos em nenhuma das leis que cuidam do tema uma força normativa apta a barrar a desonestidade na política. As Leis 4.737/65 (clique aqui), a Lei Complementar número 64/90 (clique aqui), as Leis 9.504/97 (clique aqui), 9.709/98 (clique aqui), 9.840/99 (clique aqui), 11.300/06 (clique aqui), estão longe de atingir a desejada probidade, mesmo na condução do processo eleitoral.

De outra parte, reiteramos, seria necessário incrementar- e muito- os mecanismos da democracia direta previstos na Constituição, mas esquecidos; hoje figuram mais como um ornamento jurídico do que uma realidade da democracia contemporânea brasileira (art. 14, incisos I, II e III da CF).

O princípio democrático, o princípio republicano e o princípio do Estado de Direito deveriam levar à invalidação de qualquer ação ou conduta que contrariasse os interesses dos titulares do poder popular - o povo.

O patrimonialismo, a corrupção são pragas que somente podem ser combatidas com a introdução da ética na política, com uma revolução pedagógica nos costumes. A população jovem deve ter uma consciência da cidadania, estimulada por exemplos e ações sociais na escola e fora dela para que aos poucos a mentalidade de "levar vantagem em tudo" possa ir se alterando e desaparecendo.

A Constituição de 1988 instalou um Estado Democrático de Direito no Brasil e com ele, era de se esperar, mecanismos de apoio ao combate efetivo da corrupção essa praga que acompanha a trajetória do Homem nas sociedades em todos os tempos.

Que princípios e normas constitucionais vêm erigir paliçadas para evitar esse mal antigo e combatê-lo de forma eficaz?

O primeiro problema diz respeito à corrupção eleitoral. A corrupção eleitoral promovida por intermédio do poder econômico consiste no exercício de meios ilícitos por alguém para eleger um candidato que vai servir a seus interesses no poder e não ao povo. Como evitá-la ou minorá-la?

A legislação parece muito débil para enfrentar essa situação. Em primeiro lugar há o controle de arrecadação de recursos. É por aí, evidentemente que passam as práticas de corrupção e de abuso do poder econômico e político. É no financiamento das campanhas eleitorais que são aportados vultuosos recursos a comprometer a igualdade de oportunidades entre os candidatos, competidores políticos. Isso em toda parte, não só em terras brasileiras.

Parece nesse contexto prudente sofisticar e fortalecer os mecanismos e os órgãos de controle de arrecadação de recursos. Os existentes sofrem dificuldades e limitações para o fiel cumprimento de seus encargos, em parte porque a regulamentação jurídica é inadequada ou o regime de sanções muito fraco.

Em síntese temos uma legislação muito preocupada com as eleições, mas como é curial o processo político em uma democracia participativa é muito mais denso e complexo do que às eleições, singela parte do todo.

Por fim gostaríamos de chamar a atenção de todos os quanto lidam no processo político brasileiro para a necessidade da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) a todos aqueles que disputem cargos públicos no Brasil.

A postura da Justiça Eleitoral a esse respeito não é alentadora pois entende que "não cabe a ela julgar eventual prática de ato de improbidade administrativa, o que deve ser apurado por intermédio de ação própria" (R.O. 725/GO TSE). O Ministério Público assim deveria agir de modo a que a ausência de ação da Justiça Eleitoral não levasse novamente a impunidade dos agentes políticos no Brasil.

Já basta a tendência do Supremo Tribunal Federal que teima em confundir crime de responsabilidade com improbidade de modo a imunizar políticos da sanção de improbidade. É preciso reverter esse quadro.

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*Sócio do escritório Marcelo Figueiredo Advogados Associados





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