Direito à vida e a pesquisa com células-tronco
O presente artigo busca clarear dúvidas a respeito da existência ou não de um antagonismo entre direito à vida e pesquisas com células-tronco. Hodiernamente há uma necessidade premente da coletividade por respostas da comunidade científica a respeito da cura e tratamento de diversas patologias causadoras de morbidade, mortalidade e prejuízo da qualidade de vida de milhões de pessoas pelo mundo.
quinta-feira, 12 de junho de 2008
Atualizado às 08:42
Direito à vida e a pesquisa com células-tronco
Cristiane Liz Baptista Ballarotte*
O presente artigo busca clarear dúvidas a respeito da existência ou não de um antagonismo entre direito à vida e pesquisas com células-tronco. Hodiernamente há uma necessidade premente da coletividade por respostas da comunidade científica a respeito da cura e tratamento de diversas patologias causadoras de morbidade, mortalidade e prejuízo da qualidade de vida de milhões de pessoas pelo mundo.
A vida representa o maior valor humano e também o mais elevado bem jurídico, tanto que é assegurado o direito à vida em nossa Carta Maior de 1988 (clique aqui), no artigo 5°, que se entrelaça ao artigo 6° (direito à saúde), ambos norteados pelo artigo 1°, princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, sendo balizador do Estado Democrático de Direito.
A dignidade da pessoa humana é elevada a status de princípio constitucional absoluto em grande parte das legislações modernas. Diversos Tratados, Pactos e Convenções Internacionais representam conquistas da humanidade, privilegiando o direito à vida, como o Pacto de San José Da Costa Rica que diz: "toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente", e a Convenção Européia De Direitos Humanos: "o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei. Ninguém poderá ser intencionalmente privado da vida, salvo em execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pena pele lei", entre outros.
Nosso Código Civil (Lei nº. 10.406 de 10 de Janeiro de 2002 - clique aqui) através de seu artigo 2°, com artigo correspondente no Código Civil de 1916, assegura os direitos do nascituro desde sua concepção e determina que a personalidade civil começa com o nascimento com vida. Em nossa Constituição Federal de 1988 não encontramos uma definição para a vida, nem em que momento esta se inicia.
Em relação ao início da vida, algumas teorias foram elaboradas pela comunidade científica:
1) que esta se inicia com a fecundação;
2) que se inicia com a nidação (fixação do óvulo ao endométrio - camada interna do útero);
3) que se inicia com o surgimento da atividade cerebral.
As divergências, atualmente acirradas, envolvendo a legalização de pesquisas com células-tronco embrionárias surgem da alegação de que a vida se iniciaria com a fecundação, e, portanto, o embrião encontrar-se-ia equiparado ao nascituro, e as pesquisas se equiparariam ao aborto.
As pesquisas com células-tronco constituem grande potencial médico-científico, pois estas possuem capacidade de multiplicar-se e diferenciar-se em tecidos do corpo humano. As células-tronco adultas são capazes de se diferenciar em vários tecidos, mas não em todos, por não conservar a mesma capacidade das células embrionárias.
São fontes de células-tronco adultas que podem ser utilizadas para fins terapêuticos, a medula óssea, sangue periférico, sangue da placenta, sangue do cordão umbilical e tecidos fetais, em casos de aborto, por exemplo, o cérebro fetal.
Estas, já são utilizadas para o tratamento da Leucemia, assim como de inúmeras doenças hematológicas, tanto que existem bancos de cordão umbilical, e há expectativa de ampliação e criação de novos bancos. Também estão em teste para tratamento de doenças cardíacas, genéticas, hepáticas, da medula espinhal, do sistema nervoso central, entre outras.
As células-tronco totipotentes, também chamadas embrionárias, podem originar qualquer um dos tecidos formadores do corpo humano, existindo até as primeiras divisões do óvulo fecundado, até o embrião atingir 32 a 64 células, o que equivale a cinco dias de desenvolvimento. Estas células representam esperança de tratamento e até de cura para inúmeras doenças graves, por sua natureza debilitante ou mesmo incapacitante, como lesões de medula espinhal, que impossibilitem a pessoa de sentir e movimentar os membros, as doenças neuromusculares, como as distrofias, e as degenerativas, como as doenças de Parkinson e de Azheimer.
As células-tronco embrionárias, por se diferenciarem nos mais variados tipos celulares em cultura, são consideradas fontes de tecidos a serem utilizados para transplantes. Sendo assim, tem-se a expectativa de tratamento para diversas patologias que dependam de tecidos ou órgãos.
As células-tronco adultas já demonstram sua capacidade terapêutica, com possibilidades concretas de expansão das pesquisas e resultados. Porém, a longo prazo, as células-tronco embrionárias, por possuírem um potencial de transformação em todas as outras células, representam uma perspectiva de obtenção de resultados muito mais significativos.
A proposta dos pesquisadores é a utilização, para pesquisas, daqueles embriões que "sobraram" dos procedimentos de fertilização in vitro, que são inviáveis, ou que estão congelados há três anos ou mais, mediante autorização dos genitores, e que serão descartados, conforme bem delimita a Lei de Biossegurança Brasileira. Estes embriões não foram utilizados por apresentarem doenças genéticas ou qualquer má formação, ou por possuírem qualidade ruim, pois somente os de boa qualidade é que serão escolhidos para a implantação no útero, mesmo possuindo uma chance não muito grande de implantação. Por isso que freqüentemente o procedimento de fertilização é repetido uma, duas, ou mais vezes, até lograr êxito. Ou serão destruídos porque o casal já teve o número de filhos que queria.
Estes embriões em via de serem descartados representam, na verdade, apenas algumas células, não tendo chance alguma de vida.
Estas pesquisas, no Brasil, ao contrário de outros países, encontrar-se-ão regidas por normas que impedem a comercialização de células germinativas (óvulo e espermatozóide), de embriões ou de órgãos, e vedam a clonagem humana, entre outras medidas protetivas à sociedade, conforme destaca a Lei de Biossegurança. (Lei n° 11.105/2005 - clique aqui).
É de fundamental importância o respeito que devemos nutrir aos embriões mantidos em laboratório, bem como manter preceitos éticos rigorosos em pesquisas que possam utilizá-los, criando novas formas de regulação em toda área que envolva este novo e promissor campo da biotecnologia.
Deve-se também considerar que caso não haja um engajamento de nosso país nos diversos tipos de terapias, assim como já aconteceu antes em outras áreas, teremos que importar essa tecnologia, a um custo social incalculável.
Também são preceitos constitucionais: a garantia do desenvolvimento nacional; a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Portanto, é natural, em um Estado laico, que os cientistas possam desenvolver seu trabalho sem interferência religiosa, e o cidadão possua o direito de usufruir, de toda a forma, de avanço científico ou tecnológico possível dentro do atual estágio de desenvolvimento humano.
Tanto a Constituição quanto nossas leis infra-constitucionais, protegem sobremaneira os portadores de necessidades especiais e os idosos. A exemplo disso, são inferidas penas mais gravosas ao autor de crime cuja vítima seja idosa ou deficiente, é garantido o acesso ao serviço público dos portadores de necessidades especiais, através de vagas a eles reservadas, entre outras inúmeras medidas que representam um progresso legislativo no sentido de justiça social, almejando a igualdade ao tratar de forma diferente os desiguais na medida de suas desigualdades.
Com o aumento da expectativa de vida no Brasil, certamente novas terapias com células-tronco adultas ou embrionárias serão muito bem recepcionadas na sociedade, sociedade esta que está cada vez mais consciente de seu direito à saúde e melhoria da qualidade de vida.
Recentemente, presenciamos o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal proposta em maio de 2005, pelo então Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles face à Lei de Biossegurança. Foram ouvidos representantes dos dois lados - a favor e contra as pesquisas - em uma audiência pública que possibilitou um exercício de Democracia e também uma oportunidade para pensarmos e repensarmos questões relevantes e impactantes para o futuro.
A data de 28 de maio de 2008 se tornou um marco histórico para o Brasil: o STF validou a Lei de Biossegurança, embora alguns votos tenham sido com restrições. "A lei respeita três primados fundamentais da República: laicidade, respeito à liberdade individual e liberdade de expressão da atividade intelectual e científica" nas palavras do ilustre Ministro Joaquim Barbosa.
Concluímos que é necessária uma ponderação de direitos e garantias constitucionais, pois, nenhum direito é absoluto. O Direito deve proporcionar uma resposta aos anseios sociais, na medida em que a sociedade é dinâmica, e novos conflitos surgem com o seu desenvolvimento.
Direito também mensura valores, quais devem prevalecer? O direito à informação igualmente é garantia constitucional. Talvez a doença mais grave seja a desinformação.
"A luta pela verdade deve ter precedência sobre todas as outras" Albert Einstein.
"A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original" Albert Einstein.
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Referências Bibliográficas
Biografia de Albert Einstein.
Brasil. Lei Federal n°. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Vade Mecum. Editora Saraiva, 5. ed. São Paulo, 2008.
Brasil. Lei Federal n°. 11.105 de 24 de Março de 2005. Lei de Biossegurança.
Zago, Marco Antônio e Covas, Dimas Tadeu. Células-Tronco: a nova fronteira da medicina. Editora Atheneu. São Paulo, 2006.
Código De Ética Médico. Resolução CFM n°. 1.246/88. Conselho Federal de Medicina, 6 ed. Brasília, 2003.
Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San Jose Da Costa Rica.
Convenção Européia de Direitos Humanos.
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*Médica e acadêmica de Direito