A responsabilidade penal da pessoa jurídica
A responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma discussão de longa data e que vem ganhando cada dia mais importância por estarmos, por um lado aprimorando nossas condutas e comportamentos, no sentido da vivencia em sociedade respeitar a cada dia mais as nossas individualidades, e por estarmos sempre preocupados com a abrangência e a influencia que os normativos legais possam ter sobre essa vivencia e nessa própria vivencia.
terça-feira, 10 de junho de 2008
Atualizado às 09:48
A responsabilidade penal da pessoa jurídica
Sebastião Marchini*
A responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma discussão de longa data e que vem ganhando cada dia mais importância por estarmos, por um lado aprimorando nossas condutas e comportamentos, no sentido da vivencia em sociedade respeitar a cada dia mais as nossas individualidades, e por estarmos sempre preocupados com a abrangência e a influencia que os normativos legais possam ter sobre essa vivencia e nessa própria vivencia.
A discussão sobre o ordenamento jurídico de uma forma em geral, tanto se faz sobre a necessidade do mesmo para inibir ações lesivas à sociedade, em detrimento das individualidades da sociedade, de valores ou integridades físicas ou não, quanto sobre as ações punitivas e correcionais a serem tomadas com a finalidade de se manter a harmonia na sociedade, garantir as individualidades que ao longo do tempo vão se buscando e principalmente para se manter a credibilidade no próprio sistema.
Logicamente que com o crescimento monstruoso do mundo corporativo na sociedade mundial, principalmente a sua importância sobre a qualidade de vida, a geração, manutenção e controle das riquezas e as atividades e comportamentos humanos a discussão sobre o que são responsabilidades e deveres desse mundo corporativo ganham força, na medida em que a forma de atuação, os valores e princípios observados e a suas atividades possam ser causas dessas transformações.
Os autores que argumentam a favor da responsabilidade penal, e podemos tomar como exemplo João Marcelo de Araújo JR. (p.74 e 75, 1995), apresentam razões que parecem não considerar o código penal por só próprio e evocam que a responsabilidade da pessoa jurídica não pode ser equiparada à responsabilidade penal tradicional baseada na culpa, na responsabilidade individual, subjetiva, mas numa responsabilidade própria das empresas, de cunho social. O mesmo autor argumenta que a pessoa jurídica age e reage através de seus órgãos e essas ações e omissões são consideradas como da própria pessoa jurídica.
Esses argumentos encontram barreiras no próprio ensinamento jurídico, eis que se a responsabilidade da pessoa jurídica não pode ser equiparada à responsabilidade da pessoa física, e essa é a responsabilidade que vemos regulada em nosso ordenamento, então a responsabilidade penal da pessoa jurídica carece de legislação, sequer foi ainda normatizada, e assim não podemos utilizar no direito penal a figura da analogia. Assim também entendemos com relação ao argumento de que a pessoal jurídica age e reage através de seus órgãos, eis que nos demais ramos do direito podemos admitir a figura da representação como algo normal, válido e corriqueiro, mas não no direito penal, pois o mínimo que teríamos que considerar é que o ato ilícito não pode ser objeto de contrato, de qualquer contrato e em qualquer ramo de direito.
Os argumentos contrários à responsabilidade penal da pessoa jurídica, e podemos emprestar os argumentos de René Ariel Dotti, indicam a violação de princípios como o da isonomia, eis que a partir da identificação da pessoa jurídica como autora responsável, os demais envolvidos, sejam como partícipes, instigadores ou cúmplices, poderiam ser beneficiados com o relaxamento dos trabalhos de investigação; do principio da humanização das sanções, pois a Constituição Federal (clique aqui) quando trata da aplicação da pena, refere-se a pessoas humanas, ressocialisação e recuperação do infrator, o que seria impossível de aplicar-se. Não podemos deixar de citar que o principio da personalização da pena também seria violado porque referir-se-ai à pessoa, a conduta da pessoa humana.
Mas outras questões de grande importância para o direito penal e para a própria teoria do crime, também seriam de alguma forma violadas ou muito dificultadas:
- O tempo do crime foi definido, pelo legislador, com base em uma ação humana, peculiar às pessoas naturais;
- No caso de administração colegiada da empresa, diretorias ou de conselhos de administração, como seriam considerados os crimes, no que se refere às formas concursais, quadrilha?
- Dificuldades com relação ao lugar do crime, pois mesmo se admitindo seja o lugar do dano, ainda haveria dificuldades com relação aos atos de execução, em função de que algumas pessoas jurídicas tenham suas diretorias e administrações em varias partes do território nacional.
Em meio a essa discussão é que o Legislador introduziu a responsabilidade penal da pessoa jurídica no Direito Brasileiro com relação aos delitos ambientais dispostos na lei nº. 9.605/98 (clique aqui). Esta lei veio a por uma pá de cal nas discussões acerca da sua introdução ou não no Brasil. Agora passaremos a discutir como será a interpretação da r. lei.
Conclusão
Em que pese à necessidade cada vez maior de se modernizar a analise dos comportamentos, dos envolvimentos e principalmente das participações e execuções de atos ilícitos, de forma a evitarmos que o aperfeiçoamento e modernização dos aparatos criminais consigam relativa impunidade, precisamos zelar para que princípios que garantam direitos individuais básicos e legítimos existentes não sejam transformados ou confundidos com velhos e inúteis paradigmas, para dessa forma serem questionados e desprezados.
A responsabilidade da pessoa jurídica é necessária e evidente, pois as empresas estão mais do que presentes em todas as partes do mundo exercem, como já dito, enorme influencia, controlam a geração de riquezas, rendas, geram necessidade de consumo de seus produtos e criam novos padrões de vida e de comportamento, mas responsabilidade civil, social, tributária, comercial, e etc..., mas com relação à responsabilidade penal temo que a legislação atualmente existente não a estivesse contemplando.
A pessoa jurídica é fundamentalmente regida por contratos, é constituída por contrato, seja formal ou tácito, onde alem das formalidades legais a respeito de seus investidores, declina a sua sede, foro atividades e finalidades, constitui administradores, gestores e funcionários através de contrato, sejam de trabalho ou de gestão, e isso a tornaria inimputável com relação a todos os atos ilícitos praticados por essas pessoas, em seu nome, pois tendo por base a nossa própria legislação, um dos requisitos para formalização de um contrato é a licitude de seu objeto, conforme podemos observar no art. 166, II e III.
A princípio essa formalidade toda baseada em contratos deveria garantir à pessoa jurídica e a toda a sociedade que ilícitos penais praticados pelas pessoas ligadas a ela estão absolutamente desvinculados de sua finalidade e objetivo que obrigatoriamente devem estar dentro da legalidade prevista no mesmo normativo.
Em seu nome nenhum ato, ação, ou omissão ilícitos podem ser praticados, pois a sociedade, sendo uma entidade abstrata, não possue capacidade de locomoção independente e nem de discernimento com relação a sentimentos próprios dos seres humanos, como vontade e intenção e a pratica de delitos não pode ser admitida por representação, a pessoa jurídica não estaria então, por si só, capacitada a comparecer a um ato processual.
Um dos maiores desafios para a justiça seria primeiro a identificação do responsável ou dos responsáveis pela determinação de se praticar o ato considerado ilícito ou que resultou em um ato ilícito e segundo seria a correta punição dessa pessoa ou grupo de pessoas, pois, como poderiam ser considerados executantes, se sempre poderiam invocar alegações que iriam desde a hierarquia, a defesa da vida da empresa, até ao estado de necessidade, sempre se referindo a motivações que envolvessem a vida e a continuidade da pessoa jurídica; em se considerando como co-réu não poderia ela promover a ação de ressarcimento contra o preposto causador do dano, posto ser a co-responsável pelo crime gerador do dever de indenizar. Faltar-lhe-ia legitimidade, pois um réu não pode promover contra o co-réu a ação de reparação de danos oriunda do fato típico, ilícito e culpável que ambos cometeram, conforme regra do art. 270 do CPP (clique aqui):
"O co-réu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público."
Para finalizar a imputação da pessoa jurídica infringe o principio da culpabilidade, um dos pilares da definição do instituto crime, em seu conceito mais determinante, pois a pena só pode ser imposta a quem agindo com dolo ou culpa cometeu um ato típico e antijurídico e o próprio juiz estariam impossibilitado de fazer o juízo de culpabilidade, pois em ambos os casos esbarramos na capacidade de conhecer entre o ilícito e o lícito do fato, a consciência da antijuridicidade, e o fato de serem esses sentimentos inerentes ao ser humano e assim considerados pela nossa constituição.
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Referências Bibliográficas:
Araújo Júnior, João Marcello. Dos crimes contra a ordem econômica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1955.
Cappelli, Silvia. Revista de Direito Ambiental n. 1, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, jan/mar 96.
Dotti, René Ariel. A incapacidade criminal da pessoa jurídica, in Cadernos de Ciências Criminais nº.11, São Paulo: Revista dos Tribunais.ps.185/207.
Jesus, Damásio E. de. Direito Penal, São Paulo:Saraiva, 1999.
Ribeiro, Lúcio Ronaldo Pereira. Da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 26, set. 1998. Disponível em: (clique aqui)
Santos, Juarez Cirino dos. Conferência proferida na inauguração do Instituto de Criminologia e Política Criminal - ICPC, em março de 2001, Curitiba, PR.
*Acadêmico de Direito