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A polêmica do antidumping na base de cálculo do ICMS

Empresa importadora paulista negociou com exportador estabelecido na China a aquisição de 200 kgs de "escovas de toucador", que recebeu a classificação fiscal 9603.29.00. Há alguns dias, ao proceder ao seu desembaraço para consumo, seu despachante foi surpreendido pela aplicação, por parte das autoridades aduaneiras, de direito antidumping específico, à razão de US$ 14,49/kg, com base na Resolução Camex 26/07.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Atualizado em 9 de junho de 2008 09:47


A polêmica do antidumping na base de cálculo do ICMS

Antonio Carlos Valim de Camargo*

Empresa importadora paulista negociou com exportador estabelecido na China a aquisição de 200 kgs de "escovas de toucador", que recebeu a classificação fiscal 9603.29.00. Há alguns dias, ao proceder ao seu desembaraço para consumo, seu despachante foi surpreendido pela aplicação, por parte das autoridades aduaneiras, de direito antidumping específico, à razão de US$ 14,49/kg, com base na Resolução Camex 26/07.

Com a finalidade de proceder cálculos relativos ao ICMS incidente na operação o despachante, diligentemente, buscou na Internet o site da Secretaria da Fazenda (clique aqui) e encontrou o Manual de Orientação ao Importador nos Termos da Portaria CAT 59/07 e ali colheu a seguinte informação sobre a composição da base de cálculo do ICMS:

"Vale ressaltar que o valor 'Outros Tributos', envolve a taxa Siscomex considerando uma média ponderada pelo valor CIF. E o valor 'Demais Despesas' envolve a multa e juros (considerando uma média ponderada pelo valor CIF) e o valor anti-dumping ou salvaguarda a recolher para cada adição."

Por medida de cautela, houve por bem o despachante encaminhar-nos o caso para estudo. Trata-se, como veremos, de mais um ponto polêmico que se soma aos existentes que resultam do entrechoque entre os institutos da legislação do ICMS e os da Legislação Aduaneira.

Com efeito, ao proceder a um profundo estudo desse assunto, constatamos, inicialmente, que a Emenda Constitucional 33/01 (clique aqui), que alterou a redação do art. 155 da Lei Magna (clique aqui), no inciso XII do § 2º, introduziu a alínea ''i'' dispondo que cabe à Lei Complementar fixar a base de cálculo do ICMS também na importação.

Para tanto a L.C. 114/02 (clique aqui), alterou o artigo 13, V alínea "e" da L.C.87/96 (clique aqui) e, neste Estado, o legislador paulista alterou o art. 24, IV da Lei nº. 6.374/89 e na esteira dessa L.C. relacionou, além do valor CIF e dos impostos I.I., IPI e I.O.F., também "quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras".

O RICMS/SP conceituou despesas aduaneiras como sendo os valores pagos à repartição alfandegária, e apontou, à guisa de exemplo, alguns poucos casos, tais como : diferenças de peso, classificação fiscal e multas por infrações (art. 37-IV, § 6º do RICMS).

Em vários Estados, entretanto, tal não ocorre. Ao contrário, não é pequeno o volume de itens listados pelas diferentes legislações como despesas aduaneiras que integram a base de cálculo do ICMS na importação.

Buscando interpretar e direcionar o assunto o CONFAZ aprovou o Convênio ICMS 7/05 baixando listagem, cujo teor, altamente discutível, não cabe discutir no momento. Vou-me ater somente aos direitos anti-dumping, não sem antes informar que o referido convênio não foi assimilado por 5 Estados, inclusive o de São Paulo e que a celeuma por ele causada foi tamanha que o CONFAZ houve por bem revogá-lo por meio do Convênio ICMS 83/05.

Apesar de incluídos na base de cálculo do ICMS pelos dispositivos revogados do supracitado Convênio ICMS 7/05, entendemos que direitos anti-dumping não poderiam ali figurar face ao que dispõe o parágrafo único do art. 1º da Lei federal 9.019/95 (clique aqui), que trata da aplicação dos Direitos Previstos no Acordo Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios.

Diz o parágrafo:

"Parágrafo único - Os direitos antidumping e os direitos compensatórios serão cobrados independentemente de quaisquer obrigações de natureza tributária relativas à importação dos produtos afetados" (gn).

Esse dispositivo foi regulamentado pelo artigo 48 Decreto federal nº. 1.602, de 23.8.95 (clique aqui), que estabelece, "verbis":

"Art. 48. Quando um direito antidumping for aplicado sobre um produto, este será cobrado, independentemente de quaisquer obrigações de natureza tributária relativas à sua importação, nos valores a cada ano, sem discriminação, sobre todas as importações do produto que tenham sido consideradas como efetuadas a preços de dumping e danosas à indústria doméstica, qualquer que seja sua procedência."

Essas disposições apontam, a nosso ver, para a característica não tributária do direito antidumping.

Vejamos o que dizem os estudiosos :

Vivian Carvalho Pimentel (Antidumping no direito brasileiro - Lei nº. 9.019/95) escreveu que o dumping manifesta-se quando "produtos de um país são introduzidos no comércio de outro país a preço inferior ao seu valor normal. Tal situação ocorre quando o preço de exportação é inferior ao preço de consumo, no mercado exportador, de produto similar, nas condições normais de comércio".

E, mais adiante, complementa aquela autora:

"A natureza jurídica dos direitos anti-dumping é de modalidade não tributária de intervenção do domínio econômico. Não se mostra compatível e correto dizer que a natureza jurídica dos direitos anti-dumping como tributária, uma vez que a própria Constituição não concilia qualquer uma das espécies tributárias previstas com a ampliação das medidas anti-dumping."

Concordamos com essa conclusão e lembramos que, de fato, é da característica do antidumping a possibilidade de sua aplicação retroativa de modo a alcançar situações pregressas.

Por essa razão Josefina Maria M.M. Guedes e Sílvia M. Pinheiros concluem:

"No que tange à retroatividade dos Direitos Anti-Dumping e das Medidas Compensatórias é hoje admitida ... pois em sendo considerado tributo, ao Direito Anti-Dumping seria vedada a possibilidade de retroagir" (in "Antidumping, Subsídios e Medidas Compensatórias". 3.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2002.) (destacamos)

Com efeito, face à sua natureza não-tributária a aplicação do anti-dumping não se submete aos princípios constitucionais da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade (Constituição Federal art. 150, incisos I; III, alíneas "a" e "b" respectivamente).

Essa orientação encontramos na seguinte decisão unânime da 2ª Câmara do 3º Conselho de Contribuintes Proc: 11128.001025/95-54 - Recurso: nº. 119324 - DRJ-Sao Paulo/SP - Relator: Luis Antonio Flora - Acórdão 302-34922 . Data da Sessão: 19/9/2001.

Ementa: Constatada a existência de dumping em regular investigação, o que se cobra é um "direito" e não um "tributo". E se esse direito é exigido para sanar dano ou ameaça de dano, ele tem caráter indenizatório, o que contraria aquela disposição constante do art. 3º do CTN que diz que "Tributo é toda prestação pecuniária que não constitua sanção de ato ilícito".

Daí a nossa conclusão de que o direito antidumping, em função das características a ele atribuídas pela Lei federal nº. 9.019/95 atrás reproduzida:

i) não tem natureza tributária;

ii) é cobrado (e pago) de forma autônoma e independente das demais obrigações tributárias

iii) pode ter caráter retroativo

iv) seu pagamento não repercute no cumprimento das demais obrigações tributárias

v) não integra a base de cálculo dos tributos incidentes na importação, inclusive o ICMS.

Como conseqüência, concluímos que está incorreta a informação contida no referido "site" da Secretaria da Fazenda, que manda inclui o antidumping na base de cálculo do ICMS incidente na importação e recomendamos ao importador a impetração de Mandado de Segurança.

A propósito da referência à salvaguarda contida naquele "site", ressalte-se que essa cobrança tem natureza diferente do antidumping. Enquanto este é uma punição que resulta da prática de "dumping" por certa nação exportadora, a salvaguarda é uma reação a valores exorbitantes praticados por determinado exportador em operação contratada por importador brasileiro.

Trata-se, na realidade, de um adicional ao Imposto de Importação, e, em razão de sua natureza tributária, quando aplicada, integra a base de cálculo do ICMS incidente na importação.

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*Fiscal de Rendas aposentado da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e sócio-diretor de Valim de Camargo Advocacia





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