Blackberry, vício e sociabilidade
Reconheço a grande utilidade que celulares e blackberries (bb) apresentam.
quarta-feira, 7 de maio de 2008
Atualizado em 6 de maio de 2008 10:57
Blackberry, vício e sociabilidade
Domingos Refinetti*
Reconheço a grande utilidade que celulares e blackberries (bb) apresentam.
Todavia, utilizo os primeiros com relutância e refugo quanto ao emprego dos segundos.
Estudei, há alguns anos, por dever de ofício, o conceito de vício (pelo menos, o que vigorava à época).
Estou convencido de que a grande maioria dos usuários de ambos os aparelhos seria considerada viciada e, francamente, com a devida vênia e guardadas as devidas proporções, não acho isso, nem saudável e nem comportamentalmente correto.
A síndrome de abstinência nesses pacientes é evidente.
Basta pegar um avião ou dele desembarcar.
Ao embarcar, fala-se ao celular e digita-se no bb até o último momento, não sendo raro notar-se um passageiro que, com o avião a taxiar, desdobra-se em suas últimas (e parecem, mesmo, as derradeiras) palavras ou letras, escondendo-se da vigilância dos atendentes de bordo.
Ao desembarcar, diria-se que o finger é o detentor da maior densidade de celulares/bb por metro quadrado no mundo, como se aqueles minutos ou, mesmo, horas, longe do inseparável amigo fossem a coisa mais insuportável, a saudade mais avassaladora que já existiu.
Foi-se o tempo em que o fumante era o sofredor mor das viagens aéreas; nem o mais encarniçado deles todos tem coragem de comparar a falta que o cigarro lhe faz, ao lado da angústia da separação de seu fiel escudeiro eletrônico.
Não conheço nenhum adicto que, tendo sussurrado uma palavra ao celular ou digitado uma letra, sequer, no seu bb, tenha, de outro lado, se contentado com essa parca experiência.
De fato, o que se nota é a utilização, cada vez mais incessante e ininterrupta, desses aparelhos, a partir desse ato primordial; dir-se-ia que a tendência é a sua utilização, por todo o mundo, todos os dias, 24 horas.
Tampouco esses usuários conseguem resistir às inovações da técnica: se não estiverem usando o mais recente e avançado exemplar existente, seguramente há algo de podre no reino da Dinamarca.
E, mais do que isso: devem ser manipulados concomitantemente, pois já não se utiliza um ou outro, mas ambos, cada qual com a sua especificidade e uso, a fim de não perder, por um segundo ou por um milímetro, todas as infinitas combinações que, em conjunto, podem permitir.
Devo admitir, todavia, que um é pouco, dois é bom, três é demais, porquanto, a essas duas âncoras de salvação, parece inexorável fazer aderir, também, aquele telefone via rádio, que clica alto e fala mais alto ainda, se, por acaso, alguém ou alguma coisa dos dois primeiros escapar (nunca se sabe).
Ora, mas o vício é, também, uma excelente companhia.
Não há mais pessoas sozinhas, em lugar algum: todas estão conversando eletronicamente com alguém, digitando para alguém, quando a relação não é com as próprias teclas dos aparelhos.
Adeus o velho copo de uísque, a velha bituca de cigarro, o cachimbo vazio ou o charuto apagado.
O novo "piques", salvador, é o aparelhinho, que, ademais, tem a vantagem de não falar, e de não responder, a não ser quando acionado e de servir de ótimo pretexto para se olhar, fixamente, para uma tela, somente para uma tela, a salvo de olhares estranhos, de ruídos indesejáveis e de aproximações perigosas.
O mundo todo seu, particular, inexpugnável.
E que grande utilidade em reuniões, jantares, convescotes, agrupamentos, enfim.
Nada como deixar o interlocutor falando sozinho, para uma turma de supostos ouvintes, todos firmemente concentrados nas suas telinhas, nos seus teclados, nas mensagens meteóricas, nos seus torpedos irrecusáveis, nesses contatos de primeiro grau, tão fugazes, quanto superficiais.
Aliás, mesmo a dois, por quê perder tempo, prestar atenção ou dedicar atenção ao seu companheiro?
Não é muito mais emocionante, enriquecedor e proveitoso que cada um, sentados, um diante do outro, dediquem-se a doar seu escasso tempo para essas maquininhas tão tenras, tão ternas, tão mais recompensadoras que o contato humano, essa coisa tão arcaica, tão velha, tão sem novidade como o pobre ser que, por ele, contato humano, deveria ansiar?
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*Advogado do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados
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