Boi Gordo: Aspectos temporais do projeto da nova Lei de Falências e Recuperação Judicial
A falência da Boi Gordo é, sem sombra de dúvidas, um desastre financeiro de proporções únicas no Brasil. O passivo da companhia, corrigido, é superior a R$ 1.2 bilhão de reais e sua falência atingiu mais de 30.000 pessoas, muitas delas pequenos poupadores.
sexta-feira, 30 de julho de 2004
Atualizado em 29 de julho de 2004 10:32
Boi Gordo: Aspectos temporais do projeto da nova Lei de Falências e Recuperação Judicial
Marcelo Thiollier*
A falência da Boi Gordo é, sem sombra de dúvidas, um desastre financeiro de proporções únicas no Brasil. O passivo da companhia, corrigido, é superior a R$ 1.2 bilhão de reais e sua falência atingiu mais de 30.000 pessoas, muitas delas pequenos poupadores.
Hoje, esses 30.000 poupadores estão presos a um processo de falência, em curso na 1ª. Vara Civel da Comarca de São Paulo, depois de terem amargado mais de 2 anos para ver o desvendar de uma questão processual de competência, que acabou por definir o Foro de São Paulo para processar a questão.
Muitos desses credores têm manifestado a esperança que, de certa forma, a nova lei de falências e recuperação judicial (PL 71/2003; nº 4.376, de 1993, na Casa de origiem) trará algum benefício a esses 30.000 lesados.
Tudo leva a crer que isso não ocorrerá.
Todas as emendas propostas para, mesmo que marginal e temporariamente, fossem as falências em curso absorvidas à nova sistemática legal, ou permitissem uma transitoriedade entre os dois sistemas, foram rejeitadas pelo plenário do Senado Federal.
Assim ocorreu com as emendas nºs 32, 37, 38 e 59, de autoria dos Senador Maguito Vilela (PMDB) e a emenda nº 33, de autoria do Senador Arthur Virgílio (PSDB); todas elas que, de alguma forma, visavam criar um vínculo entre a sistemática da lei velha e a lei nova, foram afastadas.
Mais além, a emenda nº 60, de autoria do Senador Maguito Vilela (PMDB), que trata de vedar a concessão de concordata suspensiva nas falências em curso, instrumento utilizado pelas empresas falidas - do presente regime legal - para reverter o estado falimentar, foi incorporada ao projeto de lei (§ 1º, do art. 192); ou seja, ficará expressamente vedada a concessão de concordata suspensiva às falências atualmente sendo processadas no Judiciário.
"Repetimos que não é conveniente misturar as regras da atual lei de falências com os procedimentos do novo regime falimentar proposto, em razão de possível inconsistência entre eles", diz o Senador Ramez Tebet (PMDB), em seu relatório.
E mais. A nova redação dada ao § 1º, do art. 192, do projeto de lei, autoriza ser promovida a imediata alienação dos bens da massa falida, nas falências em trâmite, assim que concluída a arrecadação independentemente da formação do quadro geral de credores ou da conclusão de qualquer inquérito criminal.
Não obstante o caput do art. 192 do projeto deixar claro que a nova lei não se aplica aos processos de falência e concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência e que estes deverão ser concluídos nos termos do Decreto-Lei nº 7.661/45 (a lei atual de falências e concordatas), o Senado Federal procurou criar normas saneadoras de interpretações que pudessem levar à conclusão que certos procedimentos ou medidas previstos atualmente pudessem ser invocados no regime novo.
Dessa forma, o legislador deixa clara a sua intenção de seccionar de vez, pelo menos até onde constitucionalmente permitido, o regime atual falimentar do novo regime legal por vir.
Os credores da Boi Gordo, desta feita, terão basicamente dois caminhos, ambos extremos, quando da entrada em vigor da nova lei, 120 dias após a sua publicação.
Unirem-se para, com o voto de 2/3 dos créditos, formarem uma sociedade de credores que assumirá os negócios do falido (art. 123 LF) - operação factível econômica e financeiramente, uma vez que os créditos privilegiados não chegam à 10% do passivo e há real interesse do mercado no desenvolvimento agrícola das terras que constituem esse negócio -, ou invocarem de vez e logo e incontinênti o § 1º, do art. 192 do projeto, que então será a lei vigente, e exigirem a alienação imediata dos ativos da companhia assim que concluída a arrecadação dos bens da Boi Gordo.
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* Sócio de Rosenberg & Associados
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