Depositário infiel: TST confirma prisão extinta no século V antes de Cristo (V a.C.)
O Supremo Tribunal Federal, no RE 466.343-SP, já praticamente decidiu o fim da prisão civil do depositário infiel. Até agora o placar está oito votos a zero (pelo fim dessa abominável forma de prisão). O oitavo voto (antológico, imperdível) foi lido no dia 12.03.08, pelo Min. Celso de Mello, no Plenário do STF (HC 87.585-TO assim como RE 466.343-SP). O Min. Celso de Mello reconheceu mais que a supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos (tese brilhante de Gilmar Mendes): sustentou o valor constitucional desses tratados (sobre o tema cf. GOMES, L.F., Estado constitucional de direito e a nova pirâmide jurídica, São Paulo: Premier, 2008, p. 30 e ss.).
quinta-feira, 24 de abril de 2008
Atualizado em 23 de abril de 2008 13:06
Depositário infiel: TST confirma prisão extinta no século V antes de Cristo (V a.C.)
Luiz Flávio Gomes*
O Supremo Tribunal Federal, no RE 466.343-SP, já praticamente decidiu o fim da prisão civil do depositário infiel. Até agora o placar está oito votos a zero (pelo fim dessa abominável forma de prisão). O oitavo voto (antológico, imperdível) foi lido no dia 12.3.08, pelo Min. Celso de Mello, no Plenário do STF (HC 87.585-TO assim como RE 466.343-SP). O Min. Celso de Mello reconheceu mais que a supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos (tese brilhante de Gilmar Mendes): sustentou o valor constitucional desses tratados (sobre o tema cf. GOMES, L.F., Estado constitucional de direito e a nova pirâmide jurídica, São Paulo: Premier, 2008, p. 30 e ss.).
Apesar desse posicionamento do STF, a Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2), do Tribunal Superior do Trabalho, ratificou (em 24.3.08) a decretação da prisão civil de um depositário infiel (ROHC-2015/2007-000-04-00.5).
A mim a confirmação do TST pareceu inusitada. Consultei então o Mestre Daboaterrabrasilis que, apesar de muito sábio, ainda é pouco famoso no Brasil (abrindo-se um breve parêntesis: o referido Mestre é habitante desta Terra há cerca de 8 mil anos; é contemporâneo da Luzia, a "múmia" mais antiga, encontrada em Goiás, que se encontra no Museu Nacional do Rio de Janeiro). Apesar da sua longevidade, continua com uma memória incrível.
Considerando-se que a SDI-2 entendeu que a prisão, nesse caso, não se caracteriza como pena, mas como meio de coação, a fim de obrigar o depositário a cumprir a determinação judicial, indaguei ao Mestre se isso tudo já não tinha sido extinto já no Império Romano. A resposta foi afirmativa. Perguntei-lhe, em seguida, onde poderia ler alguma coisa sobre isso. Ele respondeu: no voto antológico do Min. Celso de Mello (RE 466.343-SP). Fui verificar e lá estava:
"Nesse contexto, o tema da prisão civil por dívida, analisado na perspectiva dos documentos internacionais, especialmente na dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, assume significativa importância no plano jurídico, pois estimula reflexão a propósito de uma clara tendência que se vem registrando no sentido da abolição desse instrumento de coerção processual, que constitui resquício de uma prática extinta, já na Roma republicana, desde o advento, no século V A.C., da "Lex Poetelia Papiria", saudada, então, enquanto marco divisor entre dois períodos históricos, como representando a "aurora dos novos tempos".
- Mestre: essa "aurora dos novos tempos" foi então proclamada há 26 séculos?
- Sim. É isso mesmo.
- Mas algum doutrinador brasileiro já registrou isso?
- Sim. Consulte mais uma vez o voto do Min. Celso de Mello:
"Vale referir, a esse respeito, a valiosa lição de Alfredo Buzaid("Do Concurso de Credores no Processo de Execução", p. 43/44, item n. 3, e p. 53, item n. 10, 1952, Saraiva):
"No período das 'legis actiones', a execução se processava normalmente contra a pessoa do devedor, através da 'legis actio per manus injectionem'. Confessada a dívida, ou julgada a ação, cabia a execução trinta dias depois, sendo concedido êsse prazo a fim de o devedor poder pagar o débito. Se êste não fôsse solvido, o exeqüente lançava as mãos sôbre o devedor e o conduzia a juízo. Se o executado não satisfizesse o julgado e se ninguém comparecesse para afiançá-lo, o exeqüente o levava consigo, amarrando-o com uma corda, ou algemando-lhe os pés. A pessoa do devedor era adjudicada ao credor e reduzida a cárcere privado durante sessenta dias. Se o devedor não se mantivesse à sua custa, o credor lhe daria diàriamente algumas libras de pão. Durante a prisão era levado a três feiras sucessivas e aí apregoado o crédito. Se ninguém o solvesse, era aplicada ao devedor a pena capital, podendo o exeqüente matá-lo, ou vendê-lo 'trans Tiberim'. Havendo pluralidade de credores, podia o executado na terceira feira ser retalhado; se fôsse cortado a mais ou a menos, isso não seria considerado fraude.
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O extremo rigor do primitivo processo civil romano não perdurou largo tempo. Fez-se logo sentir a necessidade de uma reforma. Em 428, ou 441, foi publicada a 'Lex Poetelia': seu objetivo foi, por um lado, fortalecer a intervenção do juiz. Assim foi abolida a faculdade de matar o devedor insolvente, de vendê-lo como escravo, ou de detê-lo na cadeia, bem como proibido o uso da 'manus injectio' contra o devedor não 'confessus', nem 'judicatus'. Tornava-se indispensável a intervenção do magistrado mesmo quando o devedor se tivesse obrigado pelas formas solenes do 'nexum'." (grifei)
- Mestre: depois de tudo isso, existe ainda algum magistrado na sua zona geográfica que impõe prisão civil por dívida ao depositário infiel?
- Sim, os que ainda não leram os votos dos Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello (assim como dos demais Ministros do STF que já votaram no RE 466.343-SP).
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*Fundador e Coordenador Geral da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
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