Os gastos públicos
O argumento de que os gastos públicos devem ser preservados em nome da segurança nacional nos remete ao período da ditadura.
sexta-feira, 28 de março de 2008
Atualizado em 26 de março de 2008 07:57
Os gastos públicos
Otacílio Ferraz Felisardo*
O argumento de que os gastos públicos devem ser preservados em nome da segurança nacional nos remete ao período da ditadura.
A segurança nacional sempre foi analisada sob dois enfoques: uma conceituação legal e uma conceituação doutrinária.
Conceituação Legal - A Constituição da República (Emenda Constitucional n°.1, de 1969 clique aqui) mencionava várias vezes a segurança nacional, mas em nenhum dispositivo nos fornecia o seu conceito, contentando-se em declarar que toda pessoa, natural ou jurídica, é responsável por ela, nos limites definidos em lei (art. 86) e em esclarecer que Conselho de Segurança Nacional é o órgão incumbido da formulação e execução da política de segurança nacional (art. 87), indicando a composição desse órgão (art. 88) e sua competência (art. 89).
Somente o Decreto-Lei n°. 898, de 29.8.1969 (clique aqui), definia os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social:
Conceituação Doutrinária - A conceituação doutrinária de segurança nacional vem basicamente de estudos da Escola Superior de Guerra, através de seus dirigentes e do Corpo Permanente de Professores. O inegável é que essa doutrina é uma formulação das Forças Armadas, consideradas pela Constituição da República - essenciais à execução da polícia de segurança nacional e destinadas à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem (art. 91).
Em entrevista publicada no jornal O Estado de S. Paulo, terça-feira, 12 de fevereiro de 2008, o Ministro mais antigo do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, comparou a atitude do governo de invocar "razões de segurança nacional" para proibir a divulgação dos gastos pessoais do Presidente da República e de seus familiares a práticas da ditadura militar que, sob o mesmo argumento justificava a "opressão intolerável do Estado sobre os direitos dos cidadão."
De fato, a ressurreição do conceito de "segurança nacional" causa surpresa e preocupação.
Surpresa por que tal posicionamento não se esperava de um governo considerado de "esquerda" que, na militância política e especialmente sindical, sofreu os efeitos do poder ditatorial.
Em nome da "segurança nacional", suprimiram a liberdade do cidadão, censuraram a imprensa, perseguiram opositores, prenderam e torturaram.
Agora, aqueles que se opuseram a tais violações de direitos, invocam o mesmo conceito para ocultar, legitimar atos de improbidade administrativa.
No regime democrático, a imprensa é livre e o cidadão não se sente intimidado em criticar abusos praticados com cartões de crédito corporativo.
A segurança nacional deve ser entendida em situações extremas, de risco e perigo para o país e sua população.
Não há dúvidas de que compras em lojas do Pão de Açúcar, no açougue Reisman, no mercadinho La Palma, na padaria Cirandinha, na peixaria Golfinho, com o cartão corporativo, não caracterizam situações de extremo perigo, colocando em risco a segurança do país e sua população.
Quem ocupa um cargo público tem o dever, a obrigação de explicar como gasta o dinheiro que a população lhe entrega pagando impostos.
Celso de Mello menciona na entrevista o jurista italiano Norberto Bobbio: "O que caracteriza e qualifica o caráter democrático de um regime político é a sua plena exposição aos atos de controle social. O regime democrático nada mais é do que a prática do poder público em público."
A publicidade dos gastos públicos está bem definida no artigo 37, da Constituição da República. Governos que não seguem o preceito estão na ilegalidade. Os que seguem, cumprem a lei.
Ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, caberá, a final, decidir sobre a obrigatoriedade de divulgação e prestação de contas do gasto feito com dinheiro público.
Com certeza, pelas palavras do Ministro, a malversação do erário público não pode ser confundida com "segurança nacional".
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*Desembargador do TJ/SP. Professor Titular de Civil II da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo
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