Prisão civil do depositário infiel e a "mundialização" do Direito Constitucional brasileiro
A prisão do depositário infiel está perto do fim. É o assunto publicado nas revistas e jornais especializados do país, "in verbis": "O Supremo Tribunal Federal caminha para permitir a prisão civil apenas para o devedor de pensão alimentícia. Já são oito votos a favor dessa posição. Os ministros não definiram a questão nesta quarta-feira (12/3) por conta de pedido de vista do ministro Menezes Direito.
quarta-feira, 19 de março de 2008
Atualizado em 18 de março de 2008 09:49
Prisão civil do depositário infiel e a "mundialização" do Direito Constitucional brasileiro
Márcio Mateus Barbosa Júnior*
A prisão do depositário infiel está perto do fim. É o assunto publicado nas revistas e jornais especializados do país, "in verbis":
"O Supremo Tribunal Federal caminha para permitir a prisão civil apenas para o devedor de pensão alimentícia. Já são oito votos a favor dessa posição. Os ministros não definiram a questão nesta quarta-feira (12.3) por conta de pedido de vista do ministro Menezes Direito. O entendimento está sendo firmado em três recursos que julgam se o devedor em alienação fiduciária pode ser equiparado ao depositário infiel. Para este último, há previsão constitucional de prisão civil, assim como para o devedor de pensão alimentícia. No entanto, há tratados internacionais que permitem a prisão civil apenas em caso de inadimplência de pensão alimentícia. Os ministros discutem, agora, qual a hierarquia desses tratados." (Consultor Jurídico, 12/3/08).
Em seu voto, o ministro Celso de Mello (clique aqui) citou e seguiu os votos que o Ministro Marco Aurélio já outrora havia pronunciado contra a prisão do depositário infiel.
Os principais alicerces jurídicos indicados são o Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992, que proíbe a prisão civil por dívida, excetuada a do devedor de pensão alimentícia, bem como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, patrocinado em 1966 pela Organização das Nações Unidas, ao qual o Brasil aderiu em 1990, que em seu artigo 11 dispõe que "Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual".
Ademais, invocou-se o disposto no artigo 4º, inciso II, da Constituição Federal (clique aqui), que estabelece a prevalência dos direitos humanos como princípio nas suas relações internacionais, para defender a tese de que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, mesmo os firmados antes do advento da Constituição de 1988, devem ter o mesmo status dos dispositivos inscritos na Constituição Federal, desde que não contrários ao texto maior.
No entanto, essa não era a posição da Corte Maior. A Emenda Constitucional 45/04 (clique aqui) acrescentou o parágrafo 3º ao artigo 5º da Constituição para dispor que esse status (a equiparação a dispositivo constitucional) somente será alcançado se o Congresso Nacional ratificar o respectivo tratado ou convenção, por votação em dois turnos, com maioria de dois terços.
Sabido é que o sistema constitucional brasileiro não consagra o princípio do efeito direto e nem o postulado da aplicabilidade imediata dos tratados ou convenções internacionais. Pelo contrário, dependerá de uma sucessão causal e ordenada de atos:
(a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções;
(b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento;
(c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica:
(1) publicação oficial do texto do tratado e
(2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.
Assim, os tratados ou convenções internacionais formalmente incorporados ao ordenamento nacional situam-se nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade.
Igualmente, oportuno lembrar que o primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional público.
Deste modo, tudo nos leva a crer que nosso Tribunal máximo estará a contrariar o critério da solução de eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais por ele mesmo firmado ao longo da história, conferindo a supremacia das normas internacionais sobre a Constituição (= supraconstitucionalidade).
Em ligeira síntese, nada podemos concluir, senão que o efeito de aplicabilidade da "mundialização do direito constitucional" sobre ordenamento pátrio!
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Referências:
MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. 2004. vol. 1.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 7. ed. Saraiva, 1998.
SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. Atlas, 2002. vol. 1.
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*Professor universitário e sócio do escritório Mirian Gontijo e Advogados Associados
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