O abuso da aplicação do CPC no processo do trabalho
A história do direito processual do trabalho, bem como a do direito do trabalho em si, é fundamentalmente a luta incessante por independência e reconhecimento de sua não vinculação a nenhum outro ramo do direito, sendo deste modo eles próprios - direito e processo do trabalho - dotados de autonomia e auto regulação.
quarta-feira, 19 de março de 2008
Atualizado em 18 de março de 2008 09:37
O abuso da aplicação do CPC no processo do trabalho
Vítor Hugo Nogueira*
A história do direito processual do trabalho, bem como a do direito do trabalho em si, é fundamentalmente a luta incessante por independência e reconhecimento de sua não vinculação a nenhum outro ramo do direito, sendo deste modo eles próprios - direito e processo do trabalho - dotados de autonomia e auto regulação.
Em que pese o superado condão da teoria monista, a esmagadora maioria da doutrina pátria reconhece o direito do trabalho como ciência autônoma, fundamentando-se no fato de existir vasta matéria a ponto de merecer um estudo conjunto, adequado e particular, além de contar com a existência de princípios próprios e institutos peculiares1.
Porém, por ser o direito laboral conceitualmente recente, os reflexos materiais da referida autonomia encontram-se ainda opacos. Exemplo mor desta "confusão" é o fato de não existir, como nos ramos mais maduros do direito, uma codificação reguladora do direito material e outra do direito processual, tendo que no presente coexistir em uma mesma consolidação normas que dizem o direito e normas referentes à sua aplicação.
Devido ao caráter transitório da consolidação em tela, caráter este explicitado pelo ilustre ministro Alexandre Marcondes Filho quando da exposição dos motivos da CLT2 (clique aqui), foi incluído no texto legal o artigo 769 que autoriza a utilização subsidiária do direito processual comum - com ressalvas taxativas - como fonte ao direito processual do trabalho, devendo ser aplicada tal medida em casos muito particulares.
Ocorre, porém, que a lenta progressão evolutiva do processo do trabalho - com normas editadas em 1943 - em paralelo com a rápida e eficiente mutação do processo civil - que em 1973 sofreu uma completa alteração sendo o então vigente código regularmente reformado - fez com que o dispositivo supra mencionado servisse de fundamentação a aplicação da vontade de advogados e magistrados com pretensões e entendimentos contrários aos emanados nos dispositivos encontrados no título X da Consolidação das Lei do Trabalho. É como se o artigo 769 atuasse de forma análoga a um solvente frente às normas processuais da CLT, para que por cima delas sejam pintadas normas do processo civil que mais se amoldem à conveniência do pintor.
Tal conduta não encontra amparo legal, visto que a ocorrência do mencionado artigo só se justifica nos casos em que a matéria suscitada não se encontra presente nas seções e capítulos do título X da presente consolidação, e não em função de serem estas defasadas a realidade das relações laborais contemporâneas ou qualquer outro nobre motivo que se faça presente.
Na esteira das grandes mudanças ocorridas no processo civil, após a denominada "reforma", surgiu também a discussão acerca da aplicação destas no direito processual do trabalho. A cada nova mudança uma nova discussão. A cada nova discussão a barreira da autonomia do direito do trabalho, e seu processo, impedindo a aplicação de tais mudanças.
Imperioso se faz ressaltar que as normas do processo civil germinam em um ambiente em que as relações reguladas são, via de regra, conflitos individuais, não sendo pensadas para atuação no direito do trabalho que é por excelência um direito social, protecionista e com peculiaridades próprias que não encontram par nas relações civilistas.
Por tudo isto é necessário que se pondere a aplicação do CPC (clique aqui), no direito laboral e resguarde-o aos casos extremos e particulares, freando deste modo o abuso na utilização do referido código, trazendo à consciência coletiva dos aplicadores do direito a importância da necessidade de se dar continuidade ao processo evolutivo do direito do trabalho respeitando sua autonomia e as conquistas conseguidas ao longo de sua história, e não utilizar o artigo 769 como atalho alternativo ao difícil mais necessário trabalho de modernização e adequação do mesmo aos novos tempos.
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1MARTINS, Sergio Pinto, Direito Processual do Trabalho, 22ª ed, Atlas, 2004, p 53.
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*Advogado associado à Apoio Jurídico Rio São Paulo
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