A Lei da utopia
Você entrará num avião pilotado por um sujeito com não mais do que seis meses de experiência de vôo. Ou, quem sabe, se submeterá à cirurgia em mãos de algum cirurgião com no máximo um semestre de manuseio do bisturi. Tudo em prol da absorção de mão-de-obra inexperiente, ou pouco experiente, pelo mercado de trabalho, em detrimento dos seus direitos de passageiro ou de paciente.
terça-feira, 18 de março de 2008
Atualizado em 17 de março de 2008 09:20
A Lei da utopia
Mário Gonçalves Júnior*
Você entrará num avião pilotado por um sujeito com não mais do que seis meses de experiência de vôo. Ou, quem sabe, se submeterá à cirurgia em mãos de algum cirurgião com no máximo um semestre de manuseio do bisturi. Tudo em prol da absorção de mão-de-obra inexperiente, ou pouco experiente, pelo mercado de trabalho, em detrimento dos seus direitos de passageiro ou de paciente.
É isto o que se pretende com a vigência, a partir de agora, da Lei n°. 11.644 (clique aqui), publicada no Diário Oficial da União de 11.3.08:
"Art. 1º A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (clique aqui), aprovada pelo Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 442-A:
"Art. 442-A. Para fins de contratação, o empregador não exigirá do candidato a emprego comprovação de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de atividade."
É evidente que se trata de uma lei inócua, que será prontamente ignorada pelas leis naturais do mercado. Trata-se de mais uma utopia delirante dos que ainda sonham com um Direito do Trabalho mais marxista. Enquanto se discute na pauta do Executivo e na do Congresso Nacional a necessidade de uma reforma trabalhista e sindical, apesar de inócua, esta lei é reveladora de preocupante visão, distorcida porém reinante (do contrário não se tornaria lei), desses foros políticos.
Talvez seja um rescaldo da frustração do programa Primeiro Emprego do Governo Federal, para "estimular" a entrada dos jovens no mercado formal de emprego. Mas é evidente que proibir que se exija ostensivamente experiência superior a seis meses não terá esse resultado na prática. Não será uma lei ou um decreto que ceifarão as necessidades imperiosas do mercado. Se as empresas necessitarem de profissionais mais experientes, na concorrência natural entre oferta e procura, vencerão os que se apresentarem melhor preparados. Fosse um fenômeno legislativo desta magnitude verossímil, de há muito já poderíamos ter decretado fim à miséria.
Se o Estado brasileiro espera que essa lei tenha eficácia, só pode estar flertando com a hipocrisia. A sociedade só terá uma maneira de cumpri-la: fingindo cumpri-la. E o Estado, para não se ver desmoralizado, só terá uma contrapartida: fingir que acredita (que a sociedade cumpre a lei).
O máximo de efeito prático que se poderá esperar dessa lei esquisita é o banimento dos anúncios de ofertas de emprego que costumeiramente exigem experiência profissional superior a seis meses. Os órgãos de defesa dos direitos coletivos e difusos dos trabalhadores (Sindicatos e Ministério Público do Trabalho) poderão coibir as empresas que porventura persistirem em publicações com tal conteúdo, sob pena de multa. Mais do que isto é ingenuidade.
Algumas leis acabam se notabilizando por virtudes ou por idiossincrasias. É o caso, por exemplo, da chamada "Lei Maria da Penha" - clique aqui (por suas virtudes). A Lei 11.644, todavia, corre o risco de receber alcunhas menos dignas, como, quem sabe, "lei-baboseira", e entrar para o anedotário legislativo e ali, de tão esquecida, ninguém se lembrar ou sentir necessidade de futuramente revogá-la.
__________
*Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados
____________