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A impossibilidade de incidência do ICMS sobre os serviços de provimento de acesso à Internet

Questão controversa no panorama doutrinário e jurisprudencial contemporâneo, a tributação dos provedores de acesso à Internet tem sido objeto de efervescentes debates.

quarta-feira, 7 de julho de 2004

Atualizado em 6 de julho de 2004 09:57


A impossibilidade de incidência do ICMS sobre os serviços de provimento de acesso à Internet


Gabriela Duque Poggi*


Questão controversa no panorama doutrinário e jurisprudencial contemporâneo, a tributação dos provedores de acesso à Internet tem sido objeto de efervescentes debates. O estudo do tema requer uma reflexão que tem como ponto de partida a análise do conjunto normativo pátrio, com fito de demonstrar a impossibilidade legal da incidência do ICMS sobre a atividade.

Entretanto, devemos, de início, esclarecer que a proposição aqui discutida refere-se especificamente aos provedores de acesso à Internet discado, excluindo-se, de imediato, aqueles que realização conexão DSL. A restrição tem o objetivo de evitar qualquer incorreção técnica, visto que as diferentes espécies suscitam análises diversas.

A Carta Magna, em seu art. 155, inciso II, elenca as possíveis hipóteses de incidência do ICMS e, entre elas, encontramos a prestação do serviço de comunicação. É diante do dispositivo que nasce a problemática em tela, a qual encontra fundamento na possibilidade ou não de enquadramento do serviço de provimento de acesso à Internet no conceito de serviço de comunicação.

A rigidez, como característica inerente a Lei Maior, evoca uma análise mais detida da questão, com o intuito de impedir o equívoco de um vazio alargamento interpretativo da norma, o que não pode ser admitido. Desse modo, mister se faz a exata compreensão do sentido da expressão serviço de comunicação, inserida em nosso sistema constitucional.

Para isso, necessário ter em mente que prestar serviço de comunicação é diferente de realizar comunicação. E, com tal propósito, valido é mencionar a observação feita pelo insigne doutrinador Roque Carraza ao afirmar: "A hipótese de incidência possível deste ICMS é prestar serviço de comunicação. Não é simplesmente realizar comunicação. Portanto, o tributo só pode nascer do fato de uma pessoa prestar à terceiro, mediante contraprestação econômica (em caráter negocial), um serviço de comunicação."1

Podemos ainda, para corroborar a afirmação, utilizarmo-nos da idéia elaborada pelo mestre Paulo de Barros Carvalho que, ao tratar da matéria, explica: "Prestar serviço de comunicação, por seu turno, consiste na atividade de colocar a disposição do usuário os meios e modos necessários à transmissão e recepção de mensagens..."2. Assim, para a configuração de tal espécie de serviço é imprescindível que o mecanismo ofertado ao usuário seja meio, por si só, capaz de realizar comunicação, caso contrário não haveria a disponibilização um serviço de comunicação.

Lembre-se que, dentro de uma simplória descrição, o provedor de acesso à Internet somente coloca a disposição de seus clientes softwares e sistemas que dão acesso e facilitam a utilização da rede. Ele é apenas um dos entes necessários à conexão, visto que, em regra, prescindem do serviço de telefonia para possibilitarem a utilização da Internet.

O serviço de telefonia, como se vê, é para o usuário meio indispensável para se chegar ao provedor e, a partir daí, conectar-se à rede. O provedor nada cria, apenas viabiliza a outrem chegar até determinadas informações.

Desse modo, usuários e provedores de acesso à Internet são, na realidade, tomadores do serviço de telecomunicação que é pago de acordo com a quantidade de pulsos utilizados, sobre cujo valor incide o ICMS, por consubstanciar-se em serviço de comunicação. Logo, a atividade desenvolvida pelos provedores em relação aos seus clientes não pode ser confundida com o serviço prestado pela empresa de telefonia, pois têm essências diversas e podem ser facilmente distinguidos para efeito, inclusive, de tributação.

Confirma a tese, o texto da Lei n° 9.472/97, mais conhecida com Lei Geral de Telecomunicação, ao definir:

"Art. 60 Serviço de telecomunicação é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.

(...)

Art. 61 Serviço de valor adicionado é atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicação que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionada ao acesso armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações."

§ 1° Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, como os direitos e deveres inerentes a essa condição."

A leitura do art. 61 da lei acima transcrita demonstra que a atividade desenvolvida pelos provedores de acesso à Internet é, em verdade, serviço de valor adicionado. E, por tal motivo, não pode ser confundida, ao contrário do que pretendem alguns, com serviço de telecomunicação. O fato a inseriria no conceito de serviço de comunicação e, em conseqüência, na hipótese de incidência do ICMS.

Levantar o argumento de que os provedores de acesso realizam comunicação em nada esclarece a matéria, visto que, como antes demonstrado, o problema concentra-se unicamente no ato de prestar serviço de comunicação e não no fato apenas de realizá-la.

Conclui-se, então, que a incidência do ICMS sobre o serviço de provimento de acesso à internet expressa flagrante inconstitucionalidade, em virtude de não estar a referida atividade dentro das possíveis hipóteses de incidência do tributo. Não podemos esquecer que a Constituição Federal caracteriza-se por ser essencialmente analítica, o que não permitiria o excesso.

Todavia, o CONFAZ, contrariamente as determinações legais e aos ditames da lógica jurídica, firmou o entendimento de que os provedores de acesso à Internet exercem serviço de telecomunicação e, como tal, devem sofrer a incidência do ICMS. O fato resultou em uma justificável disputa judicial e acabou por levar às nossas Cortes um significativo número de ações que tentam combater a equivocada posição adotada pelo CONFAZ.

São inúmeros os argumentos que não podem ser olvidados quando do exame da questão. Pois, partindo-se de uma análise semântica da expressão serviço de comunicação, e seguindo até os mais complexos liames de nossas normas jurídicas positivas, não poderíamos deixar de chegar a conclusão de que inexiste a possibilidade legal de incidência do ICMS sobre a atividade desenvolvida pelos provedores de acesso à Internet.

Por sua vez, somos obrigados a admitir que a problemática encontra-se longe de ser pacificada, e continuará sendo objeto de inúmeros debates em nossos tribunais. Entretanto, um cauteloso estudo sobre a matéria levará aqueles que se debruçarem sobre o tema a entender a pertinência da argumentação.
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1
CARRAZA, Roque, ICMS, 6ª ed., p.132.
2
CARVALHO, Paulo de Barros. Revista Dialética de Direito Tributário, n° 73, p.100.
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* Membro da Assessoria de Desenvolvimento de Produtos Especiais de Martorelli Advogados










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