Os Juízes - A Justiça é um terço do poder?
José Roberto Dromi em livro, de sucesso na Europa, faz uma crítica muito bem fundamentada acerca da crise institucional do judiciário argentino. Trata-se do livro: "Los Jueces - es la justicia um tercio del poder?" (Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1992). Dentre seus apontamentos preliminares estão a falta de eficácia e celeridade da justiça, devido a ausência de informatização e a condenação por absoluta e lenta solução dos conflitos.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
Atualizado em 8 de fevereiro de 2008 14:19
Os Juízes - A Justiça é um terço do poder?
Sérgio Roxo da Fonseca*
Giovanna Cassandra Garberi de Carnevale Galeti**
José Roberto Dromi em livro, de sucesso na Europa, faz uma crítica muito bem fundamentada acerca da crise institucional do judiciário argentino. Trata-se do livro: "Los Jueces - es la justicia um tercio del poder?" (Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1992). Dentre seus apontamentos preliminares estão a falta de eficácia e celeridade da justiça, devido a ausência de informatização e a condenação por absoluta e lenta solução dos conflitos.
Das diversas crises institucionais que grassaram pela Argentina, os afetados não foi apenas o Poder Judiciário, tema alvo do artigo, mas também o Sistema Republicano como um todo, urgindo necessidade de reconstrução do modelo de organização política nacional, concomitantemente com a reforma do Estado e da Constituição. Essa necessidade põe-se vital para os argentinos, pois se sabe que, nenhuma liberdade é plena se não há justiça para protegê-la e assegurá-la.
No decorrer do texto, o autor propõe algumas perguntas de interesses esclarecedores, tais quais:
1- Em nome de quem se administra a justiça? - Em nome do povo? (Estado Democrático de Direito); em nome do Rei? (resquícios da monarquia presentes até a atualidade); ou em nome da justiça? (Teoria Constitucional).
2- Qual a origem e a tipificação dos juizes que exercem a Justiça? E os organismos para-judiciais? Onde está o poder? Há administração da justiça fora do Poder Judiciário? É o Judiciário um terço do poder ou é um dos três poderes? E se for, exerce um terço do poder? - Essas perguntas tentam resgatar a identidade do juiz constitucional, como o único juiz e a única autoridade máxima da justiça.
Outro entrave no império do Poder Judiciário é a imprensa, que gozando de seus direitos e de sua ampla influência na sociedade, impõe sentenças sociais sem fundamentos precisos e, quando da manifestação dos tribunais, são esses acusados de proferir sentenças tardias, parciais e não subordinadas aos interesses da República.
Nomeia-se igualmente o Ministério Público como um fiscal de todo esse sistema, a fim de assegurar a ordem e o interesse público frente aos juizes, por vezes ausentes, que renegam sua competência, se auto-inibem e restringem-se sob pretexto de questões políticas.
Questiona sobre uma maneira de dar cabo às reprovações de hoje, indicando o caminho adequado para promover uma justiça melhor e mais ampla.
Os avatares políticos, frutos da crise institucional argentina, deixaram maiores e mais profundas seqüelas na administração da justiça, que se encontra ainda desacreditada perante a sociedade. Desta maneira, os Juízes Politizados, auto-limitados, paralelos, de fato e morosos explicam a decepção social frente à administração da justiça, em sua opinião.
No que tange à primeira questão, sobre em nome de quem é feita a justiça, tem que ser patente a afirmação de que a sua administração faz-se em nome da Nação e das Províncias, pois o Judiciário como poder político institucional em definitivo, faz justiça não somente em nome do povo que o instituiu, mas também em nome da Justiça.
A forma republicana tem por essência a divisão dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, tendo a Constituição fixado suas respectivas atribuições. Na realidade, frisa José Roberto Dromi que, o Poder é uno e indivisível, porém há uma separação das funções, com definição de competências específicas para cada órgão, divisão essa sem a qual não subsistiria a República, assegurado pelo modelo francês.
Há uma vital necessidade de independência e autonomia dos poderes, pois se o Judiciário não estiver separado do Legislativo e do Executivo, não haverá liberdade: sem os juízes, a Constituição é uma obra frustrada. O Judiciário como poder tem como justificativa à função de os juízes serem os guardiões da soberania do povo, e da supremacia constitucional; e em conseqüência tutores dos direitos reconhecidos, das garantias conferidas, e dos poderes constituídos.
A autoridade de suas decisões também é apanágio do Poder Judiciário, significando que quando o juiz interpreta a lei, o mesmo cria o Direito através da coisa julgada.
O autor exalta algumas funções exercidas pelo juiz como - a função de Governo - a medida que administra a instituição judiciária e goza de autoridade; - a função de Controle - pela garantia constitucional argentina da Revisão Judicial, em salvaguarda do estilo democrático, pois cabe aos juízes dizer sobre a constitucionalidade das leis do Legislativo e sobre a legalidade dos atos do Executivo; - a função de Garantia - por tutelar os direitos reconhecidos, as garantias e os poderes conferidos. Por todos esses aspectos do Judiciário, conclui-se que a independência orgânica e funcional da Justiça é um pressuposto político que garante a defesa e a liberdade do Estado Constitucional.
A identidade do juiz forma-se através de vários requisitos: - a Independência Política - como condição de existência; - Autarquia Econômica - com disponibilidade patrimonial própria para evitar a dependência dos outros poderes.
Para a formação da identidade institucional de um juiz genuíno, são fundamentais algumas especificidades de sua investidura:
1- Exclusividade - competência exclusiva para interpretar e aplicar a lei, além de declarar a inconstitucionalidade das normas;
2- Elegibilidade - procedimento especial próprio para eleger um juiz verdadeiro, com a concorrência da vontade decisiva dos Poderes Executivo e Legislativo, e em alguns casos, a consulta ao Conselho da Magistratura;
3- Estabilidade - é a inamovibilidade, como requisito para independência, que acima de tudo é uma garantia par o cidadão, de ter seus assuntos julgados por juizes que não dependem e que não são subordinados ao governo;
4- Irredutibilidade - é a intangibilidade salarial, em que a remuneração dos juízes não pode ser alterada em seu prejuízo;
5- Imparcialidade - o juiz deve ser sempre imparcial, nos sentidos político e técnico; o que obriga o juiz a abster-se de participar de atividades partidárias ou sociais que impliquem um fim político. É proibido ao juiz intervir na política direta ou indiretamente;
6- Imunidade - é o privilégio de não serem presos, salvo se surpreendidos em flagrante em crime com pena restritiva de liberdade, de não poderem ser interrogados e muito menos importunados no que tange às opiniões que expressam em suas sentenças;
7- Moralidade - a vida de um juiz, tanto no seu âmbito particular quanto no público deve pautar-se na mais absoluta moral, pois ele representa - ou presenta - a Justiça;
8- Incompatibilidade - a fim de garantir a incolumidade de sua sentença, o juiz, pela função que exerce tem sua atuação profissional limitada tão somente à magistratura, não podendo exercer qualquer atividade profissional privada ou publica;
9- Seguridade - em relação às decisões e às sentenças dos juízes, na autoridade da coisa julgada, verdade pragmática que não pode ser impugnada, pois está precluída, terminada;
10- Autoridade - a exercida pelo juiz ao ditar a sentença
A Constituição da Argentina incumbe aos juízes verdadeiros o papel 'mor' de guardiões da Carta Magna; assim todas as garantias institucionais e limitações pelas quais os juízes se subordinam são em prol à sua idoneidade como guardião da ordem jurídico-política do Estado, o monopólio do controle da constitucionalidade.
No capítulo que versa sobre a jurisprudência, Dromi diz que: "com a jurisprudência, o juiz antecipa-se ao legislador, procurando o alcance da lei através de sua interpretação, suprindo as deficiências através da integração e criação do Direito". Com base neste fato, temos que, ao criar o próprio direito, baseando-se nos princípios de direito, estar-se-ia confundido a função judicial com a legislativa, entrando aquela na área de atuação da competência desta, descaracterizando-se a separação das funções do poder, vindo a transparecer a ditadura judicial, em que o Judiciário cria, aplica, e executa o direito por si só. Nesse sentido tem-se um pronunciamento da Corte Suprema: "La ingente misión que en la elaboración del derecho incumbe a los jueces deber cumplirse sin arbitrariedad, y no llega hasta la facultad de instituir la ley misma" (fallos, 234:82).
Ensina-nos Dromi que, interpretar uma expressão não é simplesmente tornar claro o que a mesma diz, é sobretudo revelar o sentido apropriado à vida real e condizente com uma decisão plena. O juiz concilia a rigidez legal com a variabilidade da realidade social, realizando uma interpretação extensiva ou restritiva da lei.
Assim a jurisprudência é um meio para melhor corrigir as leis, sem necessidade de mudá-las ou revogá-las. Chama-se isso de Direito Judicial, pois assim é feito para que a Constituição não perca sua vigência, e por isso os juízes são criadores do Direito permanentemente.
Todavia, para um sistema jurídico como o argentino, interpretar não é o suficiente; é necessário integrar, determinando a extensão, o alcance e o significado dentro do âmbito do Direito. Para isto, acudimo-nos nos princípios gerais de direito, na analogia, na doutrina, na jurisprudência e nos costumes. E assim se faz o Direito sem a lei.
No direito argentino, frente ao vazio legal que paira, institutos jurídicos são criados com base na integração; como o Recurso Extraordinário por sentença arbitrária e por gravidade institucional, o Abuso de Direito, a Imprevisão, a Responsabilidade Civil, a Nulidade Administrativa, o Direito à Intimidade e a Defesa dos Interesses Coletivos.
No que tange à aclamada fiscalização dos juízes, e da fiel aplicação do direito, tem-se como órgão idôneo o Ministério Público. Na ordem nacional argentina o Ministério Público está integrado pelo Procurador Geral da Nação, os Procuradores Fiscais e os Fiscais perante as Câmaras Nacionais de Apelação e os julgados de instância, entretanto ainda é debatida a localização do Ministério Público dentro do esquema institucional; quanto a sua localização como função executiva ou função judiciária. A Constituição argentina diz que se trata de função judiciária.
A figura maniqueísta da obra em questão é: Juízes Naturais X Juízes Politizados.
Por juízes naturais entende-se aquele que a Constituição garante à população, é o juiz competente para determinado foro, causa, território, matéria, pessoas. É o juiz proporcional, imparcial, razoável, eqüitativo, aquele que não é suspeito, o que goza das garantias da independência institucional, acima relacionadas.
Por juízes politizados têm-se aqueles submetidos ao vai e vem dos governos, os que fazem a "justiça" através de variáveis políticas, exibicionismo pessoal, desmoralização e desproteção institucional; enfim são os ilegítimos, os arbitrários devido ao seu envolvimento político, os para-judiciais, os desnaturalizados perante a Constituição.
Os Juízes Paralelos, que trabalham à margem do poder judicial. São alguns deles:
1- Juízes Administrativos: São tribunais não judiciais, que dependem do Poder Executivo. É uma forma de auto-proteção administrativa, a fim de evitar a complexidade ordinária da tutela jurisdicional. Revela-se através da aplicação de sanções administrativas contravencionais ou disciplinares das decisões de recursos ou reclamações administrativas; tais atividades administrativas não gozam de imparcialidade, independência e autoridade quanto à coisa julgada. Assim sendo para o plano do direito os juízes administrativos não são juizes. A Constituição não os admite como juízes verdadeiros;
2- Juízes Políticos: É a atuação dos legisladores-juízes. Chama-se juízo por sua forma e político por seu conteúdo, tendencioso e parcial;
3- Juízes Militares: Os que como diz o nome atuam na área militar, entretanto não fazem parte da justiça constitucional;
4- Juízes Fiscais: Ocupam-se dos recursos interpostos contra tributos e sanções aplicadas por organismos idôneos, mas apesar de sua atuação, também não fazem parte da justiça institucionalizada;
5- Juízes de Faltas: São organizações locais de cada província, com atuação na área de polícia e higiene, porém tecnicamente falta-lhes sentido cientifico e institucional, fazendo parte da Justiça Paralela;
6- Juízes Vizinhos: Dão solução aos casos que se consignam de conflitos de vizinhos, provenientes de relações de usuários e consumidores. É uma tentativa de descentralização da justiça em prol a uma justiça local de causas menores, mas também é uma justiça ilegítima.
A decadência da administração institucional da justiça na Argentina é devida por dois fatores: primeiramente pelos - Juízes Paralelos (ou politizados) que descentralizam de maneira inconstitucional o Poder Judiciário e a - Morosidade dos juízes, devido á lentidão dos processos.
As tardanças da justiça, aliada à lentidão dos processos em sua tramitação que extrapolam o normal, desonram a justiça e faz com que a sociedade questione a credibilidade do sistema. Isso concomitante aos processos obsoletos, às ausências e falências tecnológicas, à burocratização da cultura do expediente e à infra-estrutura deficitária do poder judiciário põe a Justiça em duvida perante a sociedade.
São inúmeros os fatores que contribuem para essa morosidade, a entender: - o aumento na demanda processual, que não condiz com o aumento de juízes atuantes; - o uso abusivo das formas processuais protelatórias por parte dos litigantes; - admissão de recursos processuais improcedentes; - a falta de especialização e profissionalização dos serventuários da justiça; - a ausência de tecnologia para assistir ao juiz, viabilizar e agilizar suas tarefas; - a implementação de processos calcados no princípio da oralidade; - soluções da infra-estrutura engenhada especificamente para locais de serviço da justiça, com repartições especializadas e prédios fisicamente próximos uns aos outros, a fim de aumentar a agilidade e diminuir os prazos, garantindo maior eficiência para a prestação judiciária.
Frente a todos estes problemas de cunho institucional e os que envolvem a disputa entre as três funções do poder republicano, o povo sem assistência fica descrente da Justiça, que por sua vez não consegue cumprir o papel que a Constituição lhes invocou, que é de satisfazer a sociedade garantindo-lhes os direitos reconhecidos e protegendo o interesse público.
Atualmente, mais do que nunca, clama-se por uma reforma não só na Constituição, a fim de agilizar a justiça e condenar peremptoriamente os Juízos Paralelos, que descentralizam a aplicação da justiça; mas também do Estado Republicano, para consolidar o modelo de Estado de Direito e harmonizar as funções dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, para fazer-se justiça idônea, através de Juízes Naturais, verdadeiros e investidos pela Constituição de suas garantias institucionais.
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*Advogado, Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, professor das Faculdades de Direito da UNESP e do COC.
**Advogada