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Justiça Rápida depende de vontade política

A justiça brasileira, emaranhada em suas próprias teias, está fadada a continuar sendo o que, lamentavelmente, sempre foi, lenta, emperrada, de freio puxado ao obter resultados. Passam-se os anos e a sua sina se mantém, olimpicamente, inalterada, como se o fenômeno do atraso não mais surpreendesse a ninguém. Faz parte da rotina forense!

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Atualizado em 29 de janeiro de 2008 13:42


Justiça Rápida depende de vontade política

"La ley es como el cuchillo; no corta quién la maneja" (José Hernandez in Martín Fierro)

Sérgio Couto*

A justiça brasileira, emaranhada em suas próprias teias, está fadada a continuar sendo o que, lamentavelmente, sempre foi, lenta, emperrada, de freio puxado ao obter resultados. Passam-se os anos e a sua sina se mantém, olimpicamente, inalterada, como se o fenômeno do atraso não mais surpreendesse a ninguém. Faz parte da rotina forense!

Não há dor moral mais intensa do que aguardar o desenlace de um processo judicial. São expectativas de várias cores que se desenham no inconsciente moral do jurisdicionado, durante anos, que se sobrepõem, no mais das vezes, às cifras que eventualmente poderiam compensar a angústia da espera.

Um surto de depressão, pela demora na solução de um caso, pode arrasar o sistema imunológico. As noites tornam-se indormidas, letárgicas, pois interferem no processo psicossomático pela crescente e justificada inquietação, atingindo as plaquetas sanguíneas que ficam mais viscosas e mais propensas a formar grupos, como anota DEEPAK CHOPRA, endocrinologista indiano. Até as lágrimas contém traços químicos diferentes, quando se trata de momentos de alegria ou de tristeza.

Uma grande contrariedade, como por exemplo, um processo perdido, pode transformar um homem de 60 anos num indivíduo senil, tanto física quanto moralmente, como observa Simone de Beauvoir (in "A velhice", ed. Nova Fronteira, p.41).

Todo processo que se inicia traz ínsito o fantasma da falibilidade da justiça por não materializar a solução no tempo certo. Não deveria ser assim. Justiça rápida é o objetivo de todos que atuam nessa seara, porque constitui a última trincheira dos injustiçados, forma derradeira de o cidadão garantir os seus direitos que vem sendo desrespeitados ou postergados por outrem. Mais do que qualquer outra instância estatal, há de ser merecedor de plena credibilidade que se assenta no princípio da celeridade. Mas como conseguí-la?

Justiça morosa é a que temos, desde o período reinícola que expressa, a mais não poder, supina e irrefragável injustiça que faz calar os operadores do direito que sonham em ver, um dia, o deslinde de uma querela em tempo razoável com trânsito em julgado.

As modificações processuais recorrentes, visando a suposta celeridade não tangenciam, com a mais respeitosa vênia, a raiz do problema, porque se trata de algo sistêmico ligado a crônicas injunções políticas. Nos seminários acadêmicos esboçam-se esforços heróicos para discutir a inovação legislativa de plantão, capaz de por cobro a tão angustiante problema. Certamente, em vão!

Ainda há pouco, os doutores em direito processual civil, fizeram uma remodelagem em alguns títulos da lei formal. As repercussões práticas foram quase inexistentes. É que não é com medidas cosméticas que se há de obter resultados que agilizem os processos. Há uma cultura da demora e os processualistas sabem disso.

Sejamos francos. Toda vez que acontecem estudos e palestras nos seminários jurídicos, nomes de escol são relacionados, segundo o tema de sua especialização. Os auditórios ficam repletos, ávidos, com justa razão, em abeberar as lições dos mestres, que se mostram repassadas de notável sabedoria.

Todavia, não se pode deixar de consignar que as conclusões acadêmicas, via de regra, não se consubstanciam em propostas efetivas num projeto completo ao legislativo, dando conta do que foi decidido, à exaustão, no referido seminário. Aliás, não basta o mero encaminhamento, mas a efetiva fiscalização nas comissões até que a matéria seja realmente submetida a plenário, até converter-se em lei. Indispensável, portanto, a vigília.

Quando se constata, porém, que o equacionamento do tema ligado à celeridade se insere muito mais na área política do que jurídica, a tendência natural é postergá-lo, pela natural impotência de quem não tem forças para agir, até mesmo por impossibilidade de acesso ao legislador. Este, certamente, sempre tem outras prioridades a tratar, e, nesse passo, vamos convivendo com o quadro crônico de espera sem fim, que vitimiza o jurisdicionado.

O modo pelo qual o sistema judiciário brasileiro se sustenta remonta a tempos imemoriais, que não mais encontra justificativas para subsistir. O legislador não pode continuar desconfiando da competência dos magistrados, que tem levado ao absurdo de se manter quatro degraus jurisdicionais, o que é manifesto exagero. Até mesmo a segurança jurídica tem de ter limites, pena de presumir-se que os nossos juízes não são tão bons assim, o que é rematado absurdo.

O juiz prolata uma sentença, depois de exame percuciente dos autos. É o juiz natural da causa. Sopesa argumentos das partes em conflito. Ouve testemunhas. Determina perícias e encerra a questão, estando o feito maduro para isso. Acontece que a lei permite recurso ao tribunal, formado o órgão julgador por uma câmara isolada, composta de três desembargadores que vão novamente reexaminar tudo, para confirmar a decisão ou reformá-la.

Poderia parar por aqui, mas não. O perdedor ainda tem a chance de recorrer ao STJ, alegando violação de lei federal, objeto de duas decisões, uma, pelo juízo singular e outra por um colegiado de três membros, que examinaram, à exaustão, a matéria da qual se recorre, mais uma vez.

Não atemoriza ao sucumbente o risco de pagar multa processual (ou ter de enfrentar, agora, custas processuais de monta), caso o recurso não seja conhecido ou provido, e nem se abalança em saber que uma vez confirmada a decisão de primeiro grau, esta torna-se auto-executável para todos os fins, segundo o comando do art. n°. 475 da legislação processual.

Por oportuno, vale a informação de Luiz Orlando Carneiro (JB, 19.12.07, A4), segundo a qual o STJ ignorou, neste ano, 22.000 recursos, após exame prévio de admissibilidade em agravos de instrumentos, recursos geralmente protelatórios. Esses agravos foram rejeitados com base na Resolução número 4 do STJ, que permite ao presidente do tribunal, em decisão monocrática e antes mesmo da distribuição, negar seguimento aos recursos, manifestamente inadmissíveis ou sem perspectiva de serem acolhidos.

O absurdo de mais uma instância revisora solta aos olhos. São apenas 33 ministros, estóicos, honrados e competentes que integram o STJ, que jamais colocarão o serviço em dia, porque sobre seus hercúleos ombros, que se reconhece, pesam milhares de processos vindos de todos os tribunais do país, transcendendo suas forças físicas. E os diligentes assessores que integram os gabinetes, facilitando os trabalhos de pesquisa, não poderão igualmente minimizar a pletora de feitos que sobrecarregam a Corte.

Atente-se que a primeira instância da Justiça estadual do Rio de Janeiro recebeu em 2007, 1.062.766 processos. Deste total, 573.453 deram entrada no interior e 489.313 na capital e fóruns regionais. No mesmo período, foram exaradas 523.080 sentenças (interior) e 448.911 (capital e regionais), totalizando 971.991 ações julgadas.

Os números atestam, com eloqüência, a força de trabalho dos juízes fluminenses, certo ainda que a justiça de outros Estados, acompanham no mesmo passo tal produção, com algumas variações, fazendo desaguar na corte infraconstitucional milhares de processos a serem reexaminados por apenas três dezenas de dedicados julgadores.

Agravando o quadro impeditivo de uma justiça rápida, ainda existe a possibilidade de identificação nas causas em exame, resíduo constitucional que o atento profissional haverá sempre de suscitar para o STF, atrasando ainda mais o encerramento da causa.

A Suprema Corte, também congestionada, com apenas 11 ministros, da mais alta qualidade moral e intelectual além de notável espírito público, bem que poderia contar com a colaboração dos 33 ministros da corte infraconstitucional que passariam a integrá-la, num total de 44 magistrados. Julgariam, tão somente, pela sua relevância, matéria de índole constitucional.

Abre-se pequeno parêntese para assinalar que recentemente um dos magistrados que integrava o STJ, insigne Min. Carlos Alberto Direito, foi nomeado para integrar a Suprema Corte, o que reforça a tese da possibilidade de fusão entre os dois tribunais, pelo notável saber jurídico e reputação ilibada, que caracterizam os eminentes membros das duas Casas.

Todas as outras questões ficariam reservadas às cortes estaduais, e aos juizados especiais de menor importância que para isso foram criados, para dirimir conflitos no menor espaço de tempo, sem as indesejáveis peias que emperram a tramitação dos feitos.

A presente proposta está alicerçada na crença de que temos magistrados da melhor qualidade técnica, com grande capacidade de trabalho, como revelam as estatísticas referidas acima. Se, eventualmente, erram, o que é humano, o órgão revisor imediato saberá corrigir, porque, afinal, o feito será reexaminado pelo Tribunal.

Os juízes de primeiro grau são tão bons que em São Paulo, recentemente, foram convocados pelo Tribunal a formar uma câmara isolada, com função revisora, o que é digno de encômios, na ausência de outras soluções que poderiam minimizar o grave problema no notório emperramento da Corte.

Acontece que houve recurso para o STJ, que ao julgar o HC 72941, relatado pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, proclamou "nulos os julgamentos de recursos proferidos por Câmara, composta majoritariamente, por juízes de primeiro grau, por violação ao princípio do juiz natural", informando que questão símile fora levada ao Conselho Nacional de Justiça, arquivada no dia 17.4.2007.

Com a mais respeitosa vênia, respeitados os fundamentos norteadores da decisão, ousamos afirmar que é chegado o momento de afastar formalismos que impeçam o rápido julgamento do feito. A questão pode ser polêmica e tecnicamente relevante, mas o que se deve ter em mira é o interesse dos que clamam por uma justiça mais rápida, até porque quem poderá garantir que o segundo ou terceiro julgamento, ad argumentandum tantum, será melhor que o primeiro?

Diante das graves circunstâncias, o tribunal paulista tomou uma grave e heróica decisão, nos limites de suas forças, ao fazer a corajosa convocação, por não mais suportar a angustiante massa de milhares de processos, que tanto fazem desacreditar aos que ainda crêem na justiça.

Uma outra causa do emperramento da máquina judiciária, ao que parece, está no nascedouro da litigiosidade desenfreada que entulha foros e tribunais. Criou-se, no Brasil, a cultura do processo. Ela tem como causas fundamentais o texto constitucional de 1988 e a proliferação incontida de Faculdades de Direito, que jogam no mercado, semestralmente, milhares de novos advogados. E, por fim, a tradicional conduta do Poder Público de todos os níveis, que tem como norma aplicar o calote nos seus credores.

O esgotamento das possibilidades de conciliação, sempre documentada, registrando as reuniões, tentadas, entre as partes e seus advogados e, num segundo momento, com a intervenção de um Magistrado, à semelhança do juízo prévio americano, certamente inibiria o ajuizamento de novas ações.

Todavia, repete-se, há falta de vontade política e de coragem no inovar. O sistema jurídico brasileiro é conservador, emperrado, e detesta inovações.

A confirmar e reforçar o que se disse até aqui, registre-se que oitenta por cento de sentenças de primeiro grau são confirmadas nos tribunais superiores, como informa MOZART VALLADARES, recém-empossado na Presidência da AMB, em longa entrevista prestada ao JB, de 26.12.2007, País, A3.

Para alguns, pelo que se disse até aqui, sugestão utópica, quiçá delirante ou mesmo sacrílega. . Reconhecer, porém, o anacronismo e conviver com ele soa como negação aos princípios informadores de quem almeja, uma justiça célere e eficiente.

É preciso fazer algo para reverter a situação, até porque o imaginário popular acredita em trabalhos de "simpatia", para dar andamento a processo parado na justiça: "junto ao tronco de uma árvore frondosa, faça um buraco no chão e enterre um papel com o número do processo. Feche o buraco com a terra e coloque por cima uma vela acesa. Quando o processo começar a andar, volte ao mesmo lugar, desenterre o papel e acenda uma vela para almas benditas. Guarde o papel!" (in Coluna do Antonio Carlos, jornal "Extra", 14.2.2008, p.2).

Quando se aponta um defeito no sistema, não se é obrigado a propor o certo. Toda a questão consiste em saber se reconhece ou não o erro. Se for reconhecido, identificado, caracterizado, o certo é suprimi-lo Depois, substituí-lo!

"Se as coisas são inatingíveis... Ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes seriam os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas". (MÁRIO QUINTANA).

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*Advogado no Rio de Janeiro





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