Revisão das cláusulas de reajuste dos contratos de Leasing
Ao optar pelo reajuste das contraprestações de um contrato de leasing com base na variação cambial do dólar norte-americano o Arrendatário assumiu conscientemente o risco de sua flutuação, não podendo, agora, se escusar do ônus decorrente das conseqüências advindas de sua livre escolha.
sábado, 12 de outubro de 2002
Atualizado em 1 de abril de 2003 11:49
Comentários sobre a legalidade da revisão das cláusulas de reajuste dos contratos de Leasing com base na teoria da Imprevisão
Maurício de Ávila Maríngolo
*Conforme se depreende da notícia publicada 1a Página do Caderno Legal & Jurisprudência da Gazeta Mercantil, edição de 21 de setembro de 2002, o juiz da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, Dr. Álvaro Luiz Valery Mirra, ao analisar um pedido de reconsideração para concessão de tutela antecipada numa ação revisional de cláusulas contratuais que tem como objeto um contrato de leasing imobiliário, deferiu a substituição do índice de correção das contraprestações do aludido contrato, originalmente avençado pela variação cambial do dólar norte-americano, pelo INPC, antes mesmo da citação da Cia. de Arrendamento (inaudita altera parte), cuja incidência terá como base os valores previstos no contrato válidos para o mês de maio de 2002.
Para tanto, o citado juiz fundamentou sua decisão na Teoria da Imprevisão (cláusula rebus sic stantibus), até porque, o fato de o Arrendatário utilizar o bem objeto do arrendamento como insumo à sua atividade profissional (consultório médico), não lhe confere o direito à proteção do Código de Defesa do Consumidor, por não poder ser considerado consumidor (destinatário final), pela acepção que lhe é conferida pelo artigo 2º, do indigitado diploma legal.
Em que pese o respeitável entendimento do ilustre magistrado prolator da decisão e com todo respeito e acatamento que lhe é merecido, cumpre salientar, no entanto, que a citada Teoria da Imprevisão, apesar de ser admitida pelos nossos tribunais, deve ter aplicação excepcionalíssima, por confrontar diretamente com o princípio da liberdade de contratar e, sobretudo, com o princípio do pacta sunt servanda.
Ao discorrer sobre a Teoria da Imprevisão, nossa mais abalizada doutrina tem um posicionamento unânime ao afirmar que, para que se justifique sua aplicação ao caso concreto, devem estar presentes, necessariamente, quatro requisitos básicos, a saber:
" Alteração radical das condições econômicas na execução do confronto com o momento de sua celebração;
" Imprevisibilidade desta modificação superveniente;
" O contrato deve ser de execução diferida ou continuada; e
" Onerosidade excessiva para um dos contratantes e lucro exagerado para o outro.
Vale dizer, para que seja autorizada a revisão de contratos com base na Teoria da Imprevisão, devem estar reunidos, necessariamente, todos os quatro requisitos supra citados. A ausência de apenas um deles já é suficiente para desamparar a pretensão revisional.
Nesse ínterim, imperioso salientar que, nos contratos de arrendamento mercantil, é perfeitamente admissível que as partes convencionem, livremente, qual será o índice de reajuste das contraprestações a serem pagas dentro da periodicidade que, da mesma forma, será livremente avençada no contrato.
No que pertine à legalidade da contratação de leasing, com cláusula de reajuste pela variação cambial, o artigo 6º, da Lei 8880, de 27 de maio de 1994, que instituiu o Plano Real, bem como o artigo 9º, da Resolução BACEN n.º 2.309/96, autorizam expressamente tal prática contratual. In verbis (grifos nossos):
"Art. 6º, da Lei 8880/94 - É nula de pleno direito a contratação de reajuste vinculado à variação cambial, exceto que expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior."
"Art. 9, da Res. BACEN n.º 2.309/96 - Os contratos de arrendamento mercantil de bens cuja aquisição tenha sido efetuada com recursos provenientes de empréstimos contraídos, direta ou indiretamente, no exterior devem ser firmados com cláusula de reajuste de variação cambial."
Decorre, pois, como insofismável corolário lógico, a afirmativa de que, nos contratos de arrendamento mercantil, percebe-se, de forma inequívoca, a nítida ausência de um dos requisitos que autorizaria a aplicação da citada teoria da imprevisão, qual seja: o enriquecimento de um dos contratantes, em função do cumprimento do contrato, como causa do empobrecimento do outro.
Assim, na medida em que as Cias. de Arrendamento utilizam-se de recursos provenientes de empréstimos contraídos no exterior (em moeda estrangeira) para adquirir o bem objeto do contrato de leasing, o fato da moeda nacional corrente valorizar ou desvalorizar não implicará no enriquecimento das Cias. de Arrendamento, uma vez que as dívidas por elas assumidas, por ocasião da captação de recursos no exterior, deverão, da mesma forma, ser adimplidas na cotação do dia de seus respectivos vencimentos, não advindo daí nenhum ganho, por parte da Arrendadora. No caso em comento, podemos concluir que, ainda que se admitisse a revisão da cláusula de reajuste das contraprestações, com base na Teoria da Imprevisão, tal revisão exigiria a prova de que a Cia. de Arrendamento teve um enriquecimento indevido, o que, de fato não ocorreu, tendo em vista que a Cia. de Arrendamento sequer teve a oportunidade de exercer o direito constitucional do contraditório, consistente na prova da captação de recursos externos para a aquisição do bem objeto do contrato, sem a qual, frise-se, não seria admitida, por expressa determinação legal, a contratação de leasing com cláusula de reajuste pela variação cambial.
Por outro lado, é fato notório que, nos contratos de leasing, a opção pelo índice de reajuste das contraprestações, assim como o prazo do contrato, é livremente escolhido pelo Arrendatário no momento da avença.
Ao optar pelo dólar, como fator de correção das contraprestações, por ter sido a opção mais vantajosa na época da contratação, o Arrendatário assumiu o risco da flutuação da moeda estrangeira, historicamente mais forte que a moeda brasileira (que somente nas últimas décadas mudou várias vezes de nome e de padrão monetário, sofreu planos econômicos, corte de zeros, etc.) obtendo vantagens econômicas por certo período do prazo do contrato.
À vista de tais considerações não é preciso grandes elaborações para concluir que o Arrendatário - como outros milhares de brasileiros -, na época da contratação, se viu na condição de optar pelo "dinheiro mais barato" (para se utilizar jargão do mercado financeiro), buscando levar vantagem do custo então favorecido pela pequena depreciação do real em relação ao dólar, artificialmente controlada pelo governo e, em que pese sua livre opção pelo dinheiro então "mais barato", pretende, agora, com o aval do Poder Judiciário, mudar os termos da contratação, frise-se, para continuar tirando o melhor proveito da situação, sem se importar com o grave prejuízo que provocará à Arrendadora que, certamente, terá de pagar seus credores externos, independentemente do valor em que o dólar estiver cotado quando do vencimento de suas dívidas.
Vale lembrar que, para que seja autorizada a aplicação da Teoria da Imprevisão a um caso específico, além dos quatro requisitos básicos acima arrolados, há que se considerar, ainda, se a citada circunstância extraordinária, imprevista e/ou imprevisível não está vinculada ao próprio risco do contrato.
Com efeito, ao optar pelo reajuste das contraprestações de um contrato de leasing com base na variação cambial do dólar norte-americano, quando do momento da avença, por lhe ser a opção mais atraente naquele momento, o Arrendatário assumiu conscientemente o risco de sua flutuação, não podendo, agora, se escusar do ônus decorrente das conseqüências advindas de sua livre escolha, ainda que sob a assertiva de que não teria condições financeiras para assumir com suas obrigações.
Por fim, cabe ao Poder Judiciário, ao analisar cada caso concreto, verificar todos os aspectos jurídicos que permeiam tal modalidade contratual, de modo a preservar o princípio da livre contratação e o pacta sund servanda sob pena de, assim não procedendo, acabar gerando uma profunda instabilidade nos negócios jurídicos levados a efeito no país e, conseqüentemente, na economia nacional, sendo certo, ainda, que a singela alegação de que uma das partes encontra-se inadimplente e sem condições de arcar com as obrigações que livremente convencionou não poderá servir de argumento plausível para autorizar a intervenção do Poder Judiciário num negócio jurídico válido, perfeito e acabado, extrapolando os limites de sua competência constitucional, criando lei nova para "in limine" afastar a pretensão legal da parte à retomada do bem.Se houve prejuízo ao arrendatário, que nem consumidor é para invocar a proteção do respectivo Código, pois arrendou o imóvel para nele exercer sua atividade econômica de médico e assim obter sua renda, deveria ele buscar o ressarcimento perante a União Federal, cujas autoridades responsáveis pela falácia do real valorizado em relação às moedas estrangeiras durante longo período de tempo, induziram a população ao endividamento em dólar, que ora se mostra ruinoso.
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* advogado associado da
Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais. O presente artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.