LC nº 116/03: reflexos na sistemática de recolhimento do ISS pelas sociedades de profissionais
Henrique Andrade
Após a publicação, em meados do ano passado, da Lei Complementar 116/03, que dispõe sobre o ISSQN - Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, vieram à tona as discussões acerca do seu efetivo alcance na sociedade. Previamente, as questões relativas a esse imposto eram basicamente disciplinadas pelo Decreto-lei 406/68.
sexta-feira, 18 de junho de 2004
Atualizado em 16 de junho de 2004 10:10
LC nº 116/03: reflexos na sistemática de recolhimento do ISS pelas sociedades de profissionais
Henrique Andrade*
De acordo com a sistemática anterior de recolhimento prevista no Decreto-lei em referência, as sociedades de profissionais gozavam do benefício de recolher o tributo baseando-se numa tabela prévia com valores fixos, sendo multiplicados estes valores pelo número de profissionais habilitados constantes da organização societária. Esse tratamento especial reflete a intenção do legislador de resguardá-las da alta carga tributária que sustentariam caso recolhessem o tributo de forma distinta.
No fim do ano passado, passou a viger a Lei Complementar nº 116/03, alterando algumas formas de recolhimento do Imposto Sobre Serviços. Dentre essas alterações, estão matérias contidas no Decreto-lei 406/68, que teve alguns dos seus artigos expressamente revogados por essa espécie normativa. Os questionamentos iniciam-se quando algumas prefeituras do país passaram a entender que dita lei complementar havia revogado o art 9º, § 3º desse Decreto-lei, onde estava prevista a sistemática distinta de recolhimento conferida às sociedades de profissionais.
Com o fito de analisar a situação, torna-se conveniente recorrer aos princípios de revogação positivados na Lei de Introdução ao Código Civil. Observa-se que nela há duas espécies de revogação, a dizer, expressa e tácita. Expressamente revogada está uma lei ou artigo quando, na letra da lei revogadora, há claramente a menção dessa substituição. Revogação tácita, por sua vez, há quando a lei antiga contraria a lei ulterior, substituindo-a baseando-se no princípio da lex posteriori derrogat priori. Igualmente, está revogado o dispositivo prévio quando a lei nova esgota a matéria anteriormente por aquela tratada.
Feita essa apreciação, conclui-se pela inocorrência, no caso em referência, de quaisquer das referidas formas de revogação, visto que a lei nova não prevê expressamente a revogação do artigo em questão. Tampouco esgota a matéria, uma vez que em parte alguma do corpo da lei é feita qualquer referência às sociedades simples de profissionais.
Por conseguinte, infere-se que não houve a revogação do tratamento dispensado a essas sociedades, possuindo elas, conseqüentemente, pleno direito ao recolhimento do ISS por valor fixo, conforme preceitua o art. 9º, § 3º do Decreto-lei 406/68. Algumas prefeituras, ao contrário do entendimento aqui discorrido, vêm recolhendo o imposto com base no faturamento desses estabelecimentos, com as alíquotas variando - conforme a natureza do serviço prestado - entre 2 e 5%.
O efeito prático dessa medida na sociedade pode acarretar a insolvência de muitos dos estabelecimentos assim caracterizados, por aumentarem em demasia sua carga tributária. O ISS assume, conforme essa via de entendimento, feições de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, ou até de confisco, visto que não respeita a capacidade contributiva dos sujeitos passivos da obrigação tributária aqui referida. Fere, dessa maneira, o princípio da isonomia inerente à relação entre fisco e contribuinte. Aumentar ainda mais a já sufocante carga tributária do setor significa certamente afetar a evolução da sociedade como um todo, mormente pelo fato da busca do desenvolvimento socioeconômico encontrar-se intimamente ligada ao incremento dessas sociedades.
Coerentemente, após seguidos protestos e discussões, têm alguns municípios repensado suas posições acerca da matéria, dentre os quais o Recife. O prefeito da cidade, no exercício de suas atribuições de chefe do executivo, apresentou projeto de lei à Câmara Municipal visando à manutenção do entendimento da questão contido no Decreto-lei 406/68. Esse projeto culminou na elaboração da Lei Municipal nº 16.967/04, que re-introduziu a sistemática de recolhimento do ISS pelas sociedades simples de profissionais, em valor fixo, pelo número de profissionais. Resta-nos aguardar o desentranhar dessa questão em alguns municípios onde projetos de lei sobre o tema estão tramitando na ordem do dia. Todavia, permanecemos na expectativa de ver reiterado nas demais localidades o prévio e justo entendimento acerca da matéria.
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* Membro do escritório Martorelli Advogados