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Sobre a natureza alimentar dos honorários advocatícios

Encontram-se sob a apreciação do Superior Tribunal de Justiça os Embargos de Divergência 706.331 - PR. O dissídio jurisprudencial a ser examinado no julgamento referido recurso é de suma importância para os advogados brasileiros, posto que discute-se no recurso acerca da natureza alimentar dos honorários decorrentes da sucumbência.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Atualizado em 19 de novembro de 2007 10:58


Sobre a natureza alimentar dos honorários advocatícios

Ulisses César Martins de Sousa*

Encontram-se sob a apreciação do Superior Tribunal de Justiça os Embargos de Divergência 706.331 - PR. O dissídio jurisprudencial a ser examinado no julgamento referido recurso é de suma importância para os advogados brasileiros, posto que discute-se no recurso acerca da natureza alimentar dos honorários decorrentes da sucumbência.

A existência de divergência jurisprudencial foi admitida pela decisão do Ministro Humberto Gomes de Barros que, ao admitir o recurso de embargos de divergência, constatou a existência de entendimentos divergentes entre a Primeira e a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Em que pese a opinião dos entendem de forma diversa, creio que os honorários advocatícios, em qualquer uma das suas espécies (convencionados, decorrentes da sucumbência ou de arbitramento judicial) sempre terão natureza alimentar. Qualquer discussão sobre esse assunto, sob a nossa ótica, é descabida. Porém, ainda assim insistem alguns em negar o óbvio.

A origem dessa discussão reside na redação do artigo n°. 100, § 1ºA da Constituição Federal (clique aqui), acrescentado pela Emenda Constitucional n°. 30/2000 (clique aqui), segundo o qual:

"Art. n°. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º-A. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. (Parágrafo acrescentado pela Emenda Constitucional nº. 30, de 2000, DOU 14.9.2000)".

Para alguns somente teriam natureza alimentícia os créditos expressamente indicados na norma constitucional acima destacada, ou seja, aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. Os honorários advocatícios estariam excluídos dessa classificação. Com a devida vênia aos defensores de tal posicionamento, esse entendimento é absurdo.

Os honorários advocatícios igualam-se ao salário na sua natureza alimentar. Essa verba corresponde à contraprestação do trabalho desempenhado pelo profissional liberal, assim como o salário para o empregado e os vencimentos para o funcionário público. Os advogados vivem dos honorários que recebem. Não há como se fugir dessa realidade.

É inadmissível que se pretenda dar uma interpretação restritiva ao artigo n°. 100, § 1º A da Constituição Federal e com isso modificar a realidade. Os honorários de advogado sempre terão natureza alimentar.

O Estatuto da OAB prevê que "os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado", estabelecendo no artigo n°. 24 que:

"Art. n°. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial."

A Lei nº. 8.906/94 (clique aqui) atribui aos honorários advocatícios a categoria de crédito privilegiado, ante a sua induvidosa natureza alimentar.

A matéria já foi examinada pelo Supremo Tribunal Federal que, ao julgar o Recurso Extraordinário nº. 146.318-0 - SP1, proferiu acórdão assim ementado:

"Constitucional. Precatório. Pagamento na forma do art. n°. 33, Adct. Honorários Advocatícios e Periciais: Caráter Alimentar. Adct, art. n°. 33.

I. Os honorários advocatícios e periciais têm natureza alimentar. Por isso, excluem-se da forma de pagamento preconizada no art. n°. 33, ADCT.

II. R.E. não conhecido."

Posteriormente, ao julgar o Recurso Extraordinário nº. 170.220-6 - SP - em que foi relator o Ministro Marco Aurélio - esse entendimento foi reafirmado:

"Honorários Advocatícios - Natureza - Execução contra a Fazenda.

A teor do disposto nos artigos n°. 22 e 23 da Lei nº. 8.906/94, os honorários advocatícios, incluídos na condenação, pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia, cuja satisfação pela Fazenda ocorre via Precatório, observada ordem especial restrita aos créditos de natureza alimentícia."2

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também reconhece a natureza alimentar dos honorários de advogado. Porém, em alguns precedentes, tem realizado uma distinção incabível e afirmado que os honorários decorrentes da sucumbência não teriam essa natureza.

Os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência têm sim natureza alimentar. Nada os difere dos honorários advocatícios decorrentes de contrato. Ambos servem para prover o sustento dos advogados.

O caráter aleatório dos honorários decorrentes da sucumbência não retira dessa verba a sua natureza alimentar. Aliás, nesse ponto é importante ressaltar que grande parte dos advogados brasileiros vive unicamente dos valores auferidos com honorários decorrentes da sucumbência. Nesse imenso e pobre Brasil não são poucos os contratos nos quais se encontra previsto que a remuneração do advogado dependerá do êxito da demanda. O Código de Ética e Disciplina da OAB regulam expressamente esse tipo de contratação. Não é o fato de vincular-se a remuneração do advogado ao sucesso da demanda que retira dos honorários o caráter alimentar. Em alguns processos, principalmente quando patrocina a defesa dos mais humildes, o advogado somente recebe honorários se os pedidos que formular vierem a ser acolhidos. É inadmissível, por esse argumento, que se negue a natureza alimentar dos honorários de advogado.

O segundo argumento utilizado para negar a natureza alimentar dos honorários devidos em razão da sucumbência (art. n°. 20 do CPC - clique aqui -) foi o da inexistência de relação de subordinação entre o advogado e parte sucumbente, que resultasse na possibilidade de exigência da honorária como prestação de caráter alimentício. Esse argumento - com a devida vênia - também é inconsistente. A inexistência de subordinação entre o advogado e a parte sucumbente serve apenas para demonstrar que não existe vínculo de emprego entre eles. Aliás, em regra, em se tratando de profissional liberal, não há vínculo de emprego nem mesmo entre o advogado e seu cliente. Porém, não é isso que retira a natureza alimentar dos honorários. O que caracteriza os honorários advocatícios como verba de natureza alimentar é a destinação dada a esses recursos, que é uma só: prover o sustento dos advogados.

Forte em tais considerações - e nos precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria - é de que entendemos que, na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, deverá prevalecer o entendimento que reconhece a natureza alimentar dos honorários decorrentes da sucumbência.

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1 RE 146.318-0, STF, Rel. Min. Carlos Velloso DJ 4.4.97, p. 10537

2 Recurso Extraordinário nº. 170.220-6, STF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO DJ 7.8.98, p. 41

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*Conselheiro Federal da OABl e advogado do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados










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