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Mandado de segurança: turma recursal

Mandado de segurança é uma ação constitucional de natureza civil destinada a proteger direito individual ou coletivo, líquido e certo, originado de ato ilegal, praticado com abuso de poder, por qualquer autoridade.

quinta-feira, 3 de junho de 2004

Atualizado em 27 de maio de 2004 08:18

Mandado de segurança: turma recursal


Antonio Pessoa Cardoso*



Mandado de segurança é uma ação constitucional de natureza civil destinada a proteger direito individual ou coletivo, líquido e certo, originado de ato ilegal, praticado com abuso de poder, por qualquer autoridade.

Os tratadistas ensinam que o mandado de segurança tem por objetivo precípuo atingir atos do Estado, implícito a idéia de Poder Executivo. Dizem que raramente se concebe o mandado de segurança para vulnerar atos do Legislativo ou do Judiciário.

Nenhum dos outros poderes são submetidos a tantos controles quanto o Judiciário; há reexame para todos os atos praticados pelo julgador; fala-se que cada decisão pode sofrer em torno de cinqüenta (50) recursos.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que "não cabe mandado de segurança, contra ato judicial para substituir recurso de que não se utilizou o recorrente". Então o "writ" sujeita-se a algumas condições para ser usado contra decisões dos juizes.

Se o cabimento do mandamus contra atos judiciais é excepcional, menos vulgar será para corrigir soluções oferecidas pelos juizes nos juizados especiais, criados muito tempo depois da Lei 1.533/51, quando nem se imaginava no avanço da informática no Judiciário, portanto na agilidade dos julgamentos.

É inadequada a tramitação de um processo, cujas características situam-se exatamente na ampla documentação exigida, na formalidade, na complexidade, traços inadmissíveis nos juizados especiais, destacados exatamente pelo inverso, ou seja, pouca documentação nos autos, informalidade, simplicidade e oralidade.

A admissão do mandado de segurança no juizado equipara-se ao uso de um míssil para matar um pardal.

Em decisão sobre conflito de competência entre o Juizado Especial de Relações de Consumo e o Tribunal de Alçada de Belo Horizonte para processar e julgar mandado de segurança decidiu o STJ:

"MANDADO DE SEGURANÇA. JUIZADO ESPECIAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. COMPETÊNCIA RECURSAL."

"A boa compreensão do processo dos juizados especiais depende, de um lado, do conhecimento das peculiaridades dos seus atos e do seu procedimento e, de outro, da fórmula inovadora das relações que ali se instauram entre o Estado e os sujeitos em conflito (nova configuração da relação jurídica processual)."

"Compete à Turma Recursal do Juizado Especial processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato praticado por um dos Juizes do Juizado Especial da Comarca de Belo Horizonte. Precedentes do STJ".

Adiante, no voto, o relator ministro Ari Pargendler diz:

"Salvo melhor juízo, a competência para processar e julgar o mandado de segurança, aí compreendido o poder de declarar a inviabilidade do mandado de segurança, é da Turma Recursal, e não do Tribunal de Justiça, ou onde houver, do Tribunal de Alçada. (CC 38.190, STJ, publicado em 19/05/03, DJ1, pág. 120). (Grifo nosso)".

A importância deste voto assenta-se na compreensão de que "o poder de declarar a inviabilidade do mandado de segurança" é da turma recursal. A expressão usada pelo Ministro vaticinou a confusão proporcionada pelo requintado "remédio", porque incondizente com o modesto perfil do sistema desburocratizante. Registre-se que mais de noventa por cento (90%) dos casos de mandado de segurança nos juizados destinam-se à revisão de liminares ou despachos interlocutórios, em substituição ao recurso de agravo de instrumento, não permitido pela lei.

Já se disse que a essência do processo de mandado de segurança está na condição de ser um processo de documentos e exigir prova pré-constituída. Quem se serve desse processo tem a obrigação de fazer a prova de modo insofismável, juntando todos os documentos para tornar evidente o direito violado, já na fase inicial, porque é a única oportunidade que se dispõe para este fim. Imagine-se que no juizado a parte pode iniciar o processo sem documento algum!

Os critérios orientadores dos juizados especiais, expressos no art. 2o, Lei 9.099/95, anunciam a absoluta incompatibilidade de procedimentos. Enquanto a Lei 9.099/95 impede o processamento e julgamento de causas complexas, artigo 3o, a ação de mandado de segurança encerra enorme complexidade, constituída por muitos elementos para o juiz trabalhar: farta documentação, muitos participantes no processo, autoridade coatora, Estado, litisconsorte, outro juiz para prestar informações, Ministério Público, além de conceitos controversos para expressões como direito líquido e certo, etc.

O argumento de que o mandado de segurança é matéria constitucional com rito próprio que deve ser observado sem preocupação com o procedimento da Lei 9.099/95 não se sustenta. Embasa-se para esta afirmação na decisão de matéria semelhante, recurso especial também contemplado pela Constituição, na qual o STJ definiu como incabível:

"Não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competência, por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais".

Entendeu-se, através da súmula 203, que, por falta de lei, as decisões das turmas recursais, que contrariam a jurisprudência do STJ, não comportam o recurso especial, apesar de contemplado na Constituição Federal, inciso III, artigo 105.

Assim também com o mandado de segurança, por falta de lei, as decisões ilegais dos juizados especiais, não comportam o mandamus. Se praticada ilegalidade deve ser combatida por meio informal, simples e sem a complexidade do mandado de segurança. Será que o médico vai tratar o paciente gripado através de uma cirurgia?

Há muita desarmonia entre os procedimentos da ação de mandado de segurança e a reclamação, a exemplo, da conciliação, etapa fundamental no sistema informal, artigo 16 Lei 9.099/95; a apresentação do pedido oral à Secretaria, artigo 14; a simplicidade e o linguajar acessível da inicial, exigindo apenas o nome, qualificação e endereço das partes; a forma sucinta anunciada para exposição dos fatos e dos fundamentos; o objeto e seu valor; a desnecessidade de qualquer documentação junto com a peça vestibular, parágrafo 1o, artigo 14. Tudo isto ofende as solenidades adotadas pelo processo eminentemente documental de mandado de segurança, criado em 1951, para uso num sistema moderno, instituído em 1984.

Ademais, a competência dos juizados especiais está restrita à conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e a competência das turmas recursais, compostas de juizes de primeiro grau, limita-se ao julgamento de recurso das decisões dos juizes dos juizados especiais, inciso I, artigo 98 da Constituição.

A Lei 9.099/95, artigo 41, e a Constituição, inciso I, artigo 98, não outorgam competência à turma recursal para processar ação originária, (mandado de segurança), porque criada somente para apreciar recurso da sentença.

Aliás, a Lei n. 10.259/2001, que criou os juizados especiais federais, para evitar a confusão reinante nos juizados estaduais, obedecendo a preceito constitucional, excluiu expressamente de sua competência o processamento do mandado de segurança, artigo 3o, inciso I, parágrafo 1o.

Não há lei que estende a competência da turma recursal além do reexame da sentença e muito menos para processar ação originária.

Aliás, neste sentido o STJ decidiu pela incompetência dos tribunais de justiça para rever decisões das turmas recursais exatamente porque não há lei:

"Juizado Especial Cível. Mandado de Segurança. Tribunal de Justiça. Inexiste lei atribuindo ao Tribunal de Justiça competência para julgar mandado de segurança contra ato da Turma Recursal do Juizado Especial Cível. Recurso improvido. (STJ. Quarta Turma, ROMS 10357/RJ de 1/7/1999, Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar)."

Ora, se os tribunais são incompetentes para apreciar mandado de segurança de atos praticados pelos juizes dos juizados especiais, porque não há lei neste sentido, com mais razão e pelo mesmo motivo, a turma recursal não pode receber e processar a ação mandamental, visto que a Constituição estabelece sua competência restrita ao julgamento de recursos das decisões dos seus juizes, inciso I, artigo 98.

A Lei 9.099/95, artigo 41, na esteira da determinação constitucional, fixa a competência única da Turma Recursal, consistente no julgamento de recursos das sentenças dos juizes. Não é implícita, mas explícita a norma no sentido de impedir que os juizes que compõem as turmas recursais possam receber e julgar qualquer ação originária, ainda mais a ação de mandado de segurança, de extrema formalidade, em completa oposição à informalidade dos juizados.

A tramitação da ação originária, mandado de segurança, na turma recursal fere o princípio do duplo grau de jurisdição, porque obstado o reexame. Aliás, o parágrafo único, artigo 12 da Lei 1.533/51, refere-se à sentença, denominação da decisão do juiz singular e não da decisão da turma recursal que emite acórdão.

Dentro deste raciocínio e admitido a competência das turmas recursais para processar a ação de mandado de segurança não se sabe qual o recurso a usar e a quem dirigir sobre o indeferimento da inicial, parágrafo único, art. 8o Lei 1.533/51; sobre a concessão ou não da liminar pelo relator, inciso II, art. 7o e sobre a decisão final pelos juizes que compõem a turma recursal, art. 12.

Relembra-se que o duplo grau de jurisdição é matéria constitucional e a tramitação do mandado de segurança no juizado especial viola este princípio, além de tumultuar uma justiça criada com a finalidade maior de celeridade. O mandado de segurança evita a agilidade mais duramente do que os recursos na justiça comum.

O processamento da ação de mandado de segurança oferece competência singular às turmas recursais, porque qualquer decisão não será submetida a reexame de ninguém; prevalece a decisão certa ou errada proferida pelo relator e mantida pela turma; nenhum juiz, nenhum tribunal do País possui tão extensa competência. Torna ainda incabível a apreciação de liminar pelo Presidente do Tribunal, art. 4o, da Lei 4.348/64, assim como o agravo de instrumento, art. 13 Lei 1.533/51.

A competência da turma recursal para processar o mandado de segurança contra atos ilegais dos juizes dos juizados e incompetência para receber o mandado de segurança contra atos ilegais praticados por outras autoridades que não os juizes dos juizados, parágrafo 1o, artigo 1o da Lei 1.533/51, é casuísmo inadequado no Judiciário, farto no Executivo e Legislativo. O juizado é, ou, não é competente para aplicar a Lei 1.533/51. Não pode e não deve aplicá-la pela metade ou somente naquilo que interessa aos casuístas.

O mandado de segurança só passou a ser requerido no juizado depois que os juizes entenderam competentes para conceder ou negar liminares nas reclamações, apesar da impossibilidade dessa apreciação, porque o procedimento adotado pela Lei 9.099/95 não admite conclusão dos autos ao juiz, antes da conciliação, para eventual decisão interlocutória; o desvio do caminho profana os princípios da concentração e da celeridade. Há de se conscientizar que o juiz, no juizado, é personagem que só aparece para instruir e decidir a ação, ainda assim onde não tem juizes leigos; as etapas anteriores estão a cargo de outros profissionais.

A eventual concessão de liminar no juizado é medida provisória que pode ser modificada ou suspensa a qualquer momento, assim que solicitada; necessariamente será reexaminada na instrução do processo, nos próximos trinta dias, artigos 16, parágrafo único, e 27; com a sentença, art. 28, Lei 9.099/95.

 

De outra forma, o juiz, com perfil para o novo sistema, que concede liminar, tem a obrigação mínima de decidir a causa imediatamente, provocando, se houver atraso, intervenção dos órgãos superiores, que já deviam ter expedido ato exigindo prioridade para as reclamações sob efeito de liminar.

Admitida a tutela, incluída aí, grosso modo, o mandado de segurança, sem sombra de dúvida, o procedimento sumaríssimo do juizado especial, será mais lento que o sumário e mesmo mais moroso que o procedimento ordinário, praticado pela justiça comum, exatamente por causa da burocratização e da irritante formalidade processual que se impinge.

O agravo, recurso contra despachos interlocutórios no procedimento sumário e ordinário, não exige litisconsorte para seu processamento, não reclama manifestação do parquet, e muito menos informações do juiz, providências indispensáveis no mandado de segurança.

O legislador instituiu a turma recursal, "na sede do juizado", parágrafo 1o, artigo 41, Lei 9.099/95, para alicerçar a cidadania e a efetividade do processo. Não se compreende como as decisões simples dos juizados possam ser submetidas ao intricado processo de mandado de segurança.

A liminar de mandado de segurança, no juizado, é praticamente satisfativa, e não há diferença entre sua concessão e a apreciação do mérito, quando se confirma ou se julga prejudicado o "writ", porque a decisão da reclamação acontece antes da segurança. Registre-se que as decisões interlocutórias, na justiça trabalhista, art. 893, parágrafo 1o CLT, são irrecorríveis, e nem por isto o mandado de segurança é usado.

E mais: o mandado de segurança foi criado para questionar atos ilegais praticados por autoridade pública, que são "os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do Poder Público," parágrafo 1o, artigo 1o, Lei 1.533/51. As pessoas jurídicas de direito público não podem figurar como parte nos juizados especiais, artigos 3o, parágrafo 2o e 8o, da Lei 9.099/95; somente pessoa física pode requerer no juizado, parágrafo 1o, artigo 8o. Os litisconsortes, no mandado de segurança, são pessoas jurídicas. Como aconchegar a desarmonia do processamento da ação de mandado de segurança contra atos ilegais praticados por autoridade pública, Lei 1.533/51, e a competência para dirimir conflitos requeridos somente por pessoa física, Lei 9.099/95?

No juizado, laboratório para agilização da justiça, deve-se buscar novas experiências para agilizar o julgamento, mas nunca admitir intervenções estranhas e incompatíveis com o sistema, capazes de perenizar o processo sem definição alguma.

Procura-se combater a ilegalidade de um lado, segurança para rever decisão do juiz do juizado, e permite-se ilegalidade irreparável, qual seja, a liminar e a decisão do mandado de segurança sem recurso.

Os tribunais já definiram que os órgãos de segundo grau dos juizados especiais, as turmas recursais, não podem ser consideradas como tribunais dos Estados. (STJ ROMS 7437/RS 96/0042918-9).

Ao invés do formal mandado de segurança, sugere-se a informal reclamação à turma recursal para reparar ilegalidades praticadas pelos juizes dos juizados. É menos agressivo às leis 9.099/95 e 1.533/51, e contribuirá para a celeridade no micro-sistema, diferente do mandado de segurança, responsável pela lerdeza de todas as reclamações submetidas ao seu crivo; além de tudo a reclamação é recurso, e não ação originária como o mandado de segurança e previsto nas leis de organização judiciária e nos regimentos internos dos tribunais.

Enfim, se não são válidos os fundamentos jurídicos para impedir o processamento da ação originária, mandado de segurança, num órgão que tem competência exclusiva para apreciar recurso, turma recursal, há de ser evitada a contaminação das velhas práticas processuais que só criam vantagens para o esperto e caloteiro, que se inebria com a expressão vá procurar seus direitos, porque sabem que nunca chegam. No juizado há de prevalecer a outra expressão eu te processo.
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* Juiz em Salvador





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