Sociedade entre cônjuges
A sociedade entre marido e mulher não era contemplada no Código Civil de 1916, passando a ser regulada no atual em um único artigo. Desde que o novo código entrou em vigor, muita discussão já foi travada em torno deste assunto.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Atualizado em 8 de novembro de 2007 08:14
Sociedade entre cônjuges
Carlos Augusto Moreira Filho*
A sociedade entre marido e mulher não era contemplada no Código Civil de 1916 (clique aqui), passando a ser regulada no atual em um único artigo. Desde que o novo código entrou em vigor, muita discussão já foi travada em torno deste assunto.
O art. n°. 977 do C. Civil (clique aqui) dispõe: "Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória".
Tal dispositivo, que não existia no Código de 1916, está inserido no Livro II - Do Direito de Empresa, Título I - Do Empresário, Capítulo II - Da Capacidade. Por se tratar de matéria de interesse geral, aplica-se a todas as sociedades cuja natureza seja contratual, ou seja, aos tipos societários regulados no C. Civil, exceção feita às sociedades em comandita por ações, as quais são regidas pelas normas das sociedades anônimas, sem prejuízo das modificações constantes dos artigos n°.
Logo após o início da vigência do novo código, algumas Juntas Comerciais passaram a exigir que, no preâmbulo do Contrato Social, além do estado civil, constasse também o regime de bens se casado fosse o contratante. No rol constante do art. n°. 997 não consta tal exigência e a Junta Comercial do Estado de São Paulo, buscando uniformizar critérios de julgamento, emitiu o Enunciado nº. 29, referente ao preâmbulo dos contratos constitutivos, que tem o seguinte teor: "No preâmbulo do instrumento não será exigido o regime de bens na qualificação dos sócios"
Resolvido este aspecto, voltemos ao princípio: a quais sociedades é aplicável o preceito do art. n°. 977? Tenho para mim que aplica-se apenas às sociedades disciplinadas pelo C. Civil, pois todas elas são, exceto as sociedades em comandita por ações e as sociedades anônimas (estas regidas por lei específica), sociedades contratuais que têm origem num Contrato de Constituição assinado pelos sócios, contendo, além das cláusulas estipuladas pelas partes contratantes, aquelas relacionadas no art. n°. 997. Assim, aplica-se a restrição do regime de bens às sociedades personificadas, ou seja, sociedades simples, em nome coletivo, em comandita simples e sociedades limitadas.
E nas sociedades anônimas? Este tipo societário não tem natureza contratual, regendo-se pelo seu Estatuto Social e pela Lei das Sociedades Anônimas - LSA - (Lei nº. 6.404/76 - clique aqui -), . A LSA não contém dispositivo que se assemelhe ao art. n°. 977 do C. Civil. Estariam, então, os acionistas de uma sociedade anônima subordinados a esse dispositivo?
Parece-me que a resposta é negativa. Com efeito, o art. n°. 1.089 do C. Civil estabelece: "A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código." Em princípio, portanto, estando subordinada a lei especial, a sociedade anônima estará fora do alcance do art. n°. 977 do C. Civil.
O art. n°. 1.053 dispõe que a sociedade limitada rege-se, nas omissões do capítulo em que está regulamentada, pelas normas da sociedade simples. E o parágrafo único desse dispositivo estatui que o contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. Com relação às limitadas, portanto, nenhuma dúvida permanece: se o contrato for silente, suas omissões serão supridas pelas normas das sociedades simples, mas se os sócios preferirem, poderão pactuar a regência supletiva das sociedades anônimas, afastando assim a aplicação das normas da sociedade simples.
O que dizer, entretanto, sobre os "casos omissos" a que se refere o art. n°. 1.089? As sociedades anônimas são reguladas pela Lei nº. 6.404, de 15.12.76 e suas modificações posteriores, a última das quais ocorreu por meio da Lei nº. 10.303, de 31.10.2001 (clique aqui). O próprio C. Civil dá à lei especial uma enorme importância, pois esta tem um conteúdo mais completo, além de ser mais específica. Alguns autores acham mesmo que o C. Civil é norma supletiva em relação à LSA. O próprio art. n°. 2.037 confirma esse entendimento. E como as regras gerais de direito societário, com o advento do C. Civil de 2002, são as normas que regem as sociedades simples, segue-se que essas normas têm caráter supletivo para as sociedades anônimas, por força do art. n°.1.089 do C. Civil.
Aliás, o art. n°. 986, ao excluir expressamente as sociedades anônimas em organização, da conceituação de sociedade em comum (não personificada), confirma que, enquanto não forem levados a registro os atos constitutivos das demais sociedades, aplicar-se-ão a estas, subsidiariamente, as normas das sociedades simples.
Dessa forma, entendo que o art. n°. 977 do C. Civil, embora inteiramente aplicável às sociedades contratuais, não tem aplicação prática nas sociedades anônimas, uma vez que o ingresso de acionistas no quadro social independe da assinatura de alteração contratual, bastando simplesmente a assinatura do termo de transferência correspondente às ações adquiridas no livro de Transferência de Ações Nominativas e o registro do nome do novo titular no livro de Registro de Ações Nominativas. Em nenhum desses livros se perquire sobre o estado civil do adquirente, nem sobre o regime de bens, se casado for.
O ingresso de acionistas casados entre si em sociedade anônima fechada,
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*Advogado do escritório Mattos, Muriel, Kestener Advogados
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