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A responsabilidade dos administradores perante a Lei de Defesa da Concorrência e o Programa de Preve

Maria Cecília Andrade, Caroline Sanselme Vieira e Ricardo Ferreira Pastore

O objetivo deste trabalho é despertar a atenção das empresas brasileiras e seus administradores a respeito de práticas comerciais que, a depender da estrutura do mercado e da posição ocupada pela empresa, podem vir a ser enquadradas no âmbito de aplicabilidade da Lei nº 8.884/94 ("Lei de Defesa da Concorrência") e demais legislações correlatas.

sexta-feira, 28 de maio de 2004

Atualizado em 25 de maio de 2004 10:11

 

A responsabilidade dos administradores perante a Lei de Defesa da Concorrência e o Programa de Prevenção de Infrações à Ordem Econômica - "Iso Antitruste"

 

Maria Cecília Andrade

 

Caroline Sanselme Vieira

 

Ricardo Ferreira Pastore*

 

Introdução

 

O objetivo deste trabalho é despertar a atenção das empresas brasileiras e seus administradores a respeito de práticas comerciais que, a depender da estrutura do mercado e da posição ocupada pela empresa, podem vir a ser enquadradas no âmbito de aplicabilidade da Lei nº 8.884/94 ("Lei de Defesa da Concorrência") e demais legislações correlatas.

 

Cada vez se torna mais importante que os administradores de qualquer empresa conheçam suas responsabilidades perante o mercado e a coletividade, sob a perspectiva antitruste, adotando procedimentos internos de prevenção.

 

Penalidades às quais os Administradores estão Sujeitos

 

O artigo 20 da Lei nº 8.884/94 estabelece que constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

- limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

- dominar mercado relevante de bens ou serviços;

- aumentar arbitrariamente os lucros; e

- exercer de forma abusiva posição dominante.

O artigo 21 da mesma lei apresenta, de forma meramente exemplificativa, algumas práticas comerciais que podem ser consideradas como anticompetitivas:

- Cartel: acordos com concorrentes para fixação de preço ou condições de venda;

- Obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre os concorrentes;

- Divisão de mercados de serviços ou produtos;

- Limitar ou impedir o acesso de novas empresas no mercado;

- Criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor ou de cliente;

- Combinar previamente preços ou ajustar vantagens em concorrência pública ou administrativa;

- Imposição de condições de revenda para distribuidores;

- Política discriminatória de preços ou condições de venda;

- Dificultar/romper relações comerciais de prazo indeterminado, em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e/ou condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;

- Recusa de venda;

- Venda predatória;

- Venda casada; e

- Imposição de preços excessivos.

O Administrador poderá ser pessoalmente responsabilizado pelas infrações acima, as quais, uma vez configuradas, implicarão responsabilidade objetiva, ou seja, independente de culpa, ficando ele sujeito ao pagamento de multa, que poderá variar entre 10 e 50% da multa aplicada à empresa1.

 

As condutas acima listadas, além de ilícito administrativo, podem também configurar crime contra a ordem econômica, conforme previsto na Lei nº 8.137/90, sujeitando o administrador à pena de reclusão de 2 a 5 anos ou multa.

 

O Processo e os Poderes de Investigação dos Órgãos de Defesa da Concorrência

 

A investigação de infração à ordem econômica é feita pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça ("SDE")2 mediante a instauração de averiguações preliminares. Se a conclusão da investigação for que existem indícios de infração é instaurado um processo administrativo com objetivo de verificar se aqueles indícios constituem de fato infração à ordem econômica.

 

Qualquer pessoa poderá iniciar uma averiguação preliminar, seja ela pessoa física ou jurídica, através de denúncia e/ou representação escrita à SDE. Além disso, a SDE poderá instaurar investigação de ofício, como por exemplo, em razão de um noticiário de imprensa. Vale observar que a representação feita por Comissão do Congresso Nacional, ou de qualquer de suas Casas, independe de averiguações preliminares, sendo o processo administrativo instaurado de imediato.

 

Em qualquer caso, devem ser observados o devido processo legal e as garantias constitucionais de ampla defesa e do contraditório.

 

Outro aspecto importante a ser ressaltado é que os poderes de investigação da SDE foram bastante ampliados em 2000, mediante alterações na Lei de Defesa da Concorrência3, regulamentadas pela Portaria nº 849/00 do Ministério da Justiça.

Nos termos desses dispositivos, a SDE tem poderes para: colher depoimento do representado; ouvir testemunhas; solicitar documentos ou esclarecimentos de quaisquer pessoas; determinar a realização de levantamentos contábeis, perícias técnicas, auditorias, bem como a realização de inspeção na sede social, estabelecimento, escritório, filial ou sucursal de empresa investigada, sendo que essa inspeção poderá abranger estoques, objetos, papéis de qualquer natureza, livros comerciais, computadores e arquivos magnéticos, podendo-se extrair ou requisitar cópias de quaisquer documentos ou dados eletrônicos.

 

A SDE poderá, ainda, requerer ao Poder Judiciário mandado de busca e apreensão de objetos, papéis de qualquer natureza, assim como de livros comerciais, computadores e arquivos magnéticos de empresa ou pessoa física.

 

Vale observar que a referida Portaria aplica-se não só às empresas e pessoas físicas investigadas, mas também a terceiros que de alguma forma possam colaborar para a elucidação da infração à ordem econômica.

 

Além disso, os órgãos de defesa da concorrência firmaram Acordos de Cooperação com a Polícia Federal, Ministério Público Federal e Ministérios Públicos Estaduais, que vêm trabalhando em conjunto em diversos casos, a exemplo do cartel dos postos de gasolina no estado de Santa Catarina (já objeto de decisão final do CADE), e mais recentemente nas investigações por alegada prática de cartel nos casos do mercado de britas do Estado de São Paulo e no segmento de produção e comercialização de gás industrial e medicinal.

 

Programas Preventivos

 

Além do assessoramento de profissionais especializados, é recomendável a adoção de programas preventivos, especialmente no caso daquelas empresas que detêm algum poder de mercado e/ou market share elevado. Tais programas, direcionados especialmente às forças de vendas e marketing, têm por objetivo conscientizar os profissionais da empresa para a ilicitude de determinadas práticas, tais como:

-Discutir preços com concorrente;

-Estabelecer acordos de divisão territorial com concorrente;

-Estabelecer acordos com concorrente visando obstruir ou impedir o desenvolvimento de atividades de outra empresa no mercado;

-Prática de preços predatórios;

-Promover venda casada;

-Exigir exclusividade;

-Fixar e obrigar a prática de preços pelos seus distribuidores e revendedores.

Outras práticas comerciais, apesar de fazerem parte do dia-a-dia das atividades das empresas, também devem ser objeto de atenção especial, tais como:

-Participação em Associações de Classe; e

-Qualquer forma de comunicação entre a empresa e outros operadores econômicos o mercado (clientes, fornecedores, distribuidores, representantes comerciais).

O fundamental é estabelecer uma política comercial transparente e objetiva, evitando situações que possam ser objeto de questionamento do ponto de vista antitruste. Todavia, para que um programa preventivo seja eficaz, é indispensável que seja elaborado especificamente para a empresa, ou seja, cada programa é único, pois deverá estar de acordo com as práticas comerciais adotadas pela empresa, levando ainda em consideração o mercado e o seu setor de atuação.

 

Programa de Prevenção de Infrações à Ordem Econômica - PPI

 

Em 9.3.2004 a SDE publicou a Portaria nº 14 ("Portaria 14/04") que instituiu o Programa de Prevenção de Infrações à Ordem Econômica ("PPI").

 

O PPI visa a implantação de um sistema interno de prevenção de infrações contra a ordem econômica, em todos os níveis hierárquicos dentro das empresas. Esse sistema poderá incluir, dentre outras medidas, o treinamento de funcionários, auditorias internas, distribuição de cartilhas explicativas sobre a Lei de Defesa da Concorrência e elaboração de Código de Conduta Concorrencial.

 

O PPI nada mais é que a formalização dos programas de Compliance já adotados por diversas empresas no mercado. A novidade é a possibilidade de que se esse programa estiver em conformidade com as diretrizes legais e for aprovado pela SDE, a empresa receberá um "selo de qualidade", que vem sendo chamado de "Selo Iso Antitruste".

 

A Portaria 14/04 estabelece que uma vez depositado o PPI na SDE, e preenchendo a empresa os requisitos legais, será emitido um Certificado que terá validade de 2 anos, podendo ser renovado por períodos iguais. Este Certificado irá atestar que o depositante possui um Programa de Prevenção de Infrações à Ordem Econômica efetivo, e que possui diretrizes em sua administração que visam à promoção da cultura da concorrência e um ambiente competitivo no mercado em que atua.

 

A importância da adoção de um programa dessa natureza está nos efeitos positivos que poderá trazer não apenas para a empresa, mas para a manutenção da competitividade no mercado, o que deverá gerar benefícios para a coletividade como um todo. É importante lembrar que a certificação concedida pelo governo assegura a presunção de eficiência do Programa e licitude das atividades daquela empresa. Ademais, conforme previsto na Portaria 14/04, o Selo Iso Antitruste é fator atenuante de eventuais penalidades impostas no âmbito de processos administrativos às empresas e seus administradores; e conseqüentemente, resulta na diminuição dos custos de defesa em processos administrativos e/ou ações judiciais.

 

Outro aspecto relevante a ser destacado é o aspecto promocional que este Certificado poderá assumir. Em outras palavras, a empresa que se adequar às exigências da Portaria 14/04 passa a deter uma imagem positiva perante os órgãos de defesa da concorrência, considerando que, em princípio, as suas práticas comerciais estão em conformidade com o ordenamento antitruste. Este aspecto pode se revelar ainda mais importante para as empresas de capital aberto que têm suas ações negociadas em Bolsa de Valores, pois tal Certificado poderá contribuir para a sua valorização perante os investidores.

 

Conclusões

 

No mundo inteiro vem sendo discutida a importância do combate aos cartéis e outras infrações à ordem econômica em decorrência de abuso de poder econômico, seguindo diretrizes de organismos internacionais, a exemplo da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico ("OCDE"), da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento ("UNCTAD"), da International Competition Network ("ICN") e da Organização Mundial do Comércio("OMC"). A Portaria 14/04 foi elaborada em conformidade com tais diretrizes de promoção da cultura da concorrência, a chamada competition advocacy.

 

Assim, a adoção de Programas de Prevenção de Infrações à Ordem Econômica passa a entrar na agenda de prioridades das empresas e seus administradores que, vale lembrar mais uma vez, respondem civil e criminalmente por ilícitos de natureza concorrencial.

 

Seguindo a demanda deste novo mercado, o escritório Pinheiro Neto já se encontra estruturado para o assessoramento de empresas ou associações que tenham interesse em desenvolver um PPI e obter a sua certificação junto à SDE, inserindo-as dentro do conceito de boa conduta concorrencial, que vem sendo adotado mundialmente.

 

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1A empresa ou grupo econômico que incorre em alguma destas práticas está sujeita ao pagamento de multa, que poderá variar entre 1 e 30% do valor do faturamento bruto no último exercício.

2Importante ressaltar que a Lei nº 8.884/94 instituiu como competência da SDE a investigação de infrações à ordem econômica, mas tais poderes também podem ser exercidos pela SEAE, nos termos do artigo 35-A § 1º.

3Vide Lei nº 10149/2000.

 

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*Advogados do Pinheiro Neto Advogados

 

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

 

© 2004. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS

 

 

 

 

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