O discurso oco e a retórica do medo, incerteza e dúvida
Os estudiosos e os interessados nas questões jurídicas envolvendo o Direito e a Internet, principalmente os iniciantes, devem ficar atentos para duas abomináveis práticas: o discurso oco e a retórica do medo, incerteza e dúvida (FUD).
quinta-feira, 11 de outubro de 2007
Atualizado em 10 de outubro de 2007 11:07
O discurso oco e a retórica do medo, incerteza e dúvida
Marcel Leonardi*
Os estudiosos e os interessados nas questões jurídicas envolvendo o Direito e a Internet, principalmente os iniciantes, devem ficar atentos para duas abomináveis práticas: o discurso oco e a retórica do medo, incerteza e dúvida (FUD).
O discurso oco é caracterizado pela ausência de qualquer contribuição efetiva para o estudo de um tema. Adota um tom jornalístico e não enfrenta as principais questões propostas, apesar de trazer citações, technobabble e estatísticas a granel - muitas vezes, de duvidosa utilidade. Costuma terminar com uma variante do clichê "estas são apenas algumas breves linhas traçadas sobre este fascinante tema, buscando fomentar o debate, sendo necessário aguardar a sedimentação jurisprudencial para uma melhor análise do assunto".
Já a retórica FUD consiste, essencialmente, na abordagem de um assunto com grande alarde, em tom vago, emergencial e negativo, que também não contribui para o estudo de um tema, nem enfrenta as questões principais. Limita-se a levantar problemas, invariavelmente urgentes, para vender soluções imediatas.
A junção do discurso oco e da retórica FUD representa uma óbvia estratégia comercial: "contratem meus serviços, porque só eu sei como solucionar esses problemas". Funciona bem com desavisados e com aqueles que ainda ficam deslumbrados com apresentações de slides recheadas de efeitos especiais. Trata-se, porém, de puro marketing jurídico, verdadeiro snake oil, que não resiste a uma análise acadêmica séria.
Os adeptos do discurso oco e da retórica FUD costumam, também, adotar uma prática ridícula e lamentável: omitem certas informações "estratégicas" em aulas, palestras, e até mesmo em artigos e publicações supostamente acadêmicos. Acreditam, com isso, preservar sua "vantagem competitiva".
O exemplo mais comum é a citação de jurisprudência sem dados elementares: órgão julgador, número do acórdão ou sentença, data do julgamento e afins, com a intenção de dificultar ou impossibilitar o acesso à íntegra da decisão.
Ora, qualquer pesquisador sério sabe a importância da indicação correta e completa das fontes. A citação de trechos de acórdãos e sentenças exige, no mínimo, a indicação do número da decisão e do órgão julgador, para que se possa conferir a existência e a íntegra do julgado. Isso é o óbvio ululante: não há trabalho acadêmico sério, nem recurso aos tribunais superiores, que possa ser aceito omitindo suas fontes.
E, no entanto, o contrário tem ocorrido. Já me deparei com artigos pretensamente acadêmicos - escritos por auto-intitulados especialistas em direito eletrônico/digital, publicados em web sites, livros e revistas que se acreditam sérios - que chegam ao cúmulo de trazer ementas truncadas, desprovidas de informações básicas. Não indicam número algum; algumas omitem até mesmo o órgão julgador. Percebe-se claramente que há um meticuloso trabalho de remoção das informações que permitiriam a localização da decisão.
Se os autores desses "artigos" são os culpados principais, conselhos editoriais e editoras jurídicas são seus cúmplices. Motivados por interesses políticos ou financeiros, aceitam publicar textos medíocres que seguem essa abominável fórmula: alarde sobre determinado assunto, narrativa jornalística, estatísticas de duvidosa utilidade, pouco ou nenhum aprofundamento das questões relevantes e omissão de dados que permitiriam localizar as poucas decisões citadas. Falta-lhes a coragem, ou o interesse, de rejeitar um "autor" conhecido, por pior que seja o artigo apresentado.
Faço, assim, meu alerta aos leitores: se quiserem estudar, de fato, questões jurídicas envolvendo o Direito e a Internet, fujam do discurso oco e da retórica do medo, incerteza e dúvida. Seus adeptos não querem compartilhar conhecimento nem produzir doutrina séria e de qualidade: seu negócio é marketing pessoal e jurídico.
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*Professor da GVLaw - Programa de Especialização e Educação Continuada da Direito GV (FGV-SP)
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