Reação desmedida
O ato do Ministério da Justiça que cancelou o visto temporário do jornalista Larry Rohter se por um lado é reprovável jurídica e politicamente, por outro, não pode deixar de ser observado como obra expressiva que sintetiza, com precisão, a conduta do atual Governo: arbitrária, atrapalhada, impensada e ingênua - exatamente o que não se espera de uma boa administração.
sexta-feira, 14 de maio de 2004
Atualizado em 13 de maio de 2004 11:25
Reação desmedida
Raquel Cavalcanti Ramos Machado*
O ato do Ministério da Justiça que cancelou o visto temporário do jornalista Larry Rohter se por um lado é reprovável jurídica e politicamente, por outro, não pode deixar de ser observado como obra expressiva que sintetiza, com precisão, a conduta do atual Governo: arbitrária, atrapalhada, impensada e ingênua - exatamente o que não se espera de uma boa administração.
Uma acusação, por mais cruel e infundada que seja, pode representar uma grande oportunidade para se mostrar força e elegância. Para tanto, a primeira medida a tomar é não se mostrar tão ofendido com a acusação e a segunda é reagir com calma e serenidade e, quando possível, com bom humor. Poderia o nosso presidente ter rido e ter afirmado que não entendia porque a quantidade de bebida alcoólica que ingeria afetava tanto o mercado já que não bebia mais que o presidente americano (também acusado com freqüência de beber além dos limites), poderia ter simplesmente ficado silente e ignorado as acusações que, com a força do tempo e a pouca memória do povo, seriam esquecidas, etc. O Governo, porém, fez exatamente o contrário, agiu apressadamente e com rancor, como uma criança que, diante de um apelido que lhe desagrada, agride aquele que inventou o novo nome.
Mas não só. Tal ato representa ainda inaceitável intolerância com a liberdade de expressão. Com efeito, ao cancelar o visto, o Governo puniu o jornalista sumariamente, sem lhe ofertar qualquer direito de defesa e considerou sua presença no território nacional como "inconveniente" apenas porque este acusou o presidente de algo que lhe desagradou. Nada mais autoritário: para o Governo, como se vê, aquele que o critica é "inconveniente", e deve ser mandado para longe. E, o que é pior, a matéria veiculada no New York Times nada tem a ver com a presença "física" do jornalista no Brasil. Não se compara a atos de vandalismo, por exemplo, e poderia ter sido feita e veiculada, em tese com conteúdo até muito pior, sem que o jornalista precisasse sequer ter-se deslocado até aqui. Isso mostra que sua presença no território nacional não representa, de fato, nenhum inconveniente.
Ora, se o Presidente preza a democracia que dirige, por mais que tenha tomado a acusação por tão grave, por difamatória, deveria, nos termos previstos em lei, providenciar a propositura da ação penal cabível ou ajuizar a ação de indenização por danos morais. É certo que a liberdade de expressão não exclui a responsabilidade pelos danos causados por quem se manifesta, mas tudo deve ocorrer dentro do devido processo legal.
Com se vê, em verdade, o cancelamento do visto, longe de se prestar a defender a honra do Governo, serviu tão somente para aumentar o debate sobre a importância do estado etílico do presidente para a administração do país, para reabrir a discussão sobre a sua intolerância à oposição - questão esta surgida ainda quando da expulsão de senadora Heloísa Helena do PT - e, enfim, para promover o jornalista americano até então desconhecido por muitos. Em outros termos, tal ato serviu apenas para agravar o problema que tentou resolver: abalar a imagem do Governo.
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* Advogada em Fortaleza/Ce
Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários - ICET e da Comissão de Estudos Tributários da OAB/Ce
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