Mudança das regras relativas à multa nas importações não soluciona problema
Uma grande expectativa do meio empresarial era a mudança da legislação que trata da aplicação de multa em operações de importação. A espera terminou com a entrada em vigor da Lei nº 10.755/03, revogando, assim, a legislação anterior (Lei nº 9.817/99). Mas o que parecia ser uma solução para um problema que se arrastava há anos, tornou-se um paliativo para o setor privado.
quarta-feira, 12 de maio de 2004
Atualizado em 11 de maio de 2004 11:59
Mudança das regras relativas à multa nas importações não soluciona problema
Adriana M. Gödel Stuber*
Uma grande expectativa do meio empresarial era a mudança da legislação que trata da aplicação de multa em operações de importação. A espera terminou com a entrada em vigor da Lei nº 10.755/03, revogando, assim, a legislação anterior (Lei nº 9.817/99). Mas o que parecia ser uma solução para um problema que se arrastava há anos, tornou-se um paliativo para o setor privado.
Voltando ao passado, os objetivos do legislador com relação à aplicação de multas em operações de importação, conforme explica a Exposição de Motivos da Lei nº 9.817/99 (revogada), era impedir a especulação que ocorria à época da promulgação da lei, em razão da diferença entre as taxas de juros interna e externa e das condições financeiras especialmente favoráveis no exterior. Assim, o especulador obtinha lucro através da compra a prazo no exterior e a venda à vista no mercado interno, gerando um preço inferior, logo, irreal da mercadoria importada. Por esta razão, a multa era aplicada na forma de encargo financeiro.
A realidade do país mudou. Assim, tendo em vista o impacto econômico causado pela Lei nº 9.817/99, o governo tentou resolver o problema com a promulgação da Lei nº 10.755/03. Mas, infelizmente, tal questão não foi resolvida, apenas minimizada.
Segundo o novo texto legal, a aplicação da multa será cabível nas importações com Declaração de Importação - DI, registradas no Sistema Integrado de Comércio Exterior - Siscomex, quando o importador: contratar operação de câmbio ou efetuar pagamento em reais, sem observância dos prazos e das demais condições estabelecidas pelo Bacen; ou não efetuar o pagamento de importação até 180 dias a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao previsto para pagamento da importação, conforme consignado na DI ou no Registro de Operações Financeiras - ROF, quando financiadas.
Ademais, a Lei nº 10.755/03 ampliou o rol de hipóteses de "não" aplicação da multa que constava na Lei nº 9.817/99, ao incluir as importações, financiadas ou não, cujo pagamento seja de responsabilidade da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, suas fundações e autarquias, inclusive aquelas importações efetuadas em data anterior à publicação da nova lei.
A mais significativa alteração trazida pela Lei nº 10.755/03 para o setor privado foi a limitação do valor da multa, não sendo mais aplicada a multa diária antes prevista, com correção diária e valor ilimitado. Estabelece a nova lei que a multa será limitada a 100% do valor equivalente em reais da respectiva importação e será aplicada na forma, prazo, percentual e demais condições que vierem a ser fixadas pelo Bacen.
Todavia, é importante ressaltar que, de acordo com a nova lei, a limitação acima não se aplica aos casos de importações com DI já registradas no Siscomex e com vencimento até o 180º dia contado a partir de 04.11.03, ficando o importador sujeito ao pagamento de multa diária, sob a modalidade de encargo financeiro, nos termos da legislação anteriormente aplicada.
Com base na legislação revogada, muitas empresas foram multadas pelo Bacen em valores milionários, cujo pagamento, se feito, inviabilizará a continuidade de suas atividades. Isto porque a multa corresponde, em muitos casos, a valores inúmeras vezes superiores ao valor de mercado das próprias empresas autuadas e de seu patrimônio. Configurava-se, então, o caráter confiscatório da multa, que deixava de ser uma simples penalidade para representar a extinção da empresa.
É claro que, ao eliminar a aplicação de multa diária nas novas operações de importação, o Governo avançou, reconhecendo indiretamente a desproporcionalidade das multas que vinham sendo aplicadas pelo Banco Central do Brasil.
Lembramos, ainda, que a multa, na forma de encargo financeiro, pressupõe que todo valor relativo às importações vencidas e não pagas tenha ficado, até a data do pagamento (fechamento do câmbio), "integralmente" aplicado no mercado financeiro, o que não nos parece uma premissa real, pois, em muitos casos, as empresas deixaram de realizar os pagamentos simplesmente porque não tinham recursos na data do vencimento.
Assim sendo, para que a nova lei atendesse a sua finalidade principal, que é a proteção dos produtos fabricados no Brasil frente à concorrência dos produtos importados com preços distorcidos pela especulação, seria necessário que fossem estipulados critérios razoáveis para a cobrança das multas já em fase de processo administrativo e, conforme proposto na Exposição de Motivos da Lei nº 10.755/03, a limitação das multas em 10% do valor da importação. Ressaltamos que mesmo a limitação em 10% pode ser muito onerosa em relação à suposta falta cometida.
Faltam critérios, ainda, para diferenciar o tratamento dispensado às empresas que especularam e àquelas que simplesmente deixaram de realizar o pagamento por outras razões e não obtiveram nenhum benefício com o fato em questão. Uma alternativa para este problema seria estabelecer multas distintas para cada uma: as especuladoras, por exemplo, ficariam sujeitas ao pagamento de multas em valores mais elevados, enquanto as demais pagariam multas menores ou seriam isentas, como é o caso do setor público.
Mas o mais importante desta questão é realizar os pagamentos devidos em operações de importação dentro dos prazos e condições estabelecidos pela legislação em vigor, a fim de evitar a autuação pelo Bacen. Se isto não for possível, é necessário registrar no Siscomex a prorrogação de prazo antes do vencimento da respectiva operação de importação. Caso contrário, a empresa terá que seguir a nova legislação e arcar com uma multa que, ainda que não tenha mais o caráter confiscatório, não estabelece critérios razoáveis para sua aplicação.
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* Advogado do escritório Stuber Advogados Associados
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