Fala, poetinha!
Prezado mestre Adauto Suannes, depois de ir ao enterro de alguns amigos (mais ou menos da mesma idade que eu), comecei a imitar a covardia do "poetinha" fazendo uma prece semanal pela saúde dos amigos. O seu nome foi acrescentado à minha lista para que, entre outras coisas, continue nos brindando às sextas-feiras com suas crônicas.
terça-feira, 25 de setembro de 2007
Atualizado em 24 de setembro de 2007 15:47
Fala, poetinha!
Zé Preá*
"Se todos os meus amigos morrerem, eu desabo! Por isso é que sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles. E me envergonho porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar."
Vinicius de Moraes, poeta e diplomata. (RJ, 1913-1980).
Prezado mestre Adauto Suannes, depois de ir ao enterro de alguns amigos (mais ou menos da mesma idade que eu), comecei a imitar a covardia do "poetinha" fazendo uma prece semanal pela saúde dos amigos. O seu nome foi acrescentado à minha lista para que, entre outras coisas, continue nos brindando às sextas-feiras com suas crônicas (Circus 58 - 21/9/07 - clique aqui).
Digo mais: o seu texto sobre a morte é exemplar porque não admitiu aquelas perplexidades tolas que as pessoas comuns cometem ao falar dela. É até besteira dizer isso porque o seu equilíbrio mental aqui no Informativo Migalhas, nós, os seus leitores, estamos cansados de testemunhar, embora querer fugir à realidade de que a morte ainda assusta, pelo menos pra mim, é muito arriscado. Sim, porque até os 19 anos, a Bruxa havia tentado me levar por quatro vezes. Foram quatro acidentes graves sendo o último gravíssimo, quando a minha pressão arterial chegou a zero por zero.
Naquele tempo, jovem e recuperado dos perigos, passei a zombar dela: "Tu não estás com nada, visse? Vaca!" Por vingança ela apareceu exatamente quarenta anos depois querendo levar meu filho caçula de 18 anos. Foi muito doído pra mim! Aí repeti Drummond: "E agora, José? /Você que faz versos/ Que zomba dos outros/ Que ama, protesta/ E agora, José?".
Só me restou fazer um pacto com a distinta Dama da Foice: da próxima vez ela me leva e deixa meu filho em paz! Também passei a chamá-la respeitosamente de "Sua Excelência Representante do Grande Ocaso", porque, em suma, a morte é igual a um pôr-do-sol com a diferença de que é o último.
Durante a semana próxima passada o magistrado Aderbal Bergo trouxe para a seção "Migalheiros" umas sextilhas de um certo Severino (clique aqui), que no dizer do jurista Saulo Ramos, foi o maior repentista de todos os tempos. Concordo, mas devo acrescentar que se tratava de Severino Lourenço da Silva Pinto, porém mais conhecido como Pinto do Monteiro por ser natural de Monteiro/PB. Foi um homem que manteve a lucidez até 28/08/90 quando morreu aos 94 anos. A sua certidão de óbito reza: "O extinto não deixou filhos nem bens a inventariar, não era eleitor". Pois bem, aos 90 anos, Pinto recebeu inúmeras homenagens lá na sua terra. Foi quando apareceu uma jornalista metida a sabida e lhe perguntou o seguinte: "É verdade que o senhor é semi-analfabeto?" Pinto que sempre foi um homem irreverente, respondeu: "Não, senhora, semi-analfabeta é a senhora. Eu sou completamente analfabeto, mas com sabedoria pra fazer versos como estes: Nasci em noventa e seis/ no clima quente do norte/ no dia dois de novembro/ aniversário da Morte/ na data eu fui caipora/ mas pra cantar tive sorte". Pra você, mestre, desejo toda longevidade do velho poeta nordestino. Saúde! E não poderia encerrar sem dizer que a morte tem poesia, pois não me desmente o saudoso Augusto dos Anjos:
"Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!"
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* Migalheiro