Sociedade entre cônjuges
A constituição de sociedade entre cônjuges - notadamente aqueles casados nos regimes da comunhão universal de bens e da separação obrigatória - sempre foi muito controvertida no Brasil. Após anos de debate, o Supremo Tribunal Federal, arrimado na opinião dominante da doutrina, acabou reconhecendo ser lícita a sociedade entre marido e mulher.
sexta-feira, 21 de setembro de 2007
Atualizado em 20 de setembro de 2007 13:19
Sociedade entre cônjuges
Fábio Appendino
Ocorre que o Código Civil de 2002 (clique aqui) - na contramão da evolução doutrinária e jurisprudencial - restringiu as hipóteses em que marido e mulher podem ser sócios. O artigo n°. 977 do Código faculta aos cônjuges contratar sociedade entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.
Inicialmente, observa-se que o artigo n°. 977 do Código Civil de 2002 não se aplica à união estável, mas apenas ao casamento. De fato, ele não impõe restrições à constituição de sociedade entre companheiros, independentemente do que ajustarem no pacto de convivência e mesmo que optem pela comunhão ou separação patrimonial.
Verifica-se, ainda, que a vedação de contratação de sociedade prevista no artigo n°. 977 se aplica somente aos regimes da comunhão universal de bens e da separação obrigatória. Os cônjuges casados nos regimes da comunhão parcial de bens, da separação voluntária e da participação final nos aqüestos estão livres para constituir qualquer sociedade.
A existência de um terceiro sócio na sociedade não a torna lícita. O artigo n°. 977 proíbe tanto a contratação de sociedade entre cônjuges como entre ambos e terceiros. Obviamente que a sociedade entre apenas um cônjuge e terceiros não está sujeita ao artigo n°. 977.
Em teoria, o artigo n°. 977 se aplica a qualquer tipo de sociedade constituída de acordo com as leis brasileiras, personificada, não-personificada, empresária ou não-empresária, incluindo a anônima, a limitada, a simples e a em conta de participação. Disse-se em teoria porque não é razoável e lógico, por exemplo, impor restrições às companhias de capital aberto que tenham casais como acionistas e tampouco impedir que eles invistam em bolsa de valores.
Discutiu-se, logo quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002, sobre a necessidade de adequação das sociedades entre marido e mulher ao artigo n°. 977. Em agosto de 2003, o Departamento Nacional de Registro do Comércio-DNRC divulgou entendimento de sua coordenadoria jurídica segundo o qual a proibição do artigo n°. 977 não atinge - em respeito ao ato jurídico perfeito - as sociedades entre cônjuges já constituídas quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002, e alcança, tão somente, as que vierem a ser constituídas posteriormente2. Todas as Juntas Comerciais devem observar o parecer do DNRC. Igual entendimento foi aprovado na III Jornada de Direito Civil promovida pela Justiça Federal.3
Aqueles que são contrários à sociedade entre cônjuges sustentam que ela serviria de instrumento para burlar os regimes da comunhão universal de bens e da separação obrigatória e/ou para fraudar credores. Esse entendimento merece severas críticas pelos seguintes motivos: (i) a proibição de constituição de sociedades entre cônjuges é pouco eficaz na repressão à burla e à fraude; e (ii) existem outros mecanismos para impedir ou reparar lesões a direito sem afetar a liberdade de associação e a livre iniciativa.
Por fim, entendemos que o artigo n°. 977 do Código Civil de 2002 é de constitucionalidade duvidosa e questionável por afrontar um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a livre iniciativa, e o princípio da liberdade de associação, estabelecidos nos artigos 1º, inciso IV, artigo 5°, inciso XVII, e artigo n°. 170, parágrafo único, todos da Constituição Federal4 (clique aqui).
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1 "Sociedade entre cônjuge. Não merece ser considerada nula pleno jure, posto que passa ela a ser anulável segundo as circunstâncias que levaram a sua constituição. Doutrina. Jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal. II - Recurso extraordinário, conhecido pelo dissídio e provido". (RE 76953 / SP; DJ 27/11/1973; Rel. Min. Thompson Flores)
"Recurso extraordinário. Execução fiscal. Penhora de bens de sócio. Embargos de terceiro. Reputa-se licita a sociedade entre cônjuges, maxime após o Estatuto da mulher casada. O sócio não responde, em se tratando de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, pelas obrigações fiscais da sociedade, quando não se lhe impute conduta dolosa ou culposa, com violação da lei ou do contrato. Hipótese em que não há prova reconhecida nas decisões das instâncias ordinárias de a sociedade haver sido criada objetivando causar prejuízo à Fazenda, nem tampouco restou demonstrado que as obrigações tributárias resultaram de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou dos estatutos, por qualquer dos sócios. Embargos de terceiro procedentes. Súmula 279. Recurso extraordinário não conhecido". (RE 108728/SP; DJ 03/02/1989; Rel. Min. Néri da Silveira)
2 Parecer Jurídico DNRC/COJUR 125/03
3 Enunciado n°.204 - "Art. n°.977: A proibição de sociedade entre pessoas casadas sob o regime da comunhão universal ou da separação obrigatória só atinge as sociedades constituídas após a vigência do Código Civil de
4 "Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar";
"Art. n°.
*Advogado do escritório Gaia, Silva, Rolim & Associados - Advocacia e Consultoria Jurídica
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