Do acordo de extradição entre os estados partes do MERCOSUL
Em 2 de fevereiro de 2004, foi publicado o Decreto nº 4.975, de 30 de janeiro do mesmo ano, determinando a execução e o cumprimento do Acordo de Extradição firmado no Rio de Janeiro, em dezembro de 1998, entre os Estados Partes do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).
quarta-feira, 28 de abril de 2004
Atualizado em 27 de abril de 2004 13:26
Do acordo de extradição entre os estados partes do MERCOSUL
Claus Nogueira Aragão*
Em 2 de fevereiro de 2004, foi publicado o Decreto nº 4.975, de 30 de janeiro do mesmo ano, determinando a execução e o cumprimento do Acordo de Extradição firmado no Rio de Janeiro, em dezembro de 1998, entre os Estados Partes do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).
Tendo o Brasil depositado o instrumento de ratificação em 2 de dezembro de 2003, o Acordo em questão entrou em vigor, para o Brasil, em 1º de janeiro de 2004, revogando os tratados de extradição firmados com a Argentina, Paraguai e Uruguai, em 1968, 1925 e 1919, respectivamente.
Os Estados Partes, com vistas ao processo de integração, acordaram soluções jurídicas comuns como a cooperação jurídica e a extradição, além de possibilitar a harmonização e a compatibilização das normas que regulam o exercício da sua função jurisdicional.
Pelo citado acordo, os Estados Partes se obrigam a entregar, reciprocamente, "as pessoas que se encontrem em seus respectivos territórios e que sejam procurados pelas autoridades competentes de outro Estado Parte, para serem processadas pela prática presumida de algum delito, que respondam a processo já em curso ou para a execução de uma pena privativa de liberdade".
Para que o pedido de extradição seja concedido pelo Supremo Tribunal Federal, é preciso que o crime cometido pelo extraditando esteja previsto na legislação de ambos os Estados (princípio da dupla incriminação) e seja punível com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a dois anos.
A esse respeito cabem duas considerações. Os tratados de extradição até então firmados pelo Brasil com tais países, exigiam o cometimento de crime com pena máxima superior a um ano, pena essa mencionada na Lei no 6.815/80 e também aplicável para os casos onde a extradição se processa por força de promessa de reciprocidade.
É consenso internacional que o processo extradicional, que necessariamente envolve os Poderes Executivo e Judiciário de ambos os Estados (requerente e requerido), somente se justifica para crimes envolvendo um mínimo de gravidade. Fica afastada, assim e para estes Estados Partes do Mercosul, a possibilidade de se extraditar alguém por crimes de pequeno potencial ofensivo que, pela tendência internacional, estão sujeitos a penas alternativas, especialmente de prestação de serviços à comunidade.
A Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, que instituiu os Juizados Especiais em âmbito federal, passou a considerar crimes de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena máxima não for superior a dois anos, o que se aplica a considerável parte dos crimes previstos no Código Penal e na legislação correlata. Tal disposição se aplica, de acordo com o princípio da lei mais benéfica, a todos os crimes previstos em nossa legislação e de competência estadual ou federal.
Tal acordo, além de afastar os pedidos de extradição que envolvam crimes com pena máxima inferior a dois anos, também os afastou em relação aos crimes de natureza exclusivamente militar (previstos nos Brasil no Código Penal Militar), e aos crimes considerados, pelo Estado requerente, como políticos ou relacionados a outros delitos de natureza política.
Tal previsão já encontrava guarida nas legislações específicas (inclusive na Constituição Federal de 1988) e nos tratados anteriormente firmados. No entanto, o acordo em exame expressamente identificou os crimes que, em nenhuma circunstância, poderão ser considerados como crimes políticos, o que representa um avanço, na medida em que certamente evitará longas discussões nos Tribunais em torno da natureza do crime que fundamenta o pedido de extradição.
Portanto, não poderão ser considerados crimes políticos: (i) atentado contra a vida de um Chefe de Estado ou Governo ou outras autoridades nacionais e locais, bem como de seus familiares; (ii) genocídio, crimes de guerra ou delitos contra a humanidade; e (iii) atos terroristas ou qualquer ato que tenha por objetivo atemorizar uma população, classes ou setores, atentar contra a economia de um país, seu patrimônio cultural ou ecológico, ou realizar represálias de caráter político, racial ou religioso.
Cumpre também observar que os tratados de extradição, em geral, impedem o conhecimento de um pedido de extradição relativo a nacional do Estado requerido. A Constituição Federal de 1988 é expressa em vedar a extradição de brasileiro nato ou naturalizado, sendo autorizada, no entanto, se o crime for praticado antes da naturalização ou por comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes, independentemente da data de aquisição da nacionalidade brasileira.
No acordo em apreço restou determinado que a nacionalidade da pessoa não pode ser invocada para denegar a extradição, salvo disposição constitucional em contrário (como no caso do Brasil), ficando, porém, facultado aos demais Estados, que não possuem tal disposição, denegar a extradição de seus nacionais.
A condição de nacional será determinada pela legislação do Estado Parte requerido, apreciada no momento da apresentação do pedido extradicional, devendo-se atentar para os casos em que a nacionalidade é adquirida com o propósito fraudulento de impedir a extradição.
Nas hipóteses em que a extradição não puder ser processada por força da nacionalidade do Estado requerido, deverá tal Estado promover o julgamento do extraditando, mantendo o Estado requerente informado do andamento do caso, devendo, ao final do processo, remeter-lhe cópia da sentença.
A disposição acima merece reserva, pois desconsidera questões fundamentais para o julgamento de uma pessoa, especialmente quanto à competência para julgar o extraditando (princípio do juiz e do promotor natural) e à legislação processual e material a ser aplicada. Deve-se entender por "sentença" a decisão final transitada em julgado. Vale destacar que não há, no acordo, qualquer disposição quanto à execução de tal decisão.
Cumpre mencionar que foram observados, no acordo em apreço, diversos institutos específicos e internacionalmente reconhecidos no que pertine ao processo de extradição, dentre os quais se pode citar a impossibilidade de se extraditar alguém (i) por crime prescrito, quer pela legislação do Estado requerente, quer pela do Estado requerido; (ii) por força de condenação ou para fins de julgamento em tribunais de exceção; e (iii) sem o necessário reconhecimento da detração (subtração do período de detenção cumprido pelo extraditando ao longo do processo de extradição).
Além disso, deverá o Estado requerente se comprometer a, em caso de crime punível com pena de morte ou pena perpétua privativa de liberdade, aplicar pena não superior à pena máxima admitida na lei penal do Estado requerido (no caso do Brasil, tal pena corresponde a 30 anos).
É preciso também reconhecer que o referido acordo é bem mais detalhado quanto às formalidades a serem observadas no pedido e no processo de extradição, o que não ocorria na maioria dos tratados de extradição firmados pelo Brasil, possivelmente em razão de terem sido celebrados na primeira metade do século passado, o que torna necessário socorrer-se da legislação interna de cada Estado.
Por fim, cumpre tecer breves considerações quanto ao pedido de prisão preventiva para fins de extradição e que o precede. No Brasil é indispensável, para a apreciação do pedido de extradição, que a pessoa a ser extraditada esteja presa e à disposição do Supremo Tribunal Federal.
O pedido de prisão preventiva deverá indicar que a pessoa a ser extraditada responde a processo, tenha sido condenada ou tenha contra si ordem de detenção judicial. Assim sendo, fica afastada a possibilidade de tal pedido estar lastreado em ordem emitida por autoridade que não um Juiz (um membro do Ministério Público, por exemplo).
Além de conter todos os dados atinentes à identificação do indivíduo, o pedido de prisão preventiva para fins de extradição deverá conter intenção de apresentação de pedido formal de extradição (formalidade normalmente presente nos tratados e legislações relativos a tal matéria), como demonstração de que o Estado requerente, de fato, pretende solicitar a extradição do indivíduo a ser preso.
O pedido de prisão poderá ser apresentado pelas autoridades competentes do Estado Parte requerente, por via diplomática ou pela Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL), devendo ser transmitido por correio, fac-símile ou qualquer outro meio que permita a comunicação por escrito (correio eletrônico, por exemplo).
Muito embora tal previsão objetive facilitar e agilizar o pedido de prisão preventiva, é preciso observar que, em contrapartida, foi elastecida a forma de comunicação entre os Estado requerente e requerido, até então somente formalizada por via diplomática, o que pode trazer dificuldades no que diz respeito às formalidades que devem ser observadas no cumprimento de tal pedido.
Quem defere, no Brasil, o pedido de prisão preventiva para fins de extradição, é o Supremo Tribunal Federal. Se observado, estritamente, o disposto no acordo em questão, poderia a representação da INTERPOL de um dos Estados Partes requerer a prisão preventiva de um pessoa diretamente ao Supremo Tribunal Federal, sem passar pelo crivo de seu Ministério das Relações Exteriores, quebrando, assim, a tradição de comunicação diplomática entre os Países.
Conclui-se, pois, que o Acordo de Extradição firmado entre os Estados Partes do Mercosul representa um avanço nas normas que regem a matéria, por estar atualizado e em consonância com a legislação penal brasileira e os conceitos mais modernos em Direito Penal. O referido acordo significará um importante elemento no combate à impunidade e ao crime, especialmente o organizado.
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* Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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