Novos critérios para fixação do número de vereadores
O STF, julgando Recurso Extraordinário n. 197.917, declarou a inconstitucionalidade do artigo 6° da Lei Orgânica de Mira Estrela, que fixava em 11 o número de vereadores daquele Município. Por maioria de votos, entendeu o Pretório Excelso que seria inconstitucional o aludido artigo da LOM na medida em que não estaria sendo observada a proporcionalidade entre o número de vereadores (11) e o número de habitantes daquele Município (2.651), conforme seria de rigor em razão do artigo 29, VI, da Constituição Federal vigente.
terça-feira, 13 de abril de 2004
Atualizado às 06:50
Novos critérios para fixação do número de vereadores nos municípios brasileiros
Marcelo Andrade*
O STF, julgando Recurso Extraordinário n. 197.917, declarou a inconstitucionalidade do artigo 6° da Lei Orgânica de Mira Estrela, que fixava em 11 o número de vereadores daquele Município. Por maioria de votos, entendeu o Pretório Excelso que seria inconstitucional o aludido artigo da LOM na medida em que não estaria sendo observada a proporcionalidade entre o número de vereadores (11) e o número de habitantes daquele Município (2.651), conforme seria de rigor em razão do artigo 29, VI, da Constituição Federal vigente.
O entendimento externado pelo STF impressionou o TSE que, a pretexto de regulamentar as eleições conforme lhe faculta o Código Eleitoral e a Lei n. 9.504/97, editou a Resolução n.° 21.702, de relatoria do Exmo. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE.
A Resolução, de cinco artigos, prescreve que nas eleições municipais desse ano a fixação do número de vereadores a serem eleitos observará os critérios estabelecidos pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário n.° 197.917.
A nova regra estabelece que um município com até 47.619 habitantes deverá ter 9 vereadores. A cada 47.620 habitantes, acresce-se mais um vereador até atingir-se o número de 21.
Os municípios de 1.000.001 até 1.121.095 de habitantes deverão contar com 33 vereadores. Aumenta-se mais um vereador a cada 121.095 habitantes, até o limite da alínea b, vale dizer, 41 vereadores.
Os municípios que se enquadram na letra c, do artigo 29, VI, da CF/88 obedecerão aos seguintes limites: onde a população for de 5.000.000 até 5.119.047 de habitantes, haverá 42 edis, acrescendo-se mais um a cada 119.047 habitantes, até o limite de 55.
Diante da novidade que toma conta do cenário eleitoral, merecem ser debatidas algumas questões.
i) Da eficácia da decisão de Mira Estrela
Primeiramente, a decisão relativa ao município de Mira Estrela não teria a aptidão de lançar seus efeitos sobre as Leis Orgânicas dos demais municípios brasileiros. Trata-se de decisão exarada em Recurso Extraordinário - meio de impugnação de decisões judiciais que é a sede, por excelência, do controle difuso de constitucionalidade exercido pelo STF, cuja eficácia é apenas inter partes e sem efeito vinculante.
Por não terem as decisões tomadas pelo STF em Recurso Extraordinário fundado no artigo 102, III, c, da CF/88 efeito vinculante, bem como por não caber perante o STF Ação Direta de Inconstitucionalidade em face de atos normativos municipais, nada impede que Tribunais de Justiça dos Estados manifestem entendimento diverso do apresentado pelo Pretório Excelso.
Com efeito, oportuno frisar que o Tribunal de Justiça de São Paulo mantém - ou ao menos mantinha - o entendimento firme e reiterado de que a fixação do número de vereadores era matéria inserida no campo da autonomia dos municípios. Assim, bastaria que as Leis Orgânicas obedecessem aos números mínimo e máximo de edis traçados pelo artigo 29, VI, da CF/88 para que tais normas fossem tidas como constitucionais.
ii) Da possibilidade de discutir a matéria em sede de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Apenas para fomentar o debate, destaca-se a Lei n.° 9.882/99 que, regulamentando o artigo 103, § 1°, da CF/88, disciplina a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
A aludida ação é mais ampla que a ADIN no que toca aos atos normativos impugnáveis, vez que abarca, também, leis municipais. Contudo, é mais restrito quanto ao fundamento da impugnação de tais atos. Não é qualquer afronta ao Texto Constitucional que autoriza o acesso à argüição. Esta somente se justifica se violado preceito fundamental decorrente da CF/88.
Assim, algum dos co-legitimados ativos poderia propor a ação alegando que as leis orgânicas municipais descumprem preceito fundamental albergado no artigo 29, VI, da CF/88, qual seja, a proporcionalidade da representação popular nas Câmaras Municipais.
Eventual liminar ou decisão de procedência terá "eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público."
Fora dessa situação, a decisão do STF seria apenas um combustível para o controle difuso das leis orgânicas - ou para o controle concentrado de constitucionalidade de competência dos Tribunais de Justiça dos Estados.
iii) Da impossibilidade do TSE regulamentar a matéria por meio de Resolução.
Nos termos do artigo 23, IX, do Código Eleitoral e do artigo 105, caput, da Lei n.° 9.504/97, tem o TSE a atribuição de exarar Resoluções e Instruções visando regulamentar o Código Eleitoral e as disposições da própria Lei das Eleições.
Nada obstante reconhecerem a doutrina e a jurisprudência que as Resoluções do TSE têm força de Lei, os limites desse poder regulamentar são claros: regulamenta-se a legislação eleitoral.
Imunes a esse poder regulamentar estão as disposições da CF/88 e as Leis Orgânicas Municipais. Assim, não poderia o TSE, por meio de resolução, adentrar as leis orgânicas municipais para que se afinem ao entendimento do STF, seja alterando-as automaticamente, seja exigindo a sua alteração.
A edição da Resolução TSE n.° 21.702 parece, pois, inadmissível intrusão do TSE em matéria atinente à autonomia dos Municípios e que, conforme reconhece a jurisprudência, sequer é de competência da Justiça Eleitoral.
iv) Da incompetência da Justiça Eleitoral para cuidar da matéria
A competência da Justiça Eleitoral, segundo fórmula clássica, vai do registro das candidaturas até a diplomação dos eleitos (compreendendo as demandas dela decorrentes, tais como Recurso Contra Diplomação e Ação de Impugnação de Mandato Eletivo). Na sua competência, após o exercício da atribuição trazida pelo artigo 5°, § 4°, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, não se insere a matéria do artigo 29, VI, da CF/88.
Por isso que todas as questões relativas à fixação do número de vereadores dos municípios brasileiros, quando controvertidas, são resolvidas pela Justiça Comum Estadual.
Se a questão que se debate, quando diluída em uma lide, é estranha à competência da Justiça Eleitoral, parece até intuitivo que dela não poderá cuidar o C. TSE por meio de resoluções e instruções.
v) Da proporcionalidade x autonomia dos municípios.
Não se conhece o teor de todos os debates travados no STF. Porém, parece que votos vencedores e vencidos gravitaram em torno da busca do real alcance de valores e princípios constitucionais (a proporcionalidade contemplada no artigo 29, VI, da CF/88 e o princípio da autonomia dos municípios).
E prevaleceu o voto do Relator MAURÍCIO CORREA, que entendeu ínsita ao artigo 29, VI, da CF/88 a idéia de proporcionalidade na representação popular nas Câmaras Municipais.
Interpretando as três alíneas do inciso VI do art. 29 da Constituição Federal, determinou-se quanto à letra a, que a cada 47.619 habitantes acresce-se um vereador. Quanto à alínea b, a cada 121.095 habitantes aumenta-se um edil ao limite mínimo e, por fim, quanto ao item c, a cada 119.047 fará o município jus a mais um parlamentar.
Porém, a própria disciplina inspirada na proporcionalidade da representação popular a mitiga. Assim é que um município - tenha ele 571.429 habitantes, tenha ele 1.000.000 habitantes - terá sempre 21 vereadores.
Nota-se que serão mais de 400.000 habitantes não representados, com a mesma proporção, do que os de um município que se enquadre na penúltima faixa (de 523.810 até 571.428 habitantes, com 20 vereadores).
O mesmo problema pode ser diagnosticado nas demais alíneas do artigo 29, VI, da CF/88.
vi) Conclusões
O Exmo. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, muito embora vencido no exame do Recurso Extraordinário de Mira Estrela, reputou conveniente que o TSE discutisse a matéria e a ela desse um tratamento uniforme. Agiu assim, na condição de Presidente do TSE, a fim de preservar a segurança jurídica e evitar que se passe os próximos quatro anos discutindo se cada município teve mais ou menos vereadores do que deveria ter.
Em que pese a relevância dos motivos explicitados pelo Min. Presidente do TSE, a solução dada não imunizará os Tribunais do risco de passarem os próximos anos discutindo acerca do número de edis de cada município.
Como se vê, controverte-se acerca da viabilidade do instrumento utilizado para a uniformização da questão, vale lembrar, uma resolução do TSE. Controvertido é o alcance do instrumento, que, com a vênia devida, não poderia alterar ou exigir a alteração de leis orgânicas municipais, como na hipótese se fez. E controvertido ainda é a própria competência da Justiça Eleitoral para tratar da matéria quando instaurada a lide, vez que é robusto o entendimento de que a questão merece ser dirimida pelas Justiças Estaduais Comuns.
Assim, parece inevitável a conclusão de que a edição da já mencionada resolução pelo TSE, para tratar de matéria própria da Lei Orgânica dos Municípios brasileiros às vésperas do processo eleitoral é medida que, ao contrário de contribuir para a segurança jurídica, pode provocar verdadeiro tumulto no cenário eleitoral.
Em cada um dos mais de 6.000 municípios brasileiros, poderão os partidos políticos e coligações, enquanto atores do processo eleitoral, impugnar o valor da Resolução n.° 21.702 - de legalidade e constitucionalidade duvidosas - e indicar número de candidatos a vereadores tomando como padrão aquilo que prescreve as respectivas Leis Orgânicas Municipais.
Assim, em razão das relevantes conseqüências práticas da medida, parece-nos que não pode e não deve a sociedade, em especial a comunidade jurídica, deixar de debater com profundidade e preocupação a medida adotada pelo TSE.
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Veja a tabela da resolução aprovada pelo TSE | |
Nº DE HABITANTES DO MUNICÍPIO |
Nº DE VEREADORES |
até 47.619 |
9 |
de 47.620 até 95.238 |
10 |
de 95.239 até 142.857 |
11 |
de 142.858 até 190.476 |
12 |
de 190.477 até 238.095 |
13 |
de 238.096 até 285.714 |
14 |
de 285.715 até 333.333 |
15 |
de 333.334 até 380.952 |
16 |
de 380.953 até 428.571 |
17 |
de 428.572 até 476.190 |
18 |
de 476.191 até 523.809 |
19 |
de 523.810 até 571.428 |
20 |
de 571.429 até 1.000.000 |
21 |
de 1.000.001 até 1.121.95 |
33 |
de 1.121.953 até 1.243.903 |
34 |
de 1.243.904 até 1.365.854 |
35 |
de 1.365.855 até 1.487.805 |
36 |
de 1.487.806 até 1.609.756 |
37 |
de 1.609.757 até 1.731.707 |
38 |
de 1.731.708 até 1.853.65 |
39 |
de 1.853.659 até 1.975.609 |
40 |
de 1.975.610 até 4.999.999 |
41 |
de 5.000.000 até 5.119.047 |
42 |
de 5.119.048 até 5.238.094 |
43 |
de 5.238.095 até 5.357.141 |
44 |
de 5.357.142 até 5.476.188 |
45 |
de 5.476.189 até 5.595.235 |
46 |
de 5.595.236 até 5.714.282 |
47 |
de 5.714.283 até 5.833.329 |
48 |
de 5.833.330 até 5.952.376 |
49 |
de 5.952.377 até 6.071.423 |
50 |
de 6.071.424 até 6.190.470 |
51 |
de 6.190.471 até 6.309.517 |
52 |
de 6.309.518 até 6.428.564 |
53 |
de 6.428.565 até 6.547.611 |
54 |
Acima de 6.547.612 |
55 |
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*Advogado do escritório Silveira, Andrade e Piza, Advogados
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