Uma visão prática das teses de defesa no IDPJ na Justiça do Trabalho
Em recentes decisões a 8ª turma do TST afasta a adoção da teoria menor e afirma que nas relações de trabalho para a promoção do IDPJ deve ser adotada a teoria maior com base no art. 50, do CC.
segunda-feira, 14 de abril de 2025
Atualizado às 13:22
No último artigo publicado apresentei a visão da jurisprudência do TST a respeito da constitucionalidade da aplicação da "teoria menor" no procedimento de desconsideração da personalidade jurídica empresarial com o fim de se atingir o patrimônio pessoal dos sócios toda vez que a constituição de uma sociedade e sua personalidade jurídica passam a representar subterfúgio para driblar a aplicação das leis trabalhistas.
Alertei aos leitores que o referido incidente deve ser processado por meio de simples petição nos próprios autos do processo judicial eletrônico, sendo vedada sua autuação como processo autônomo, nos termos do art. 86, da consolidação dos provimentos do colendo TST.
Na oportunidade, informei que cabe ao exequente demonstrar o esgotamento dos demais meios de execução tradicionais1 e, mediante a constatação da ausência de patrimônio da empresa executada, promover a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em desfavor dos sócios2.
Tal medida é de extrema relevância porque não se deve ignorar a ordem de preferência prevista no art. 10-A, da CLT. Vejamos:
Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:
I - a empresa devedora;
II - os sócios atuais; e
III - os sócios retirantes.
Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.
Portanto, em observância ao benefício de ordem descrito no art. 10-A da CLT, primeiro é necessário exaurir os meios de execução em face da empresa, que na hipótese seria a devedora principal, para somente após direcioná-la aos sócios, sejam eles atuais ou retirantes.
Esta é uma tese defensiva que pode viabilizar recursos aos TRTs, ao TST e ao STF uma vez que demonstrada a violação ao art. 10-A da CLT, o que identifica afronta direta ao princípio constitucional da legalidade, previsto no art. 5º, inc. II, da CRFB.
Não se pode ignorar que é inviável o pedido de desconsideração da personalidade jurídica quando não esgotados todas os meios ou ferramentas de execução em face da devedora principal.
Nesse sentido caminha a jurisprudência do TRT1 - Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro:
Desconsideração da personalidade jurídica. Impossibilidade. Inviável a desconsideração da personalidade jurídica, quando ainda não exauridos todos os meios de execução em face da empresa ré. (AP - TRT1- Processo 0101396-39.2017.5.01.0012, Nona Turma, Relator: Desembargador FERNANDO ANTONIO ZORZENON DA SILVA, Data do Julgamento: 22-04-2020, Data da Disponibilização: 30-04-2020, Data da Publicação DEJT: 04-06-2020. Disponível em: < http://bibliotecadigital.trt1.jus.br/jspui/handle/1001/2251007 >. Acesso em: 20-03-2025) g/n.
Assim, é possível identificar que esta matéria abre possibilidades para o manejo do recurso de agravo de petição na forma do art. 897, alínea "a", da CLT,.
Neste momento, deve-se pensar em realizar o prequestionamento da matéria na forma da súmula 297, do C. TST para então viabilizar o próximo passo, que em caso de sucumbência, seria o recurso de revista. Portanto, se o acordão prolatado na apreciação do agravo de petição não se manifestar expressamente sobre a matéria suscitada, importante é opor embargos de declaração, vejamos:
SÚMULA Nº 297 - PREQUESTIONAMENTO. OPORTUNIDADE. CONFIGURAÇÃO
I. Diz-se prequestionada a matéria ou questão quando na decisão impugnada haja sido adotada, explicitamente, tese a respeito.
II. Incumbe à parte interessada, desde que a matéria haja sido invocada no recurso principal, opor embargos declaratórios objetivando o pronunciamento sobre o tema, sob pena de preclusão.
III. Considera-se prequestionada a questão jurídica invocada no recurso principal sobre a qual se omite o Tribunal de pronunciar tese, não obstante opostos embargos de declaração.
Esclarece-se que além do prequestionamento da matéria, em sede de execução, a peculiaridade exige o enquadramento do recurso de revista nos estritos limites traçados pelo art. 896, § 2º, da CLT e na súmula 266, do C. TST, ou seja, na hipótese de ofensa direta e literal de norma da CF/88, que se enquadra na hipótese analisada neste estudo e, permite, em tese, também o manejo de RE ao STF.
Outra tese importante leva em conta o aspecto que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o patrimônio das pessoas físicas que integram o seu quadro societário, conforme entendimento firmado pelo princípio da autonomia patrimonial.
Nessa esteira, a partir do momento do registro do contrato constitutivo da pessoa jurídica no órgão competente, essa passa a ter personalidade jurídica própria, transformando-se em um ente capaz de direitos e obrigações.
Com a inserção do art. 855-A à CLT, o procedimento de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve observar a lei 13.105/15. Assim sendo deve seguir o rito previsto nos arts. 133 a 137 do CPC e, via de consequência, deve adotar os pressupostos previstos no art. 50 do CC.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019) g/n.
Sobre este tema o TST editou a IN 41/18 que em seu art. 17 determina que se aplique o CPC nos incidentes de desconsideração da personalidade jurídica, conforme se destaca no trecho abaixo:
Art. 17. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
regulado pelo CPC (artigos 133 a 137), aplica-se ao processo do trabalho, com as inovações trazidas pela Lei nº 13.467/2017.
Assim, de acordo com o art. 50 do CC, é necessária a prova de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, a fim de que seja autorizada a inclusão dos sócios na execução.
Nesse sentido, destacamos as recentes decisões da 8ª turma do C. TST, in verbis:
"I - AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - EXECUÇÃO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA OS SÓCIOS DE EMPRESA. APLICAÇÃO DA TEORIA MENOR TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Verificado o desacerto da decisão monocrática, dá-se provimento ao agravo e passa-se à análise do agravo de instrumento em recurso de revista. Agravo a que se dá provimento. II - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - EXECUÇÃO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA OS SÓCIOS DE EMPRESA. APLICAÇÃO DA TEORIA MENOR TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Constatada possível violação ao art. 5º, LV, da Constituição da República, merece provimento o agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista.Agravo de instrumento a que se dá provimento. III - RECURSO DE REVISTA - REGÊNCIA PELA LEI Nº. 13.467/2017 - EXECUÇÃO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA OS SÓCIOS DE EMPRESA. APLICAÇÃO DA TEORIA MENOR TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. A controvérsia trazida a lume refere-se à desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada para ser atingido o patrimônio dos sócios e, como consequência, envolve a discussão sobre a aplicação das Teorias Maior e Menor, trazidas no microssistema do Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil. Por força do art. 8º da CLT, aplica-se o direito comum (direito civil) ao direito do trabalho. No âmbito do Código Civil (art. 50), a autonomia subjetiva da pessoa jurídica é afastada quando se está diante do abuso da personalidade jurídica e do prejuízo ao credor. Em relação ao abuso da personalidade jurídica, a incidência do art. 50 do CC está balizada pelo art. 187 do CC, que traz o abuso de direito como ato ilícito e norteia o enquadramento conforme as cláusulas gerais de fim social ou econômico da empresa, a boa fé objetiva e os bons costumes. Nos termos trazidos pelos §§ 1º e 2º do artigo 50 do CC, em quaisquer hipóteses é imprescindível que, para a desconsideração da personalidade jurídica, haja, além do prejuízo ao credor, o desvio de finalidade (uso abusivo ou fraudulento da sociedade) ou a confusão patrimonial (ausência de separação entre os bens da empresa e da pessoa física). Recurso de revista conhecido e provido" (RR-Ag-AIRR-10703-31.2019.5.03.0061, 8ª Turma, Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 08/04/2025.< jurisprudencia-backend2.tst.jus.br/rest/documentos/2e645bf7a9e18c90aca87bd642f90ba1 >. Acesso em: 09/04/2025.).
"A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA SÓCIOS DA EMPRESA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Constatada a aparente violação do artigo 5º, LV, da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. B) RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA SÓCIOS DA EMPRESA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. O Tribunal Regional manteve a sentença que julgara procedente o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada e determinara o redirecionamento da execução contra o patrimônio dos sócios, porque compreendeu que, sendo infrutíferos os atos executórios promovidos contra a empresa executada, está juridicamente respaldada a execução contra os seus sócios. Assim, seguindo o entendimento estabelecido na legislação do consumidor, e tendo em vista a natureza alimentar do crédito em execução, decidiu adotar a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, que autoriza o direcionamento da execução contra os sócios ante a insolvência da executada, não se fazendo necessária a comprovação de abuso de direito ou fraude empresarial. Contudo, para a desconsideração da personalidade jurídica, exige-se, além da demonstração de prejuízo ao credor, a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, ou, ainda, nos termos do art. 50 do Código Civil, abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, o que não é possível constatar no caso vertente. Nessa perspectiva, destaca-se que o entendimento que prevalece nesta Oitava Turma é o de que às relações de trabalho aplica-se a teoria maior. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1000110-10.2023.5.02.0611, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 09/04/2025. Disponível em: < jurisprudencia-backend2.tst.jus.br/rest/documentos/c71189902ca5e44f33d7db7504513049 >. Acesso em: 09/04/2025). g/n.
No mesmo sentido a jurisprudência do TRT-3:
ESPONSABILIDADE - TEORIA MAIOR X TEORIA MENOR -
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Após as
alterações legislativas promovidas pela Lei n. 13.467/17, que incluiu, na CLT, a determinação de instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, não é mais cabível a observância da Teoria Menor nesta Especializada, e, assim, para inclusão dos sócios no polo passivo da execução, faz-se necessário o preenchimento dos pressupostos legais previstos no art. 50 do CC, o que não ocorreu no caso em tela. (TRT-3 - APPS: 00009186320125030005 MG 0000918-63.2012.5.03.0005, Relator: Sabrina de Faria F.Leao, Data de Julgamento: 31/03/2022, Terceira Turma, Data de Publicação: 04/04/2022.) g/n
Dessa forma, conclui-se que com o advento da lei 13.467/17, que incluiu a determinação de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, passou ser inadmissível a aplicação do §5º, do art. 28 do CDC no âmbito da Justiça do Trabalho, não sendo mais cabível a observância da chamada "Teoria Menor" nesta Justiça especializada.
Portanto, o entendimento fixado nessa segunda tese é que ao se aplicar o art. 28 do CDC, quando a legislação Federal e a Corte Superior (TST) determinam a observância ao CPC, adotando-se a aplicação do art. 50, do CC (teoria maior), há violação direta aos princípios constitucionais da legalidade (art. 5º, II, da CRFB), do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CRFB), como também do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CRFB).
É importante frisar que embora esta tese esteja ganhando força ainda é minoritária no TST, gerando muitas divergências. Portanto, não se pretende aqui esgotar a temática explorada, mas apenas demonstrar o quanto o direito é dialético, pois ao contrário da tese defendida em meu último artigo, quando apresentei aos leitores a aplicação da "teoria menor" no procedimento de desconsideração da personalidade jurídica empresarial na justiça do trabalho sob a ótica da jurisprudência do TST, neste ponto do nosso estudo abordamos a aplicação da "teoria maior" como tópico de matéria defensiva no incidente de desconsideração da personalidade jurídica com análise de acórdãos da 8ª turma do TST, o que promove certa insegurança jurídica em virtude das decisões divergentes no âmbito do Tribunal Superior que, certamente, serão atacadas por oposição de embargos de divergência (art. 894, inc. II, da CLT e súmula 296, C. TST) e, ainda, levarão a discussão possivelmente ao STF por meio de RE.
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1 Disponíveis em:< https://www.tst.jus.br/web/corregedoria/pesquisa-patrimonial > Acesso em: 08-04-2025.
2AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUTADOS. LEI Nº 13.467/2017. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O SÓCIO O STF concluiu o julgamento da ADPF 488, relatora originária a Ministra Rosa Weber, redator para o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes. A ADPF não foi conhecida ante o seu não cabimento como sucedâneo recursal. Nessa ação se discutia a questão processual da inclusão de pessoas jurídicas integrantes do mesmo grupo econômico ou de pessoas físicas (donos de empresas, sócios etc.) no polo passivo da lide somente na fase de execução. DJE publicado em 20/02/2024. Divulgado em 19/02/2024. Com trânsito em julgado em 28/02/2024. Até o fechamento da pauta na Sexta Turma do TST não havia determinação de suspensão dos processos em curso no TST nos quais se discute o Tema 42 da Tabela de IRR: "A desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho é regida pela teoria maior ou pela teoria menor? É possível violação direta e literal à Constituição Federal nessa matéria para conhecimento do recurso de revista na fase de execução?". Na decisão monocrática, foi negado provimento ao agravo de instrumento. Deve ser reconhecida a transcendência jurídica para exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado do tema. Dos trechos do acórdão recorrido, indicados no recurso de revista, infere-se que o prosseguimento da execução contra os sócios da executada foi autorizado mediante instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, após esgotados os meios de execução e constatada a ausência de patrimônio da empresa executada. Nesse particular, o TRT destacou, com fundamento na legislação infraconstitucional, que é desnecessária "a demonstração de abuso de personalidade, desvio de finalidade ou confusão patrimonial para a desconsideração da pessoa jurídica, já que a responsabilidade aqui é direta e objetiva, porquanto os lucros do empreendimento, salvo prova em contrário, é que justificam o patrimônio daqueles que integraram o quadro societário da empresa". Ainda observou que "já foram esgotados todos os meios de satisfação do crédito contra a devedora principal nos autos do processo 0001539-06.2011.5.01.0020, sem que se obtivesse êxito nas diligências realizadas" e que foram "infrutíferos os meios de execução em face da executada". Estabelecido o contexto, em que o direcionamento da execução contra os sócios baseou-se na insuficiência do patrimônio da empresa, nos termos da legislação infraconstitucional, conclui-se que não há se cogitar ofensa ao dispositivo constitucional suscitado como violado. Agravo a que se nega provimento" (AIRR-0100474-37.2018.5.01.0020, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 24/03/2025)