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Aspectos jurídicos do downgrade nos planos de saúde

O downgrade de plano de saúde é um direito do consumidor e o comportamento da operadora no sentido de limitar/dificultar a efetivação do downgrade é abusivo e pode ser revertido pelo Judiciário

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Atualizado às 14:16

O downgrade é uma forma usualmente utilizada pelos consumidores para mitigar os aumentos crescentes nas mensalidades dos planos de saúde, consistindo na redução da mensalidade decorrente da diminuição da rede credenciada de hospitais, clínicas e laboratórios.

Entretanto, os planos de saúde costumam negar o downgrade a partir de justificativas ilegais, abusivas e sem respaldo jurisprudencial, razão pela qual tal negativa é facilmente revertida pelo Poder Judiciário.

De fato, o downgrade é um direito do consumidor. Portanto, qualquer cláusula contratual que proíba ou crie limitações ao downgrade é abusiva e, por consequência, nula, podendo ser afastada pela via judicial.

É o que reza o art. 51, IV, do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

Quanto à extensão, é rotineiro que as operadoras neguem o pedido de downgrade para categorias muito inferiores à atual, somente permitindo que a mudança se dê para a categoria imediatamente inferior.

No entanto, é possível fazer o downgrade em qualquer categoria, ou seja, para a categoria imediatamente inferior ou qualquer outro nível abaixo. Qualquer limitação quanto à extensão do downgrade também é abusiva e pode ser igualmente afastada no âmbito judicial.

Outra questão muito importante a ser abordada é que, ao receber um pedido de downgrade, as operadoras possuem o hábito de exigir do usuário o cumprimento de nova carência, expediente que desencoraja os usuários desprevenidos de levar o requerimento de downgrade adiante.

Contudo, apesar da exigência das operadoras, o cumprimento de nova carência em caso de downgrade é inexigível. Somente haverá carência nos casos de upgrade em relação aos hospitais que forem integrados a nova rede credenciada do padrão superior e que não faziam parte da rede credenciada do padrão antigo.

É o entendimento do TJ/SP:

CONTRATO - Prestação de serviços - Plano de saúde - Pretensão à migração para categoria inferior ("downgrade") - Acolhimento - Possibilidade - Imposição de nova carência, tendo, a segurada, já cumprido esse período - Abusividade - Celebração de avença que não enseja solução de continuidade do documento com a atual empresa - Segurada, ademais, portadora de doença grave, o que pode representar empecilho a nova contratação - Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1023622-53.2021.8.26.0003; Relator (a): Alvaro Passos; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/11/2022; Data de Registro: 25/11/2022)

Salientamos, ainda, que o downgrade não interfere nos tratamentos de saúde em andamento. A única diferença é que referidos tratamentos não poderão ser realizados nos hospitais e estabelecimentos que porventura tenham deixado de ser credenciados em razão do downgrade efetivado.

Outra vantagem do downgrade é a manutenção das mesmas coberturas previstas no contrato, ou seja, não são alterados os direitos e obrigações, mas apenas redimensionada a rede credenciada, vez que não se trata de nova contratação, mas apenas de migração de categoria, mantendo o beneficiário vinculado a mesma apólice.

É como se manifesta a jurisprudência:

Agravo de instrumento - Ação revisional de prêmio de plano de saúde, cumulada com o pedido de repetição do indébito - Decisão interlocutória que afastou a decadência do direito da autora - Legitimidade da medida - Decadência não verificada - Migração para plano de saúde de categoria inferior (downgrade) que não ensejou a extinção contratual - Natureza continuativa da relação jurídica - Manutenção da modalidade da apólice (coletiva por adesão) e partes contratantes - Inexistência de interrupção dos serviços prestados pela operadora do plano de saúde - Inocorrência do início do prazo decadencial durante a vigência da relação contratual - Viabilidade da revisão das cláusulas estabelecidas no período - Precedente do Superior Tribunal de Justiça (Tema 610) - Decisão mantida - Recurso não provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2231910-61.2022.8.26.0000; Relator (a): César Peixoto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 28ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/02/2023; Data de Registro: 14/02/2023) (grifo nosso)

Meio alternativo de redução da mensalidade do plano

Conforme já destacamos, muitos consumidores veem no downgrade a saída para manter o plano de saúde, por meio da redução no valor da mensalidade.

Entretanto, muitas vezes sequer é necessário efetuar o downgrade, porque é possível diminuir consideravelmente a mensalidade dos planos de saúde por meio de ação judicial de revisão dos reajustes abusivos praticados pelos planos de saúde.

Da mesma forma, também é possível, na mesma ação judicial, pleitear o afastamento dos reajustes abusivos e a efetivação de downgrade.

Possibilidade de realizar o downgrade em planos antigos e que não sejam mais comercializados

O fato de o plano de saúde ser antigo ou não ser mais comercializado não é óbice ao downgrade. Contudo, os planos de saúde usualmente utilizam desse argumento abusivo para negar a possibilidade de realização do downgrade.

A jurisprudência é pacífica no sentido de considerar abusiva a negativa de downgrade pelo fato de o plano de saúde não ser mais comercializado, vez que ¨não se trata de comercialização de novo plano, mas de mera migração de plano já existente¨.

Vejamos:

Ação cominatória. Plano de saúde. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Mudança de categoria do plano. Pretensão da Autora em migrar para plano inferior de menor custo (downgrade), da categoria "F39" para a categoria "F18", sem prazo de carência. Negativa da Ré, sob alegação de suspensão da comercialização de planos individuais pela ANS. Afastamento, pois não se trata de comercialização de novo plano, mas de mera migração de plano já existente. Sentença de procedência mantida. Verba honorária majorada para 20% do valor atualizado da causa. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1090316-04.2021.8.26.0100; Relator (a): João Pazine Neto; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/10/2022; Data de Registro: 20/10/2022)

Downgrade em planos de saude empresariais

Há decisões judiciais que autorizam a realização de downgrade nos planos coletivos empresariais:

DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS - Plano de saúde - Migração de plano de saúde coletivo empresarial para categoria inferior (downgrade) que foi negada pela operadora, a qual impôs aviso prévio ou aplicação de multa, no caso de cancelamento - Sentença de procedência - Insurgência da ré - Descabimento - Aplicação do CDC - Aplicabilidade que se impõe ainda que a estipulante seja pessoa jurídica, por se encaixarem as partes nos conceitos de consumidor e fornecedor de serviço - Súmula nº 469 do STJ - Aviso prévio de 60 dias para cancelamento - Abusividade - Art. 17 da Resolução Normativa nº 195/09 da ANS que foi declarado nulo na Ação Civil Pública (nº 0136265-83.2013), movida pelo Procon do RJ contra a ANS, na Justiça Federal - Inexigibilidade da multa contratual - RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1019840-04.2022.8.26.0100; Relator (a): Miguel Brandi; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 28ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/09/2022; Data de Registro: 14/09/2022)

Destaca-se, enfim, que a efetivação do downgrade pelo interessado não altera a condição dos demais membros do contrato, mas apenas do titular e eventualmente dos seus dependentes.

Conclusão

A ANS tende a não acolher a reclamação do consumidor nos casos de downgrade. Por tal razão e considerando que a jurisprudência é amplamente favorável ao consumidor neste assunto, o ajuizamento de ação judicial é a medida que se revela mais eficaz diante das práticas abusivas perpetradas pelas operadoras de planos de saúde.

Nesse cenário, importa dizer que também é possível a obtenção de liminar determinando ao plano de saúde a efetivação do downgrade1.

________

1 AGRAVO DE INSTRUMENTO. Plano de saúde. Tutela de urgência concedida para permitir a alteração de categoria de plano de saúde. Presença dos requisitos legais para concessão e manutenção da medida. Probabilidade do direito. Jurisprudência majoritária que confirma a abusividade da cláusula impeditiva de "downgrade". Ausência de irreversibilidade da decisão. Possibilidade de recomposição pecuniária em caso de modificação do conteúdo decisório. Decisão mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2003071-73.2023.8.26.0000; Relator (a): Ana Maria Baldy; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 32ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/01/2023; Data de Registro: 20/01/2023)

Amanda Fonseca Perrut

VIP Amanda Fonseca Perrut

Advogada com mais de 20 anos de experiência, é fundadora da Fonseca Perrut Advocacia, com atuação em todo o Brasil.

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