Os desafios político-legislativos de 2025 para os planos de saúde
Compilado dos desafios político-legislativos a serem enfrentados pelos planos de saúde em 2025.
quinta-feira, 10 de abril de 2025
Atualizado às 09:38
O presente texto é a segunda parte de um grande compilado que busca reunir, de forma simples e objetiva, os principais desafios a serem enfrentados pelos planos de saúde e pelo mercado da saúde suplementar nesse ano de 2025.
A primeira parte do compilado focou nos desafios regulatórios (relacionados à ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar), tendo sido publicado no Portal Migalhas em 17/3/25, podendo ser consultado aqui.
Com efeito, os desafios que se avizinham não se resumem às normas setoriais e regulamentações já publicadas e/ou às propostas de alterações por parte da ANS. Na verdade, para além das questões regulatórias, um dos grandes desencadeadores de mudanças e alterações é, justamente, o Poder Legislativo, aqui compreendido em seu âmbito Federal.
Se é certo que alterações em resoluções normativas (da ANS) podem exigir adaptações substanciais por parte do mercado e seus principais atores (especialmente das operadoras de planos de saúde), mais certo ainda é que alterações no plano Legislativo podem igualmente desencadear alterações.
Não existe melhor exemplo, no passado recente, que a controversa lei Federal 14.454, de 21/9/22, que trouxe, para o plano legal (alterando a lei Federal 9.656 de 1998, a LPS - Lei dos Planos de Saúde), a possibilidade , ainda que excepcional, de um beneficiário ter direito a um procedimento ainda que expressamente excluído do rol de procedimentos da ANS.
Casos como esse demonstram, para além de qualquer dúvida, que alterações em práticas, cláusulas e contratos podem ser impostas, também, pelo poder político, especialmente no âmbito Federal, através de alterações legislativas.
De fato, a saúde suplementar, independentemente do motivo, há anos é campo fértil para investidas político-legislativas. Apenas durante os cinco primeiros meses da pandemia da Covid-19, por exemplo, foram apresentados mais de 50 PLs relacionados aos planos de saúde.
Entretanto, ainda que a atipicidade daquele momento pudesse justificar medidas excepcionais, fato é que, mesmo em momentos de "normalidade", a quantidade de PLs versando sobre planos de saúde apresentados em Brasília é realmente expressiva. Com efeito, apenas nesses três primeiros meses do ano de 2025, já foram propostos mais de 10 PL tratando sobre "planos de saúde", todos buscando, de alguma forma, alterar a LPS, para ampliar os direitos dos contratantes e dos consumidores, vide os seguintes exemplos:
- O PL 143/25 (deputado Lucio Mosquini), por exemplo, pretende alterar a LPS para, entre outras questões, permitir que a rescisão unilateral de contratos de plano de saúde individual ou familiar, por motivo de inadimplemento do consumidor, ocorra apenas quando houver inadimplemento superior a 90 dias. Atualmente, a LPS fala em 60 dias (art. 13);
- O PL 150/25 (deputado Max Lemos), por sua vez, também alterando a legislação Federal, além de tornar as regras de reembolso mais rígidas para as operadoras (propondo, por exemplo, que a não realização de reembolso ao beneficiário no prazo de 30 dias sujeitaria à operadora ao pagamento de multa equivalente ao dobro do valor devido), visa simplesmente vedar às operadoras de planos de saúde a negativa de cobertura para "tratamentos prescritos por profissional de saúde habilitado" (a redação proposta é genérica e não traz exceções);
- O PL 262/25 (deputado Maurício Carvalho) objetiva que a operadora que discriminar idoso (impedindo o seu ingresso em plano de saúde) seja condenada a indenizá-lo por danos morais e materiais (atualmente, cumpre lembrar, a legislação já veda qualquer discriminação - art. 14 da LPS);
- O PL 263/25 (deputado Domingos Neto) quer incluir vacinas preventivas dentro do espectro das coberturas assistenciais obrigatórias (atualmente, vacinas não estão incluídas dentre as coberturas obrigatórias);
- O PL 649/25 (deputada Rosangela Moro), rompendo em parte a lógica das segmentações assistenciais dos planos de saúde, objetiva que os planos hospitalares sem obstetrícia (ou seja, aqueles que não dão cobertura para serviços específicos relacionados ao pré-parto, parto e pós-parto) forneçam cobertura obrigatória para atendimentos de urgência decorrentes de complicações no processo gestacional;
- O PL 1229/25 (deputado Romero Rodrigues), o qual almeja vedar que as operadoras de planos de saúde exijam "relatório médico" para autorizar exames simples e de baixa complexidade. A redação não é clara, mas aparentemente a intenção é que determinados exames possam ser feitos diretamente pelos beneficiários, sem qualquer justificativa ou solicitação médica formal;
- PL 1085/25 (deputado Fred Linhares) para, através da criação de um novo artigo na LPS, "vedar a recusa, exclusão, suspensão ou rescisão unilateral do contrato dos planos de saúde para o tratamento multidisciplinar e ilimitado de terapias prescritas aos portadores de doenças degenerativas, transtorno do espectro autista, pessoas com Síndrome de Down e os portadores de deficiências físicas"; e
- PL 1159/25 (deputado Fábio Teruel) para, entre outras questões, determinar que, em caso de negativa de cobertura, a operadora seja obrigada a, no prazo máximo de 24 horas, informar ao beneficiário, detalhadamente e por escrito, o motivo da negativa. A proposta também busca que as operadoras encaminhem, anualmente, à ANS, relatório detalhado contendo os quantitativos totais e os percentuais de autorização e negativa para a realização de procedimentos, incluindo as respectivas justificativas, bem como que tais dados sejam amplamente divulgados e integrem o cálculo do IDSS - Índice de Desempenho da Saúde Suplementar.
Interessante referir que, atualmente, encontram-se em tramitação junto à Câmara dos Deputados mais de 700 PLs tratando sobre "planos de saúde", dos quais mais de 230 foram propostos nos últimos três anos (2022, 2023 e 2024). Considerando apenas os projetos propostos no ano passado, 2024, verifica-se que a grande maioria igualmente almeja ampliar os direitos dos beneficiários e/ou os deveres das operadoras, buscando, em linhas gerais:
- ampliar o rol de quem pode ser incluído como beneficiário dependente;
- enrijecer as regras de reajustes aplicados aos planos coletivos, inclusive para que a ANS determine índice de reajuste anual máximo (como ocorre com os planos individuais e familiares);
- tornar novos serviços, tratamentos e procedimentos como de cobertura obrigatória;
- garantir o direito a beneficiários continuarem o tratamento com o prestador eleito em caso de descredenciamento do referido prestador de serviço;
- facilitar o direito a reembolso por parte dos beneficiários;
- proibir cancelamento de contrato quando o beneficiário estiver internado;
- garantir a continuidade da assistência, em caso de rescisão contratual de planos coletivos, para beneficiários em tratamento médicos, idosos, com câncer ou doenças raras;
- ampliar as obrigações relacionadas ao fornecimento das informações e justificativas decorrentes de negativas de cobertura; e
- proibir a prática de atendimento privilegiado a pacientes particulares, por parte dos prestadores.
Propostas envolvendo beneficiários portadores de TEA - Transtorno do Espectro Autista também se destacam. Apenas para exemplificar, o PL 4433/24 (deputado Robinson Faria) visa que o beneficiário em questão tenha direito a realização de "todas as terapias e procedimentos necessários ao cuidado das condições diretamente relacionadas ao TEA, mediante indicação do médico assistente"; o PL 2998/24 (deputado Eduardo da Fonte), tornar obrigatória a cobertura de "serviços de sessões de fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional com integração sensorial, psicopedagogia, psicomotricista, musicoterapia ou equoterapia para pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) realizadas em ambiente clínico, escolar ou domiciliar"; o PL 1422/24 (deputada Yandra Moura), tornar obrigatório o "reembolso integral pelo plano de saúde pelas despesas com tratamento definido pelo médico, à pessoa com TEA"; o PL 1731/24 (deputado Alex Manente), pretende tornar obrigatória a cobertura para toda e qualquer intervenção terapêutica prescrita para tratamento de beneficiários portadores com TEA - Transtorno do Espectro Autista.
Outros projetos que chamam especial atenção e que merecem citação:
- PL 1393/24 (deputado Jonas Donizette), o qual busca tornar obrigatória a cobertura para medicamento de uso off-label ou para tratamento experimental, desde que haja registro junto à Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária e prescrição médica (a normatização atual determina que, como regra, tratamentos experimentais, incluindo aqueles fora da bula, estão excluídos da cobertura obrigatória);
- PL 2859/24 (deputado Pedro Lucas Fernandes), que pretende fazer com que o plano de saúde hospitalar com obstetrícia do beneficiário-pai garanta a cobertura para o parto, ainda que a mãe não seja beneficiária do mesmo plano de saúde ou esteja cumprindo carências para o parto; e
- PL 1670/24 (deputado Jonas Donizette) visa tornar obrigatória a cobertura para procedimentos de urgência ou emergência, independentemente de cumprimento de prazo de carência, inclusive quando forem necessários "procedimentos exclusivos da cobertura de segmentação não contratada".
Entre propostas tão distintas é possível verificar alguns pontos em comum, a começar pela evidente tentativa de aumentar os deveres das operadoras de planos de saúde, evidenciando nítido viés político das propostas (afinal, legislar em favor consumidores certamente gera mais votos do que o contrário).
O que mais preocupa, no entanto, é a ausência de mínima justificação técnica na maioria dos projetos, assim como a total e absoluta falta de previsão sobre os desdobramentos práticos que muitas dessas propostas teriam também para com os próprios consumidores, a começar pelo aumento dos preços dos planos. Mesmo se tratando de propostas com ambição de alterar completamente regras atuais, os reflexos, de curto ou mesmo de longo prazo, parecem ser simplesmente desconsiderados, o que, por si só, justifica a constante e ininterrupta vigilância do mercado e das operadoras.
Chama atenção, também, a semelhança de algumas propostas com as próprias propostas regulatórias (sugeridas pela ANS), o que, no mínimo, revela uma tendência de que determinadas alterações, seja pela via regulatória, seja pela via político-legislativa, invariavelmente ocorrerão, acarretando alterações por parte dos agentes regulados, notadamente as operadoras de planos de saúde.
Sem prejuízo do acima exposto e da importância de se monitorar e manter constantemente vigilante quanto aos avanços das citadas propostas, não custa lembrar que as operadoras podem, eventualmente, de forma legítima não concordar com a legalidade e/ou constitucionalidade de determinada alteração legislativa, inclusive ingressando, conforme o caso, com ação judicial.
No passado, aliás, a própria LPS teve diversos dispositivos questionados junto ao STF. E, atualmente, a lei Federal 14.454 está igualmente sendo objeto de questionamento junto ao STF.
Da mesma forma que as potenciais alterações decorrentes de medidas regulatórias, também devem ser acompanhadas por assessoramento jurídico especializado as potenciais alterações decorrentes do poder político, seja para orientar quanto às adaptações necessárias, seja para, eventualmente, instruir a melhor forma de se discutir judicialmente determinada lei Federal.
Bernardo Franke Dahinten
Doutor e Mestre em Direito pela PUCRS. Advogado em Porto Alegre/RS.