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Reestruturação empresarial no Brasil: O papel estratégico do DIP financing

O DIP Financing ganha destaque como pilar da recuperação judicial no Brasil, oferecendo capital essencial à sobrevivência - liquidez imediata - de empresas em crise e atraindo novos investidores.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Atualizado às 16:59

Os meios de recuperação judicial previstos no artigo 50 da lei 11.101/05, especialmente após as alterações promovidas pela lei 14.112/20, configuram um amplo espectro de medidas destinadas à reestruturação econômico-financeira da empresa em crise, garantindo sua viabilidade e continuidade operacional.

Tais estratégias podem ser agrupadas em três grandes eixos: (i) reestruturação do passivo e das obrigações financeiras; (ii) reorganização societária e administrativa; e (iii) alienação de ativos e reorganização patrimonial.

No primeiro eixo (i) destacam-se, e.g, a concessão de prazos e condições especiais para o pagamento das obrigações vencidas ou vincendas, bem como a equalização de encargos financeiros, medida que viabiliza a renegociação do endividamento. A conversão da dívida em capital social, por sua vez, é alternativa relevante para a reestruturação patrimonial, promovendo o ingresso de credores como acionistas e possibilitando a capitalização da sociedade ("conversão de dívida em equity").

No âmbito da reorganização societária e administrativa (ii), o plano de recuperação pode prever alterações estruturais, como a cisão, fusão, incorporação ou transformação da sociedade. A reestruturação também pode envolver a modificação do controle societário, a substituição dos administradores, a administração compartilhada etc.

Ainda, a constituição de uma sociedade de propósito específico ("SPE") para adjudicar ou separar ativos estratégicos da empresa reestruturada ou mesmo a criação de uma sociedade formada pelos próprios credores são mecanismos que permitem um redesenho organizacional visando a continuidade da atividade empresarial.

No terceiro eixo (iii), relacionado à alienação de ativos e reorganização patrimonial, destacam-se a venda parcial de bens, o usufruto da empresa, o trespasse ou arrendamento de estabelecimentos e a emissão de valores mobiliários (e.g, debêntures) como formas de captação de recursos e preservação da empresa. O instituto da venda integral da sociedade, previsto como unidade produtiva isolada ("UPI"), garante que a transferência da empresa para terceiros ocorra sem a sucessão de passivos, viabilizando o interesse, sobretudo, de investidores.

A adoção de tais instrumentos, seja de forma isolada ou combinada, deve sempre observar a viabilidade econômica da empresa, a proteção dos interesses dos credores e a preservação da função social do negócio ("preservação da empresa").

Dessa forma, a legislação permite uma recuperação estruturada e adaptável à realidade de cada empresa, conferindo ao devedor mecanismos eficientes para a superação da crise e manutenção da atividade empresarial.

O DIP Financing destaca-se como uma das alternativas eficazes para viabilizar a reestruturação financeira de empresas em recuperação judicial, justamente pela possibilidade de obtenção de créditos no mercado para assegurar a continuidade das operações e a preservação do valor dos ativos, mitigando os riscos de colapso da atividade empresarial.

Além de garantir liquidez imediata, o DIP Financing fortalece a confiança do mercado na recuperação da empresa, atraindo potenciais investidores e fornecedores, ao mesmo tempo em que proporciona um ambiente financeiro mais estável para a renegociação de passivos. Assim, ele se consolida como um instrumento estratégico e, em muitos casos, decisivo para a viabilidade da recuperação judicial, permitindo que a empresa supere sua crise de forma sustentável e preserve sua função social e econômica.

É unânime o entendimento de que não existe recuperação judicial possível, sem o chamado "dinheiro novo". Qualquer empresa em atividade normal necessita de crédito para poder implementar seus projetos, o que faz normalmente valendo-se de seus contatos no campo financeiro, assumindo empréstimos em bancos e colhendo dinheiro de investidores em geral. Essa necessidade de capital mais se acentua quando a empresa entra em recuperação judicial, já palmilhando um campo de crise confessada pelo próprio pedido de recuperação. Nesse momento em que mais necessita de aportes financeiros, o que ocorre sempre é que os financiadores acabam se retraindo, criando dificuldades intransponíveis para fornecimento de crédito.1

Se é certo que empresas endividadas possuem acesso restrito a crédito no mercado, aquelas que ingressam em recuperação judicial se deparam com nível de estrangulamento ainda maior. Isso se dá não só em razão da perda das linhas de crédito antes existentes, como também pela dificuldade de celebração de novos contratos de empréstimo, dada a percepção, por parte de potenciais investidores, da alta probabilidade de inadimplemento do pacto a ser assumido.2

Quando a empresa entra em crise, seu acesso ao crédito fica altamente restringido ou é mesmo suprimido. E, na economia atual, é muito difícil que as empresas possam atuar sem acesso constante e regular a fontes de financiamento. Por isso, a literatura reconhece unanimemente que o acesso a fontes de financiamento, ou ao usualmente chamado financiamento DIP ou financiamento exit, é um dos fatores determinantes para o sucesso da recuperação da empresa."3

Segundo o brilhante Eduardo Mattos "o DIP fornece um instrumento com maior segurança e com incentivos econômicos sedutores ao emprestador, no intuito final de a empresa em crise obter capital novo para desafogar sua atividade."

Ainda, observa e ressalta-se que: "o financiamento DIP não serve para desalavancar a empresa. Muito pelo contrário. São mais recursos contabilizados como capital de terceiros. Se o problema financeiro advinha da estrutura de capital, esse percalço será amplificado pelo DIP, ou seja, o DIP fornece nova linha de capital para manter a operação "acima d'água", mas não melhorará a estrutura de capital e não tornará, por si só, a atividade superavitária. Para que a operação financeira agregue valor, assim como na regra cardinal de investimentos, os recursos do DIP deverão ser empregados de maneira que obtenham retorno superior ao seu custo de captação "4

Conclui-se, portanto, que o DIP Financing emerge como um dos instrumentos eficazes para apoiar a superação da crise no âmbito da recuperação judicial, proporcionando um mecanismo seguro e atrativo tanto para o devedor quanto para os financiadores.

A grande vantagem do DIP Financing reside na sua capacidade de prover liquidez imediata em um momento no qual o crédito tradicional se torna praticamente inacessível para empresas em recuperação. A retração natural dos financiadores diante do risco de insolvência é mitigada pela estrutura legal do DIP, que confere aos investidores prioridade no recebimento de seus créditos.

Contudo, o sucesso do DIP Financing depende de sua implementação estratégica e disciplinada. O simples acesso a capital novo não resolve, por si só, os problemas financeiros da empresa, sendo imprescindível que os recursos sejam empregados de maneira eficiente, com retorno superior ao custo de captação. Como bem pontuado por Eduardo Mattos, o DIP não tem a finalidade de desalavancar a empresa, mas sim de proporcionar um fôlego financeiro que permita a reestruturação de sua atividade e modelo de negócios.

Diante desse cenário, o DIP Financing quando utilizado com planejamento e aliado a outras estratégias de reestruturação (e.g:. renegociação de passivos, reorganização societária, venda de ativos não essenciais etc.) o DIP se torna um pilar interessante na recuperação judicial, aumentando significativamente as chances de sucesso e garantindo um processo sustentável de retomada da atividade empresarial.

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1 FILHO, Manoel; BEZERRA, Adriano; SANTOS, Eronides. Seção Iv-A. Do Financiamento do Devedor e do Grupo Devedor Durante a Recuperação Judicial In: FILHO, Manoel; BEZERRA, Adriano; SANTOS, Eronides. Lei de Recuperação de Empresas e Falência - Ed. 2022. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/lei-de-recuperacao-de-empresas-e-falencia-ed-2022/1728397002. Acesso em: 14 de Março de 2025.

2 PEREIRA, Guilherme. 12. O Dip Financing na Lei Nº?11.101/05: A Posição do Financiador da Empresa em Recuperação Judicial In: PEREIRA, Guilherme. Litigation Finance e Special Situations - Ed. 2023. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2023. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/litigation-finance-e-special-situations-ed-2023/1865872882. Acesso em: 14 de Março de 2025

3 (Cf. Eduardo Secchi Munhoz. Financiamento e investimento na recuperação judicial. In: Sheila C. Neder Cerezetti; Emanuelle Urbano Maffioletti (Coord.). Dez anos da lei nº?11.101/2005: estudos sobre a lei de recuperação e falência . São Paulo: Almedina, 2015, p. 271).

4 MATTOS, Eduardo; PROENÇA, José. Capítulo 6. Financiamento da Empresa em Crise In: MATTOS, Eduardo; PROENÇA, José. Recuperação de Empresas - Ed. 2023. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2023. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/recuperacao-de-empresas-ed-2023/2072362790. Acesso em: 14 de Março de 2025.

Leonardo Pelati

VIP Leonardo Pelati

Advogado. Pós-graduado em Processo Civil. Especialista em Reestruturação, Recuperação Judicial e Falências pela FGV. Especialista em Distressed Assets. MBA em Gestão de Riscos e Compliance FIA/USP.

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