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Desconsideração da PJ: Como empresários protegem o patrimônio

Entenda os riscos da aplicação indevida da desconsideração da personalidade jurídica para empresários, os requisitos legais exigidos e estratégias para proteger seu patrimônio.

sábado, 5 de abril de 2025

Atualizado em 4 de abril de 2025 13:46

A personalidade jurídica é um pilar do Direito Empresarial, garantindo que o patrimônio da empresa seja distinto do patrimônio pessoal dos sócios. Essa separação, prevista no art. 50, do Código Civil (Lei 10.406/02), assegura que os riscos do empreendimento fiquem restritos à pessoa jurídica, incentivando investimentos e inovações. No entanto, o uso indiscriminado da desconsideração da personalidade jurídica por tribunais brasileiros tem ameaçado esse equilíbrio, gerando insegurança jurídica e riscos financeiros para empresários.

O que é a Desconsideração da Personalidade Jurídica?

A desconsideração é um instituto jurídico excepcional que permite ao juiz ultrapassar a separação patrimonial entre a empresa e seus sócios, atingindo bens pessoais para pagamento de dívidas. Seu objetivo é coibir fraudes e abusos, como:

Desvio de Finalidade: Uso da empresa para práticas ilícitas (ex: Sonegação Fiscal, Lavagem de Dinheiro);

Confusão Patrimonial: Mistura de bens da empresa com os dos sócios (ex: contas bancárias compartilhadas, uso de recursos societários para gastos pessoais);

Apesar de sua natureza excepcional, o instituto tem sido aplicado de forma expansiva, muitas vezes sem comprovação dos requisitos legais.

A Legislação Brasileira e os critérios obrigatórios.

O art. 50, do Código Civil (Lei n. 10.406/02) e arts. 133 a 137, do Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/15), exigem prova robusta para a desconsideração. Veja os requisitos:

Desvio de Finalidade.

A empresa deve ser usada intencionalmente para fins ilícitos, como fraudar credores ou burlar leis. Exemplo clássico: criação de empresas "laranjas" para ocultar patrimônio.

Confusão Patrimonial.

Ausência de separação clara entre os bens da empresa e os dos sócios. Práticas comuns que configuram confusão:

Uso de veículo empresarial para fins pessoais sem contrato de cessão.

Retirada de lucros sem formalização (ex: "caixa dois").

Importante: A mera insolvência da empresa não justifica a desconsideração. O STJ já reiterou que a falta de bens penhoráveis não autoriza o atingimento do patrimônio pessoal (REsp 1.781.231/SP).

A Banalização do Instituto: Dados e impactos no ambiente empresarial.

Segundo levantamento do CNJ (2023), 43% das decisões que aplicaram a desconsideração em 2022 não mencionaram provas concretas de desvio ou confusão patrimonial. Essa flexibilização gera:

1) Insegurança Jurídica para Empresários.

2) Medo de perda patrimonial mesmo em atividades lícitas.

3) Dificuldade em atrair investidores, que evitam riscos imprevisíveis.

Distorção da Responsabilidade Limitada.

A responsabilidade limitada, base do direito societário, é substituída por uma "responsabilidade ilimitada judicial", desequilibrando o risco empresarial.

Prejuízos à Economia.

Como alerta Arnoldo Wald, a insegurança jurídica desestimula a abertura de novas empresas, reduzindo empregos e a competitividade do país.

O Incidente de Desconsideração (IDPJ): O que a lei exige e o que acontece na prática.

O CPC/2015 criou o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica -IDPJ para assegurar o devido processo legal. O rito inclui:

1) Citação dos sócios para se defenderem;

2) Produção de provas sobre desvio ou confusão patrimonial;

3) Decisão fundamentada, com análise dos requisitos legais;

Na prática, muitos juízes ignoram o IDPJ e desconsideram a personalidade jurídica diretamente na execução, violando o artigo 5º, inciso LV, da Constituição (Amplo Direito de Defesa). Essa postura, criticada por Fábio Ulhoa Coelho, transforma a desconsideração em um instrumento de coerção, não de justiça.

Casos Reais: Quando a desconsideração é aplicada indevidamente.

Caso 1: Empresa de Pequeno Porte com dívidas trabalhistas.

Um sócio de uma microempresa teve seu imóvel particular penhorado após a empresa não pagar verbas rescisórias. O juiz alegou "insuficiência patrimonial da empresa" como justificativa, sem comprovar desvio de finalidade. O caso foi anulado pelo TJSP por ausência de requisitos legais (Apelação 0025897-89.2020).

Caso 2: Confusão Patrimonial Presumida.

Um empresário usou o CNPJ da empresa para comprar um veículo, mas documentou o bem em nome pessoal. O juiz desconsiderou a personalidade jurídica sem analisar se havia má-fé. O STJ reformou a decisão, destacando que a presunção de confusão não substitui a prova (REsp 1.950.432/RS).

Estratégias para proteger o patrimônio pessoal.

Empresários devem adotar medidas preventivas para evitar a desconsideração:

1) Separação Patrimonial Clara.

Mantenha contabilidade detalhada e independente. Evite usar bens pessoais para fins empresariais sem formalização (ex: Contrato de Comodato).

2) Governança Corporativa.

Implemente políticas de compliance para evitar práticas ilícitas. Realize assembleias periódicas e documente decisões societárias.

3) Controle de Retiradas de Lucro.

Formalize pró-labore e distribuição de dividendos conforme a legislação.

4) Assessoria Jurídica Especializada.

Advogados societários podem elaborar Contratos Sociais robustos e contestar decisões judiciais baseadas em presunções.

É possível reverter a banalização do instituto?

A desconsideração da personalidade jurídica só cumpre sua função social se aplicada com rigor técnico. Para isso, é essencial que os advogados atuarem de forma proativa, combatendo decisões arbitrárias via recursos judiciais.

A segurança jurídica não é apenas um direito dos empresários, mas uma condição para o desenvolvimento econômico sustentável.

Frederico Muniz Ferreira

VIP Frederico Muniz Ferreira

Mestre em Direito Empresarial | PUC-RIO; Especialista em Direito Processual Civil | EMERJ; Master of Laws (LL.M) em Direito Civil e Privado | FGV-RJ;Especialista em Direito Civil | ESA; Advogado;

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